Psicólogo Clínico Gestalt-terapeuta
CRP 12/07911
O vento meneava os ciprestes verdes. Atingia a face como uma lâmina gelada e sussurrava em nossos ouvidos prazeres daquela estação. Era inverno. O céu azul dos fins de tarde contrastava com as estrelas que iam surgindo ao anoitecer. Choviam meteoritos e os pedidos eram para que nunca nos separássemos. Eu vivi até aquele momento quarenta e um invernos. Sim, eu estava com 41 quando o conheci.
Estava eu saindo de uma pequena livraria no centro da cidade quando uma das minhas pastas se espatifou no chão, lançando alguns documentos ao léu. As folhas de papel rolavam pela calçada de igual modo como as folhas das árvores se refugiavam debaixo dos assentos das praças. Ele saiu correndo com seus passos largos catando as que rodopiavam em sua frente. Ele tinha olhos verdes, um verde mar. Tinha não só juntado as minhas folhas como também juntado uma parte de mim. Era uma estranha sensação, eu admitia. Mas era um sentimento quase que absoluto de certeza e incertezas. Disse obrigado e ele perguntou meu nome. Disse que me chamava Julia. Fiquei um tanto quanto incomodada, pois, sabia que não era uma pergunta apenas gentil, havia algo no ar além do frio. Era algo quente que ruborizou a minha face. Ele então sorriu. Disse que seu nome era Pedro e outras coisas que não consegui prestar a atenção. Eram os olhos e a boca dele que me faziam devanear. Não saberia dizer quais eram as palavras que por entre os dentes dele saíam naquele momento. Eu apenas lia em seus lábios: Beije-me!
Apaixonamo-nos. Eu com 41 e ele com 19. Eram 18 anos de diferença. Poderia eu muito bem ser a mãe do Pedro? Contudo, não éramos. Éramos amantes. Eu terminando meu doutorado, Pedro no primeiro ano da faculdade. Pela pouca idade do Pedro, ele sabia exatamente o queria. Garanto que mesmo tendo alguns anos a mais fiquei em dúvida... Mas, logo me deixei ser conduzida pela vida e a respeitar meus sentimentos.
Então, passou aquele inverno. Chegou a primavera do nosso amor e calor tórrido do verão dos nossos corpos, o outono das lágrimas que caem do céu acinzentado.
Outros invernos vieram, fazendo com que aproximássemos ainda mais um corpo no outro e assim aquecíamos nosso amor.
Mas eu era desconfiada demais frente ao longo tempo que nos separava, afinal, eram 18 anos. Pensava: é o tempo que se leva para se obter a permissão para dirigir. É o tempo que se leva para chegar à maioridade... E quando eu estava com 59 disse para o Pedro seguir o seu caminho. Pedro relutou, dizendo que eu estava enganada, que as coisas das quais eu falava era por medo. E enquanto Pedro ia falando, pude ler mais uma vez em seus lábios os sabores de seus beijos. Mas não adiantou, eu não pude mais conviver com aquela diferença.
Hoje estou com 77. Estou sentada em uma cadeira de balanço sob majestosas árvores que me agraciam com suas folhas que se desprendem dos ramos. Lembro-me do Pedro catando as minhas folhas que insistiam em se afugentar naquela fria estação. Pedro teria a mesma idade que eu quando disse para ele partir da minha vida. Lembro do seu sorriso, da sua pele, dos seus beijos. Pedro teria 59 anos caso não tivesse falecido a um ano atrás. Caso não tivesse corrido pela rua atrás do avião de papel que seu sobrinho fez e por isso ter sido atropelado. Atropelado como uma folha outonal que é arremessada pelo vento. Como uma folha que é atropelada pelo tempo.
Vivi até os 95. Imaginava sempre o Pedro trazendo as minhas folhas em suas mãos. Imaginava aquele momento que viveria além de qualquer tempo.