Psicólogo Clínico Gestalt-terapeuta
CRP 12/07911
Mais um dia.
E o salame fatiado sobre o pão, condimentado com suaves esfregadas de mostarda escura, aos poucos era mordido. Um pouco da mostarda se aloja no canto da boca. Sem cerimônia a língua atua na limpeza. Amiúdes farelos caem fora do prato de porcelana que são pinçados pelos dedos. Grãos que insistem em ficar debaixo das unhas.
― Quem sabe hoje?
No rádio toca uma marchinha alemã. O café com duas colheres de açúcar, sem leite, em uma xícara de estampa bucólica segurada pela alça entre os dedos da mão esquerda.
Frank toma mais um gole do café. Só não toma coragem para ir até a casa da frente, que é residida por sua vizinha, para declarar seus sentimentos.
― Quem sabe hoje?
Do outro lado da rua, Clélia prepara biscoitos de Natal. Biscoitos confeccionados na Páscoa, no Carnaval, nas festas Juninas, no aniversário dos sobrinhos, inclusive... No Natal.
― Quem sabe hoje?
Pela janela embaçada devido o calor esfumaçante dos biscoitos que acabaram de sair do forno, Clélia vê Frank sair com sua boina terra cota metodicamente sempre no mesmo horário, às 17h45min.
― Uma linguiça mista, quatro salsichas pequenas, um salame. Por favor!
Frank, como sempre, no mesmo horário, de segunda a sábado, vai até o açougue e faz sempre o mesmo pedido.
As salsichas, a linguiça, o salame, foram embrulhados na folha de um jornal que tinha como notícia de capa: “Não nos calarão com o Plebiscito”.
A foto no jornal de vários manifestantes misturados à linguiça, o salame e as salsichas dão cheiro e sabor à fotografia e às notícias.
Frank, na volta para casa pensava que quem sabe hoje falaria com Clélia. Clélia, por sua vez, enquanto os biscoitos Natalinos esfriavam na beirada da janela pensava que quem sabe hoje falaria com Frank.
― Quem sabe hoje? Pensava Clélia e Frank.
O final da tarde se aproximava. Um cachorro se espreguiçava junto a um poste. Algumas estrelas começavam a aparecer na parte mais escura do céu. Frank e Clélia finalmente se encontram, cruzam olhares, sorriem. Frank com sua Boina terra cota, Clélia com um pouco de farinha em seu avental.
Nervosos dizem um para o outro:
― Trouxe meu salame para você! ― diz Frank.
― Obrigada. Também gostaria de te dar algo... O meu biscoito! ― diz Clélia.
Frank e Clélia juntaram os seus biscoitos e salames naquela noite.
No dia seguinte, alguma notícia, de uma das folhas de algum jornal, ficaria sem a lingüiça, o salame e as salsichas do Frank, pois, ele estaria tomando café com biscoito.