Sônia Pillon nasceu em Porto Alegre e desde 1996 reside em Jaraguá do Sul.
Formada em Jornalismo pela PUC-RS e pós-graduada em Produção de Texto pela Univille, atuou como repórter, editora, redatora e assessora de imprensa, no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Por mais de 10 anos trabalhou no jornal A Notícia.
É autora de “Crônicas de Maria e outras tantas – Um olhar sobre Jaraguá do Sul” e “Encontro com a paz e outros contos budistas”, com participação em antologias de contos, crônicas e poesias.
Publica também no blog soniapillon.blogspot.com e na fanpage "Sônia Pillon Escritora". É Presidente de Honra da Seccional Jaraguá do Sul da Academia de Letras do Brasil de Santa Catarina (ALBSC).
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Sônia Pillon
Era final de tarde de uma quarta-feira de agosto. O sol ia se pondo e não tardava o anoitecer. Eu estava caminhando apressadamente em direção à esquina da rua Barão do Rio Branco, em pleno Centro de Jaraguá do Sul. Queria chegar o mais rápido possível em casa e ainda faltavam algumas quadras até alcançar a ponte que liga ao bairro Vila Nova. Sempre evito andar pelas ruas à noite.
Porém, de repente, o inusitado. Uma mulher com uma criança pequena no colo se aproxima e interrompe meus passos. Com um fio de voz, ela me chama.
- Senhora! Quer me ajudar comprando panos de prato?
Fiquei inicialmente assustada. Afinal, estávamos somente nós duas naquela esquina. Mas a imagem que presenciei em seguida me deixou profundamente chocada, estarrecida até. A fome e o sofrimento estavam estampados na face daquela mulher.
À medida em que se aproximava de mim, constatei que ela não oferecia perigo. Ao contrário, transmitia extrema fragilidade. Pelo tom de pele, cor de jambo, e pela expressão de profundo desalento, linkei com as imagens de mulheres que vivem em aldeias isoladas da Índia, ou de Bangladesh, castigadas pela miséria e precocemente envelhecidas.
De alta estatura, magérrima, a vendedora tinha os cabelos castanhos, lisos e longos, despenteados e opacos, presos em um improvisado rabo-de-cavalo. Segurava uma menina com o braço esquerdo que, mesmo dormindo, ainda mantinha a boca semi presa ao seio caído da mãe, totalmente à mostra. No outro braço, tinha uma sacola recheada com panos de prato pintados a mão.
Perguntei de onde ela era. Me disse que veio de São Bento do Sul, mas que hoje mora no bairro Ilha da Figueira.
- O aluguel é dia 10 e estou vendendo os panos para ajudar a pagar, porque não está fácil, falou ela, em tom de confidência. Estava vendendo a R$ 5 cada peça. Fiquei escolhendo quatro, com estampas diferentes.
Enquanto acontece a negociação, a menina permanece de olhos fechados e sem se mover no colo da mãe, que mal a consegue segurar.
Inevitavelmente, a dúvida se instalou em mim. Seria uma encenação? Uma combinação com a menina para comover as pessoas e vender as peças mais rapidamente?
Contudo, o olhar de profunda tristeza, a aparência abatida e a magreza excessiva da mulher eram reais. A criança não tinha mais do que três anos, e a vendedora em questão não estava roubando, apenas comercializando por um valor um pouco mais alto do que as lojas de preço único...
Concluída a negociação, a “empreendedora informal”,agradece e se afasta. Nesse momento, dirijo as últimas palavras: “Cuide dessa menina com muito carinho e amor”. Ela concordou com a cabeça e se foi. Eu segui caminhando. De tudo o que vi e ouvi, uma constatação: a vida pode nos surpreender a cada esquina.
Fico me perguntando o que aconteceu com as duas. Será que a mulher realmente pagou o aluguel, ou utilizou o dinheiro para um outro fim, menos nobre? E você, leitor, encontrou essa vendedora de panos de prato por aí?