Psicólogo Clínico Gestalt-terapeuta
CRP 12/07911
Era preciso dizer que aquele moleque não dava sossego ao pai, um fazendeiro de quarenta e poucos anos, acostumado com a lida do campo e nem um pouco interessado em pedagogia infantil. O pai ia tratar o gado e lá estava o guri “ô pai, posso ir contigo?”. O pai ia tirar leite da vaca e lá vinha o menino “uma, duas, três, quatro... são sempre pares as tetas da vaca, nunca são impares, pai?” Era pai para lá, era pai pra cá, e quando o pai percebia já estava o filho grudado em sua calça, e caso não desse muita atenção ao pequeno, logo ele estava provocando a sombra do pai. “Era preciso fazer alguma coisa” ― pensava o pai. Num belo dia, o filho foi agraciado com um potro, de presente. O moleque gostou tanto do animal que parou de importunar. A paz reinava naquela fazenda. Podia se ouvir novamente os sons dos pássaros e do vento balançando as árvores. No começo o pai estranhou um pouco, pois, achava que o filho iria surgir do nada para incomodá-lo, “deve ser uma espécie de trauma” ― dizia o pai a si mesmo em voz baixa. Mas o menino a essa altura não estava mais nem aí, era preciso, muitas vezes ir pegá-lo na estrebaria porque estava dormindo junto com o cavalo. Alguns meses se passaram, quando de longe alguns parentes passariam um final de semana na fazenda. Com os familiares instalados, o patriarca orgulhoso contara que o pequeno Hanns ganhou um potro de presente, e aquilo foi a melhor coisa que poderia ter acontecido. “Olhem lá, vem ele trotando igual ao cavalo” ― disse orgulhoso do filho. Ao chegar perto das visitas, o pequeno Hanns desferiu coices para todos e para tudo que era lado. Os viventes ficaram pasmos, ainda mais quando o garoto saiu relinchando. A visita só durou até o começo da manhã seguinte, quando viram Hanns pastando na relva. O pai achou aquilo abominável, porém, nem tanto, o ápice foi quando pegara Hanns andando pela casa e ao mesmo tempo em que andava, defecava. O pai bem que tentou laçá-lo quando viu aquilo, mas o menino ainda era xucro, um típico cavalo selvagem. E nada adiantou para Hanns, nem relho, nem milho, nem padres conseguiam reverter o garoto. Atualmente Hanns está um pouco melhor, já se deixa colocar a sela.
***
Reinaldo sempre que voltava de uma viagem de negócios trazia dois botões de rosas, um para sua esposa Clotilde, e outro para a sua sogra, Gorethe. Era Reinaldo virar as costas que Gorethe jogava as rosas na lixeira. “Mamãe” ― dizia Clotilde batendo com um dos pés no chão em tom enfurecido.
― Que foi minha filha?
― Como assim mamãe? Reinaldo é um bom marido!
― Não sei... São sempre esses presentinhos, esses agradinhos, essas rosas...
― Ele só está tentando te agradar mamãe.
― Abra o olho minha filha... Abra o olho... Acho que ele tem outra!
Na volta de mais uma viagem lá estava o Reinaldo com seus botões. Clotilde era só felicidade. Gorethe a lata do lixo.
Clotilde já sabia o que sua mãe pensava.
Algum tempo depois, em mais uma de suas voltas, Reinaldo traz apenas um botão e entrega para Clotilde, mas diz: “cansei da tua mãe”. Dando as costas para mãe e filha.
― Viu mamãe o que você fez!
― Desculpe-me minha filha. Eu vou atrás dele.
― Vai mamãe, vai!
Gorethe segue Reinaldo de carro e o vê entrar em um motel. Estaciona o carro e olha por debaixo dos toldos que fecham as garagens, observa a placa MFZ-0171, “é esse aqui” ― diz ela. Chuta a porta que estava semi-aberta.
― Reinaldo, seu safado!
― Gorethe, sua devassa!
― Saudades de você amor.
― Senti sua falta também gostosão.
― E a Clotilde como está?
― Eu bem que avisei que aqueles presentinhos eram porque você tinha outra, mas, ela nunca me leva a sério!