Psicólogo Clínico Gestalt-terapeuta
CRP 12/07911
― Ô, acorda aí meu irmão! (dizia uma voz desconhecida)
― Que preguiça... ― falou Lupércio após uma alongada nas costas e de um longo bocejo.
― Mas que lugar é esse? E por que há tantos homens só com paletós e sem as calças? E que fila gigante é essa?
― Olha para você, meu irmão! (a voz novamente)
― Mas que m... O que fizeram com a minha calça?
― É que você chegou assim de lá.
― De lá?
― É... Da sua vida... Ex...
― Quer dizer que...
― Isso. Você está morto! E no caixão só te vestiram da cintura para cima, para economizar, entendeu?
― E como foi que aconteceu... Estou nervoso, preciso de um cigarro.
― Pois é... O cigarro.
― Mas o doutor disse que meus pulmões, minha pressão estava boa. Preciso escolher melhor o médico, escolher a dedo, principalmente se for um proctologista. Se bem que agora de nada adiantará.
― Próximo... (dizia um velhinho barbudo, indicando ou o lado direito ou o lado esquerdo para as pessoas que se encontravam na fila indiana)
― O que é isso? ― perguntava Lupércio.
― Estão encaminhando as pessoas para o paraíso ou para o inferno.
―Próximo... Nome e profissão? (dizia o barbudo que ordenava a fila)
― Sou o Hamiltom. Advogado.
― Lado esquerdo. Inferno.
― Mas, mas...
― Próximo... Nome e profissão?
― Matheus. Pastor. Graças a Deus estou no meio de amigos de profissão e de fé!
― Lado esquerdo. Inferno. “Ele” não gosta que usem o seu nome em vão.
― Mas meu irmão, eu sempre servi a Deus...
― Como é que pode? ― questionava Lupércio.
― Próximo... Nome e profissão?
― Pedro. Teleatendente.
― Uhm. Purgatório e depois deixem ele na espera por 1 ano escutando aquelas músicas infernais.
― O que mano, eu vou puxar seu histórico pelo CPF, vou saber onde você mora, o nome da sua mãe, a sua conta bancária...
― Próximo... Nome e profissão?
― Renan. Político.
― Oh, seja bem-vindo... (dizia o barbudo esticando a mão para receber uma boa quantia em dinheiro). Siga pela porta da direita, pode ir até a ala vip.
Lupércio tateou o bolso da calça, mas nem calça tinha. Quem sabe no bolso do paletó, “opa, acho que encontrei algo... Um isqueiro. Era só o que me faltava, um isqueiro sem cigarros. Se eu for para o inferno nem me será útil, pois o fogo come solto por lá... Seja o que Deus quiser, ou, o que o barbudo quiser”.
― Próximo... Nome e profissão?
― Lupércio. Escritor.
― Vá para o lado...
― Antes de ir para um dos lados, posso fazer um pedido?
― Deixe-me ver se esta opção há num dos artigos das tábuas sagradas... Aqui está... Pode ser feito um último pedido, desde que não seja para voltar para a antiga vida.
― Ok. Então eu quero cigarros!
(Risos debochados) ― Temos cigarros, porém, fogo é só lá no inferno!
Lupércio retirou do bolso do paletó o isqueiro.
Os olhos do velhinho se arregalaram, a boca salivou, um comichão se deu entre os lábios. Há tempos que desejava uma tragada. Aproximou-se do ouvido de Lupércio, dizendo: “Façamos uma troca, você me dá o isqueiro e eu te dou o passaporte para o paraíso, mais alguns cigarros, e daí lá você se vira”.
― Tudo bem. ― Dizia Lupércio ― Mas quero um pouco de dinheiro também.
― Como assim?
― Aquele que o Renan te deu, o que você escondeu aí nas cuecas!
― Tá, tá, tá, pegue e não olhe para trás.
Lupércio em poucos meses, com poucos cigarros e com um pouco de dinheiro, conseguiu subornar algumas pessoas no paraíso. Comprava terrenos e os vendia em lotes superfaturados, graças à ajuda de amigos influentes. Conseguiu também abrir uma boate com 72 virgens para cada homem. Está escrevendo um novo livro, intitulado: Vivendo depois da morte.