Pedrinho e o Vale

Da janela de onde mira o grande vale, Pedrinho tem uma visão privilegiada. Viver no alto do morro tem essa vantagem, a de ter uma vista deslumbrante e panorầmica de praticamente toda a cidade. Dá para ver a copa das árvores, a luminosidade solar atravessando por entre as folhas, projetando nuances de verde na vegetação. Os prédios das fábricas, dos shoppings, das residências, das urbanidades. As áreas rurais, com suas paisagens bucólicas são vistas bem ao longe.

Nas manhãs de sol, quando o céu está pleno de azul, límpido, ou com poucas nuvens, o astro-rei sempre chega mais cedo, acordando os moradores com seus raios. Um verdadeiro despertador natural. É a hora de levantar e se preparar para a escola, ou trabalho. O mesmo vale para os desempregados que procuram uma atividade laboral. E para os que estão de férias, assim como para os que não estudam, nem trabalham (da chamada geração “nem-nem”), que não se importarem com a falta do que fazer, existe a opção de seguir dormindo...

Para dona Maria, mãe de Pedrinho, assim como para outras vizinhas, o sol é geralmente bem-vindo, um aliado importante nas lidas domésticas, porque combate o mofo, seca a roupa do varal, aquece o corpo quando o vento fustiga e não existem muitas opções de agasalhos para não se encarangar… Até os cães e gatos aproveitam para se esticarem ao sol, aproveitando ao máximo a quentura, reequilibrando as energias, languidamente. O sol só se torna um vilão quando queima a pele e esquenta demais, provocando grossas gotas de suor, mal-estar, e comprometendo a saúde. No mais, é sempre bem-vindo.

E quando chove, o cinza chumbo que cobre o azul celeste se torna bem mais perto, e a chuva parece molhar mais, escorrendo morro abaixo, desbarrancando, arrastando o mato e os arbustos rasteiros, enlameando o quintal, trazendo um frio cortante e ruidoso, uivante.

Antes, quando a pavimentação de concreto ainda não havia subido o morro, por muitos anos era impossível não chegar em casa com os calçados tomados pela terra vermelha molhada. Nos dias de chuva mais intensa, ou continuada, era preciso cuidar para não escorregar morro abaixo, cair e se sujar todo. Despencar lá de cima também era um risco preocupante. Pedrinho sempre ficava pensando em tudo isso, de quanto a vida era dura para quem vivia ali, apesar da vista maravilhosa que tinham dali. Quando acontecia isso, os olhos marejavam.

Hoje o menino Pedro, que essa semana completa 10 anos, abriu os olhos cedo, como sempre.  Acordou com os raios solares que adentraram pela vidraça trincada do exíguo quarto que divide com os dois irmãos mais novos, João e José. Lembrou que era feriado santo e voltou a se deitar. Fechou os olhos e se enrolou no cobertor, encolhendo as pernas na posição fetal. Precisava aproveitar um dos raros momentos em que conseguia esticar o sono.