Psicólogo Clínico Gestalt-terapeuta
CRP 12/07911
Conto de fim de semana
Sexta-feira amanhece com chuva. Sexta-feira anoitece com chuva. Acordo. Sábado começa igual. Lembro que prometi um passeio com as crianças no Horto Florestal! Terá que ser adiado. Logo elas acordarão e nem capa de chuva elas têm para brincarem no quintal. Antecipo-me, porque criança presa em casa é como ter um homem-bomba hospedado em seu lar. Começo então a arredar a mesinha de centro, a encapar o sofá com aqueles sacos de lixo de cinquenta litros ― acho que supririam as capas de chuva! ―, passo a fita isolante nos buracos das tomadas. Será que elas já estão acordando? ― Penso. Quem sabe pingar umas gotas de Maracujina no leite morno de suas canecas? Melhor não, pode ser que o efeito dê o contrário. Imagino demônios da Tasmânia rodopiando e destruindo a casa.
Talvez as crianças estejam com saudades da vovó? Tento ligar para a casa da avó. Nada! Maldita hora em que sugeri para a minha sogra colocar um identificador de chamadas em seu telefone para preveni-la a não acreditar mais no golpe do baú da felicidade.
Quem sabe o shopping? Isso, que ideia brilhante. Levo o café da manhã para as crianças sem acender a luz para não despertá-las por completo. No quarto semi-escuro me confundo e visto o maior com a roupa da menor.
Chamo minha esposa em toques de alvorada.
Pronto! Todos dentro do carro? ― Pergunto. Parece a cena de “Esqueceram de Mim”.
― Papai, e o Bili?
― O que é que tem ele, filha?
― Esquecemos de acordá-lo!
― Daqui a pouco ele levanta, filha. Ele tem ração, água, lugarzinho para fazer xixi e cocô. Ele se vira!
Vinte minutos de carro até o shopping. Quarenta minutos para encontrar uma vaga no estacionamento. Trinta minutos até juntar a família de novo, pois metade entrou pelo elevador e a outra metade pela escada rolante. Quinze minutos na fila do cinema. Quinze minutos na fila da pipoca. Noventa minutos que eu dormi enquanto passava o desenho na telona ― dia de chuva é bom para dormir, não é? Cinco minutos para as crianças gastarem os R$ 10,00 em fichas nos brinquedos eletrônicos. Trinta segundos para eu meu filho usarmos o banheiro. Seis minutos para minha esposa e filha fazerem a mesma coisa.
Os homens no shopping são todos muito parecidos, empurram carrinhos de mercado, compram chope, e observam as mulheres desfilarem com sacolas de acessórios, roupas, perfumes, etc.
As mulheres no shopping são todas muito parecidas, empurram carrinhos de bebê, fazem compras e observam outras mulheres desfilarem com sacolas de acessórios, roupas, perfumes, etc.
Mas do chope até olhar as mulheres e minha esposa me olhar de cara feia já se passaram mais quarenta minutos.
Hora de ir embora.
Reúno a família no carro novamente. Acho que o suco de maracujá do shopping é pancadão, pois, as crianças vieram dormindo até em casa.
Ah! Lar, doce lar. Depois de quase meio dia de lá para cá dentro daquele shopping, como é bom chegar e ver a casa arrumada... Casa arrumada? E o sofá rasgado, a mesa de centro roída, a TV ligada no canal de esporte... E a fita isolante grudada nas patas do Bili.
Enfim, a família toda reunida.