Psicólogo Clínico Gestalt-terapeuta
CRP 12/07911
Que noite! ― dizia Fábio para a sua consciência.
O pior não era à noite, mas sim o dia. Quanta claridade.
Fábio tem apenas vagas lembranças. Lembranças distorcidas e nebulosas. Nebulosas pelo simples fato da noitada ter sido num daqueles ambientes onde ainda é permitido fumar. Muito gelo seco, laser, flashes. O cérebro do Fábio era algo como se estivesse trabalhando em monofásico e as sinapses hibernando. O nome científico para isso se chama hommo sapiens de rassaca.
Tudo começou com o convite dos amigos, depois com a desculpa que ele teria que dar para a esposa. Os homens não são muito bons em improvisar e por isso passou meio dia elaborando o ardil. E como todo homem que se preze, finalmente conseguiu encontrar uma solução. Porém, como todo homem que se preze conseguiu arranjar mais confusão com a desculpa esfarrapada da final do campeonato de futebol de botão.
Fábio ligou para a sogra falando que os netos estavam com saudades e mais meia dúzia de sentimentalismos que a avó não pode resistir, que por fim, ela acabou cedendo à pressão imposta pelo amor incondicional dos netos e passou a noite junto deles e da filha.
Era de manhã cedo quando Fábio chegou com uma sacola de pães. Foi então que descobriu que não tinha pisado na bola de botão apenas uma vez, mas que tinha cometido um erro duplo, o primeiro foi ao tentar driblar a esposa, que lhe esperava com a ponta do pé esquerdo batendo no chão, o segundo erro foi convidar a sogra para passar a noite junto a sua residência, que também lhe esperava com a ponta do pé direito batendo no chão. Fábio pensou ― vai ser difícil passar por esses zagueiros!
Fábio conseguia lembrar as coisas daquela noite de forma fragmentada. Recordava que tinha caído ao tentar fazer uma dança imitando as poderosas. O que lhe dava uma dor infernal na lombar. Lembrava até o décimo quarto caneco de chopp, depois vieram as caipirinhas, depois as bebidas com nomes franceses, o vermouth, cointreau, champagne.
Essas bebidas afrescalhadas da França é que me fazem mal!― exclamava Fábio. Apesar de que o Vermouth é uma bebida Italiana. É que o Fábio ainda é ressentido pelo fato da França ter eliminado o Brasil em algumas copas do mundo de futebol.
Uma das últimas recordações de Fábio era que havia uma mulher com longos cabelos. E ele foi com ela até o carro. O que lá fizeram, por onde estiveram, e o que aconteceu com ela quando ele acordou com o sol batendo em seu rosto e por ela ter desaparecido, tudo era um grande mistério, misturado por uma grande dor de cabeça em forma de ressaca.
Fábio teria que compensar. Preparou o café da manhã para a família. Os ovos mexidos para a sogra. Brincou com as crianças e convidou todos para passear nas praias de sua querida Florianópolis.
Não tinham nem chegado às praias, nem visto ainda o mar e Fábio já se sentia mareado. Mas disfarçou como todo bom homem que se preze. Ao pisar no freio do carro, Fábio sentiu que algo lhe atrapalhava, ao olhar por entre seus pés viu a prova que precisaria para confirmar todo o mistério, um sapato feminino vermelho.
― Merde! ― disse Fábio. Que é Merda em Francês.
Fábio precisou usar de artifícios femininos nessa ora quando apontou para o lado direito e gritou ― Uma baleia na praia! E assim pela janela se livrou da prova que poderia lhe incriminar.
Depois, caminharam pela praia, Fábio a esposa e as crianças, menos a sogra. Foram almoçar menos a sogra, fizeram varias coisas naquele dia, menos a sogra de Fábio participou das atividades da família. Fábio estava desconfiado de que a sogra poderia ter visto o sapato e por isso não queria compartilhar daquela mentira, afinal, era o sapato de outra mulher que estava no carro do genro.
Ao deixar a sogra em sua residência, a esposa de Fábio o chama para uma conversa. Fábio pressente o perigo.
― Estou preocupada com a mamãe! Acho que ela está com Alzheimer, pois, ela jura que ao sair de casa hoje pela manhã ela calçou os dois sapatos, aqueles vermelhos que ela tanto gosta e quando se viu dentro do carro estava apenas com um deles.
Fábio como todo bom genro que se preze falou que cuidaria da sogra como cuidaria da sua própria mãe.
Mas afinal, quem era a mulher misteriosa que me levou até o carro naquela noite? ― questionava Fábio.
Amigos do Fábio desmistificaram. Falaram que não era mulher, mas sim o segurança cabeludo da boate de nome Jean Jenet de Lacroix, foi quem colocou Fábio para dentro do carro quando ainda cantava a Marselhesa (hino da França).