Psicólogo Clínico Gestalt-terapeuta
CRP 12/07911
O eu mesmo, o eu verdadeiro
As pessoas criam formas para viver, ou, em muitos casos, criam formas para sobreviver. Quantas mentirinhas sociais são aceitas como verdades: “Querido, chegarei mais tarde em casa, pois terei aquela reunião de que te falei na semana passada!”. “Amor, já te falei que não gosto desta sua amiga...” ― quando na verdade, ele queria dizer: “Já te falei dessa sua amiga, acho que o que sinto por ela é amor”.
São essas mesmas as nossas formas.
Repare nesse seu colega de trabalho... Vai, não tenha medo. É só olhar para o lado. Esse mesmo, o de gravata apertada no pescoço, gravata que está quase o enforcando. Cara estranho, não acha? Todo quieto, de todo correto... Não é de se duvidar que no fundo de uma das gavetas dele, que é um advogado seriíssimo, debaixo daquele novo código civil, não tenha um minichicote de borracha que ele usa para a autoflagelação, quando todos os outros funcionários saem para almoçar.
E aquela mulher de quarenta anos, que passa desfilando por entre homens que conversam qualquer coisa sem importância, e que, de súbito param de falar, pois sabem que aquelas pernas torneadas sobre um salto fino e a saia um pouco acima dos joelhos, e o uso dos decotes que deixam a mostra uma pequena parte da renda do sutiã rubro, são como cânticos das sereias em alto mar, são sedutores. Essa mulher faz qualquer homem repensar sua existência terrena e nos paradigmas impostos pela igreja, principalmente a questão da fidelidade no casamento. Essa mulher faz o homem refletir sobre a sua condição soterrada por anos de uma falsa moral. É nesse momento, enquanto o perfume daquela mulher de quarenta ainda está impregnado no ar, os homens que pararam de conversar repentinamente entendem quem eles são. Enquanto os olhares dos homens são direcionados para aquela mulher, ela entende quem ela é. Enquanto o mini chicote atinge a o corpo do engravatado, ele entende quem ele é.
Somos um constante disfarce.
Disfarce que funciona em dois momentos: quando se vive por aquilo que os outros acham de nós (“... ele é um advogado seriíssimo, correto, reto”). E por aquilo que achamos sobre nós mesmos (“... sou uma mulher fatal, que faço os homens me desejarem”.). E isso, é só o escudo, o controle, o disfarce.
O homem só se descobre ele mesmo no descontrole. Quantos meses aquele advogado mudou a rota de seu trabalho só para passar de carro em frente ao sex shop e observar discretamente aquele minichicote pendurado na vitrine. Quantas investidas no meio da noite ele fez disfarçando que falava com alguém daquele orelhão próximo a loja de objetos eróticos. Da barba postiça que comprara para não ser reconhecido e poder entrar no sex shop, e ao pagar pelo objeto de desejo, evitou usar o cartão de crédito para não aparecer nos registros de suas faturas algo que o denunciasse. Só naquele momento, ao chegar à própria casa e ao testar o chicote contra a pele, ele soube quem ele realmente era.
Quantas horas na academia e as trocas de roupas em frente ao espelho, quanto tempo de maquiagens retocadas nos momentos em que estava parada com o carro no semáforo, essa mulher de quarenta despendeu. Quantos olhares masculinos ela observou como holofotes para suas pernas, seus ombros brancos que refletiam o sol, para os seus seios ondulados. Quantos olhares ela desejava para se sentir desejada como mulher. Olhares que só uma mulher sabe sobre outra mulher, olhares que só uma mulher sabe sobre os desejos de outra mulher, olhares que só uma mulher vê em outra mulher. Olhar que só uma mulher desejada se sente desejada por outra mulher. Sim! Esse era o seu ardil, sua artimanha... Enganar os homens em suas próprias fantasias... Fazer os homens a terem apenas em suas ilusões... Porque ela, só era ela mesma, quando conquistava e era conquistada por outra mulher.
E dos homens que pararam suas conversas por causa das pernas de porcelana da mulher de quarenta, que deixou não apenas seu perfume pelo ar. Esses homens que voltam para as suas vidas cotidianas sem o mínimo da satisfação e que o único momento em que se sentem aliviados são os momentos em que se pegam chorando no silêncio da noite, são homens sepultados pela acomodação e o controle... Por um outro que não são eles mesmos.