Psicólogo Clínico Gestalt-terapeuta
CRP 12/07911
Normal é quem tem um corpo preservado, olhos, pernas, braços, intactos e ilesos. É quem realiza relações sociais com outras pessoas que se conectam sem diferenças. Quem dá conta das emoções, percepções, linguagem, que possui uma biografia, uma personalidade?
Talvez descritivamente. Uma fabricação normativa, a via social regularizadora, o caminho mais fácil e seguro.
Furto uma flor de um quintal alheio, logo serei ladrão, essa é a minha biografia criada a partir de um pensamento social – ladrão –, serei cleptomaníaco, um perverso destruidor de jardins? Porém, poucos me reconheceriam como botânico – um estudioso de plantas diversas. E poucos me reconheceriam como um apaixonado que pega uma flor para entregar para sua amada(o).
Não roubo a flor por ser ladrão, mas por ser um estudioso, um apaixonado que ama alguém. Será que a flor é só flor enquanto ainda estiver enraizada? E nessa mesma ideia sou normal apenas quando possuo membros, apenas quando me relaciono assertivamente com o mundo concreto e objetivo, ou, quando sou um produto desse modo no mundo?
Logo me vem o exemplo o texto de Félix Guattari, na obra: As três ecologias(2006). Ele comenta sobre a experiência realizada por um apresentador de televisão francês que, tendo em uma bacia água poluída do porto de Marselha e nela um polvo que se movia tranquilamente e em outra bacia água despoluída. Ao retirar o polvo da água poluída para a limpa, esse animal, se debateu e morreu.
Faz-me pensar que somos ludibriados de alguma forma, pois, quando nos tiram a norma nos tiram a vida. Se nos tiram o chão não somos mais flor.
Só para Arnaldo Cezar Coelho a regra é clara. Muito pelo contrário, ela é apenas o tapa-sexo, um perfil generalista de uma estrutura humana. Gosto de pensar na estrutura de uma cebola, onde o ser humano são aquelas camadas que fazem parte de uma coisa só, em que não existem graus de hierarquias entre as partes, pois, tudo é cebola.
O diferente, o não normal é barrado dentro de um contexto social. As representações de valores, tabus, crenças engendradas criam a barreira entre o lícito e o ilícito, e a palavra “não” surge como imperativo, “não” pode, “não” viaje na maionese, “não” neurotize, “não” surte, “não” brigue, “não” xingue, “não” chore.
E como em toda boa arquitetura, há rachaduras e imperfeições, que podem ser visíveis ou não, mas elas existem.