Psicólogo Clínico Gestalt-terapeuta
CRP 12/07911
Não me importo com a aparência externa do muro que separa a rua, da casa onde resido. Acho-o elegante-rústico, é feito de pedras e se olhar mais de perto dá para ver os musgos que se aderem nele. Há também frestas salientes, que em dias de chuva a água escorrer por esses espaços.
O muro de pedras grandes e cinzentas esconde do lado interno um imponente buganville de flores avermelhadas que se agarra ao arame farpado; limoeiros, uma laranjeira, e um pé de butiá. Mas, o muro interno que acompanha toda a extremidade do terreno, outrora liso e branco, agora está rugoso e verdolengo. Olho-o com desdém e resolvo pintá-lo. Misturo cal de pintura na água que já está no balde. Mexo bastante para colocar um pouco em outro recipiente. Afundo o rolo na bandeja acrílica e retiro o excesso daquela cor acinzentada.
Não sou bom pintor e respingo gotículas no chão, mas tudo bem. Continuo. Depois de uns três metros volto ao balde para mais um pouco da mistura. Vejo que o cal foi para o fundo. Mexo com um graveto aquela água e enquanto isso penso nas pessoas, em mim... Somos um tanto quanto parecidos como cal misturado junto à água, enquanto ativos, em movimento, produzimos cor e damos vida a lugares onde antes estava ao leu, mas se pararmos, somos como metades que não se encontram, afogadas pelo peso da água.
Passo o rolo na primeira metade do muro e ainda parece ser o mesmo, com suas imperfeições, das lascas que se desprendem e das cores que se alternam entre verde e preta. Olho mais uma vez para os respingos no chão, penso que alguém poderia reparar, porém, decido continuar mesmo com esses pequenos deslizes.
Passam as horas e chego ao fim do muro. Estalo as costas. Estico as mãos. Olho para o fim e vejo a tinta úmida, fresca, e sem tingir o muro com a cor que eu gostaria. Coloco o rolo na bandeja e volto ao início, lá na primeira metade. Sorrio! Está branco outra vez! (digo em meus pensamentos). Dou a volta na casa acompanhando o muro, sigo os respingos lá do começo, são marcas que só eu conseguiria fazer, continuo caminhando e já não me interessa o quanto de tinta eu desperdicei.
Passo os meus dedos onde o cal ainda não se misturou a parede... Ainda.