Psicólogo Clínico Gestalt-terapeuta
CRP 12/07911
Era bem verdade que o Manfredo já havia completado meio século de vida, o que lhe dava o direito de esquecer meias coisas, como no dia em que o carteiro pediu para ele assinar a correspondência. “Nome legível aqui no ‘X’, por favor.” Manfredo pegou a caneta e escreveu “Manfredo”, e o nome de família... “Qual é mesmo?” ― pensou, pensou, e não conseguiu lembrar. Por fim, inventou algum sobrenome de um filme que ele viu não se sabe quando e nem onde, ficando assim: “Manfredo Frodo”.
Num dia Manfredo colocava só uma das meias, no outro escovava só a parte de cima dos dentes, no seguinte cozinhava arroz e esquecia-se do feijão.
Mas os meios esquecimentos do Manfredo começaram a deixar a família meio preocupada, porque ele estava vivendo pela metade. Era só a metade do prato de refeições, pois a outra parte ele se esquecia de comer. Abria o portão pela metade e saía com carro assim mesmo, e, quando o portão já havia se desprendido da lataria, lá estava o Manfredo dirigindo no meio da rua. Vestia-se do tronco para cima, nos membros inferiores nada, e ia seminu ao mercado. O que irrita mesmo ― isso dito pela esposa do Manfredo ― é que ele só chega com a metade das compras.
E num final de semana, aproveitando que o Manfredo iria descansar uma meia hora, a família propôs debater as possibilidades de como intervir naquela situação. “Acho que deveríamos comprar aquelas tornozeleiras eletrônicas com rastreadores via satélite, no caso de o papai sair de casa e não saber mais voltar”, disse o filho mais velho. “Quem sabe levar o papai para terapia?”. falou Carmem Maura, a única filha. “Sei lá, meus filhos, pensei numa enfermeira”, disse a esposa. “Desde que seja gostosona”, completou o filho mais novo às palavras da mãe. E um “cala a boca” coletivo foi dito para o caçula, o que só aumentou a confusão, pois eram opiniões sobre opiniões e nada de resolverem a condição dos meios esquecimentos do Manfredo.
Até que todos se calaram, pois o assunto da discussão estava no meio da sala, de meias de lã, cueca e touca com pompom. Manfredo surgiu sorrateiramente, e na frente de todos coçou um dos testículos ― o do lado esquerdo, observou um dos filhos. Manfredo então falou: “Eu não sei por que vocês estão brigando, já que só escutei a metade da conversa... algo sobre uma gostosona... porém, acho que tudo isso é muito extremo, é preciso que vocês cheguem a um meio termo”.
Dito o que precisava dizer, Manfredo coça a outra metade do seu saco escrotal, da meia volta e volta a dormir sua mais meia hora de sono.
E assim ficou meio que resolvida a situação do Manfredo.