Lá em cima as coisas são mais em baixo

Dizem que Deus estava de saco cheio de ouvir dos humanos todos aqueles pedidos estapafúrdios, todas aquelas piadinhas de português, as confissões, as queixas, as promessas de fim de ano, os remorsos do pecado, aquele blá blá blá anexado às orações.

E quando a demanda estava além da conta, Deus dava uma espécie de reset e mandava para a terra um tsunamizinho, uma gripe, um meteoro, um dilúviozinho, enfim, tudo para poder tomar fôlego novamente àquela pegação no pé mundana.

Contudo, achou que era injusto fazer isso com a sua própria criação, então, instituiu uma comissão permanente de Anjos para catalogar todos os imbróglios dos homens e mulheres. Modelo copiado por Papai Noel na criação de seus ajudantes, as ONGs (Organizações Natalinas e Gnomos S.A).

Mas voltando aos Anjos, primeiramente eles registravam os pecados, as queixas, as travessuras dos seres humanos, esculpindo em pedras. Depois vieram os pergaminhos, a caneta bico de pena, os fichários, a máquina de escrever, o computador. E com o advento da modernidade veio a burocracia, os sindicatos, as filas, as manifestações, o mensalão, a propina... Literalmente o inferno lá no céu.

E foi num dia desses qualquer, que Lupércio andava com a mão no bolso para não deixar cair sequer uma moeda de um centavo que, de repente uma luz divina pairou em sua frente, na verdade despencou, pois, o Anjo era ruim de aterrissagem.

O Anjo se levantou sacudindo a poeira e Lupércio de súbito se ajoelhou.

― P.Q.P que susto... Deus me abençoe! ― falou Lupércio.

― Bico fechado seu boca suja. Não use o nome Dele em vão se não Ele escuta. Sorte sua que Ele está meio surdo.

Lupércio estranhou o jeitão do Anjo que usava boné virado para o lado e correntes de ouro no pescoço, assim como um bermudão caído dando mostras a uma cueca. Lupércio não queria nem saber se Anjo tinha sexo um não.

― Negócio é o seguinte meu irmão. Tenho aqui uma listagem com seus pecados, e posso te afirmar que com essa ficha tu não vai entrar no céu! ― disse o Anjo.

Lupércio gaguejou ― Mmmaammas Mememeu Deus, que lista é essa?

― Tá de sacanagem comigo? Primeiro já te falei para não usar o nome do Altíssimo à toa. Segundo, tu tá duvidando de mim meu chapa? ― falou o Anjo.

― Mas é que...

― Não tem nada de “mas”, vamos resolver isso agora. Eu posso apagar esses registros, mas eu quero em troca uma camiseta oficial do Vasco...

― Camiseta do Vasco?

― Qual é malandro, vai dizer que tu não torces por nenhum time?

― Não, é que...

― Anota aí então: Camiseta do Vasco tamanho M. Dez latas de sardinhas com molho de tomate. Um pacote grande do amendoim japonês. Uma caixa de cerveja Brahma. E preservativos.

Lupércio saiu na corrida para encontrar os pertences. Voltou até com uns agradinhos a mais. Entregou a camiseta, as sardinhas, o amendoim, uns chocolatinhos, as cervejas, uns foguetes. Mas uma coisa não saia da cabeça de Lupércio: o porquê dos preservativos já que dizem que Anjo não tem sexo?

E Lupércio perguntou!

E o Anjo respondeu: ― Tu achas meu irmão, que o Magnânimo criaria as coisas sem antes fazer uma espécie de test drive? O Anjo sorriu dizendo: ― Lá em cima as coisas são mais em baixo.

Lupércio achou que seria uma resposta para a possibilidade de existir o paraíso.

― E os meus registros... Serão apagados? ― perguntou Lupércio.

― Não se preocupe, o Supremo é bondoso. E de qualquer forma, seria muito chato para Ele quando tu um dia chegar lá em cima e ver que não aproveitaste nada da vida que lhe deu, inclusive a possibilidade de errar... Pois quem tu achas que criou o pecado?

Quando o Anjo havia voltado para o céu, Lupércio fala baixinho: ― P.Q.P... Deus é o cara!

E uma lata de sardinha despenca do céu em direção cabeça de lupércio.