Psicólogo Clínico Gestalt-terapeuta
CRP 12/07911
Quanto tempo levamos para entender que trazemos um tempo como bagagem? E nessa bagagem carregamos coisas maravilhosas, coisas que nos entristecem, e outras que permanecem intocadas, apenas esperando um momento em que faremos algo com elas.
Demora-se algum tempo para entender que, se existe algum momento em que podemos lidar com essas coisas que passaram e com essas que, por ventura, poderão acontecer, esse momento é o presente.
Gosto de pensar nesse tempo – passado, presente, futuro – como uma coisa só, que vou chamar de vida. E, alguns meses atrás, escutei uma história que dizia algo sobre o tempo de duas vidas distintas e próximas. Eis o que ouvi.
Havia um idoso que caminhava muito devagar, que esbarrava nos móveis em casa, que falava de maneira que as palavras pareciam soar imperfeitas, que precisava constantemente da ajuda do seu filho para ir e vir dos lugares, para ler as pequenas letras nas bulas dos remédios, que os olhos já não enxergavam mais; e um filho cansado dessa situação, cansado de ver o velho como um estorvo que apenas atrasava sua vida. Um dia, esse filho decidiu construir uma caixa de madeira para colocar o velho dentro e jogá-lo precipício abaixo. Terminada a caixa, colocou o pai dentro dela. No caminho para o precipício, o filho foi explicando ao pai por quais motivos iria fazer aquilo, mil desculpas de como aquele pai incomodava, de como a palavra “filho” se repetia durante o dia, disso e daquilo... Chegando à beira do precipício, o pai olhou para o filho e disse que eles ― pai e filho ― em determinado momento da vida já foram muito parecidos ― o filho esbarrando torpe pelos cantos e balbuciando palavras desconexas e o pai colocando seu filho para dormir no berço. Mas, mesmo assim, o filho resolveu jogar seu pai precipício abaixo. Porém, antes disso, uma última coisa o pai pediu: “Meu filho, quero que você guarde esta caixa e não a jogue comigo!”. O filho, sem muito entender, perguntou o porquê. E o velho pai respondeu: “Guarde-a, meu filho, porque um dia seu filho pode precisar dela para você”.
Passado, presente, futuro ― a vida
Eis que algumas coisas deveriam ser inversamente proporcionais ao seu tempo. Tais como se desculpar com a mesma facilidade com que se julga. Almoçar e degustar a comida no mesmo tempo em que ela demorou para ser preparada e talvez prepará-la com a mesma rapidez com que a comemos. Fazer amor e depois de dez segundos chegar a um orgasmo que durasse meia hora. Tomar cervejas e comer frituras e doces e cada vez que subir na balança ver que se emagreceu. Ver a borboleta formar sua crisálida e de lá sair uma exuberante lagarta. Acompanhar os pais, segurando-os pelas mãos enquanto nós envelhecemos e eles se tornam crianças outra vez.
E, hoje, levar na bagagem um tempo que nos permita aproveitar mais a caminhada que o caminho.