Psicólogo Clínico Gestalt-terapeuta
CRP 12/07911
Crônica de hoje
Papel. Caneta.... “Onde está a caneta?” Aqui. Achei! Falta alguma coisa ainda? Claro! Uma xícara de café... Ahh, agora vai.
Dou o primeiro gole. “Droga”. Pinguei café no papel em que começaria a escrever. Tudo bem, vou reiniciar o processo. Papel. Caneta... Agora é só esperar a inspiração. “Vem inspiração, vem inspiração”.
Inspiro, expiro, inspiro, expiro. Quase fiquei tonto de tanto hiperventilar. Mais um gole de café. Deixe-me pensar... “Vou escrever sobre: os servidores aposentados da Assembleia Legislativa que precisaram voltar ao batente? Não! Economia. Sustentabilidade? Também não me entusiasma!”. Vamos ver... Um tema diferente. “Pensa, vai!”
Esfrego uma das mãos na testa. Como se isso fosse chacoalhar meu cérebro! Penso mais um pouco... “A Juliana Paes está muito gata na minissérie ‘Gabriela’...”. Que é isso, estou fugindo do foco. Tento achar o mote em mais um gole de café, mas nada encontro, principalmente dentro da xícara, pois o café acabou. Vou à cozinha e tomo a bebida direto da cafeteira justo para não borrar o papel outra vez. “Isso! Vou escrever sobre...” Prim, prim (o telefone toca).
“Alô!”. “Sim mãe, esfriou o tempo”. “Se estou bem agasalhado? Claro, né, mãe”. “Mas eu não tenho mais bronquite desde a adolescência”. “Pode deixar mãe, eu me cuido, pode deixar”. “Isso”. “Então, tá!”. “Ótimo, mãe”. “Beleza”. “Beijos”. “Tchau!”. “Também te amo”. “Tchau”.
Desligo o telefone. “O que era mesmo que eu iria escrever?” Olho para o relógio. Caramba! Daqui a pouco o editor vai me encher a paciência pelo fato de eu ainda não ter entregado a crônica de hoje.
Ai ai ai ai ai ai ai ai. “Que gritaria é essa?”. Espio pela janela e vejo meu cachorro pendurado na calça do carteiro. De dentro de casa grito: “Larga ele, Moli, larga”. Desculpo-me com o carteiro, mas acho que ele seguiu resmungando alguma coisa sobre a calça rasgada. “Agora o papo é contigo, dona Moli, cadê você?”. Vejo só a ponta do rabo debaixo do carro, me agacho e percebo que ela está comendo alguma fatura. Consigo apenas salvar o código de barras.
Minha garganta está arranhando. Não sei se foi por ter gritado em volume máximo ou por estar mal agasalhado... Sabe como é... Mãe sempre tem razão.
Sento. Inspiro, expiro. Concentro-me novamente. Ouço o portão se abrir. O que parece ser uma manada de búfalos tropeçando e quebrando as coisas de casa é mera coincidência; são apenas meus filhos adentrando a casa. O skate de um já bateu em minha canela e a guitarra do outro está amplificada. Minha esposa vem logo atrás. Às vezes me pergunto: “Como ela consegue falar mais de quinhentas palavras em menos de vinte passos?”.
Prim, prim. (o telefone, de novo). “Fala, mãe!”. “Ah, perdão, pensei que era outra pessoa”. “Não, ainda não terminei a crônica de hoje”. “Tem certeza, é para enviar o que escrevi até agora?”. “Ok”.
Hoje essa crônica não sai. Não consigo pensar em nenhum assunto.
(Mais uma vez o telefone). Prim, prim.
“Alô”. “Oi, meu filho, que bom você ter me ligado”. “Você quer saber como foi que aconteceu aquela história?”. “Óh, meu filho, estou percebendo que sua voz está rouca... Você está ficando gripado, não é?”.