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Sentimentos - Fernando Coimbra dos Santos

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"Se eu puder combater só um mal, que seja o da Indiferença".

 


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SORRINDO COM OS OLHOS

Quarta, 07 de março de 2018

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“Você já se deparou com acontecimentos inesperados que fazem com que o sorriso que não temos nos lábios transpareça em nossos olhos? E que alguma maneira estranha, inesperada e maravilhosa o faz voltar para nossos lábios, de onde nunca deveria ter saído?”

Heloísa.

Beirando os quarenta anos, solteira, uma loura bonita que, quando sorria (e o fazia quase sempre), a luminosidade de seus olhos castanhos para mim parecia iluminar as tardes nubladas de São Paulo.

Sorria, mais como um mecanismo de defesa, um escudo protetor sob o qual se resguardava, mesmo se nunca viéssemos a saber o porquê. Sorria, mas não se relacionava mais profundamente com ninguém, parecia querer evitar uma intimidade maior, mesmo que em termos profissionais. Sorria, mas o sorriso nunca chegava a seus olhos.

Diferentemente de mim. Nunca achei que meu sorriso fosse bonito. E aprendi a sorrir com os olhos, só com os olhos, espelho de minha alma.

E talvez isto, justamente isto, nos tenha aproximado um pouco.

O relógio de ponto ficava próximo à minha mesa. Heloísa não tinha cartão, mas fazia questão de passar por lá toda manhã, apenas e tão somente para me cumprimentar.

Talvez fosse pretensão minha (e como eu precisava acreditar naquilo...) mas me surpreendi uma manhã ansiando por isso. Deixei de começar bem o dia se não ganhasse seu cumprimento e, principalmente, o sorriso que comecei a ver chegar a seus olhos.

Daí a minha pretensão.

Algumas semanas depois infelizmente seu trabalho terminou e ela veio se despedir de mim. Estava sozinho em minha sala quando ela entrou, um falso sorriso em seus lábios desmentido por seus olhos magoados e brilhantes.

- Vim me despedir de você, meu amigo.

Contornando minha mesa em direção a ela, disse-lhe com sinceridade.

- Eu soube... e nunca senti tanto uma situação destas...

- Terminei meu trabalho e vou fazer uma viagem... de primeira classe...

Meus olhos, espelho de minha alma, revelavam a mágoa que brotara em mim.

- E então você veio se despedir de seu amigo da segunda classe...

- Você nunca estará na segunda classe em meu coração, meu querido amigo.

Pela primeira vez nos abraçamos, um abraço forte no qual ela procurava encontrar um ponto firme no qual se apoiasse, agarrando-se a mim de verdade, como se de alguma maneira maravilhosa eu pudesse ser aquele ponto firme.

Encostamos nossos rostos um no outro. Nunca tivéramos qualquer abraço, e aquilo me surpreendeu, mas não nos afastamos.

Desejei-lhe então boa sorte (na falta de alguma coisa melhor para dizer), e ela seguiu para outras salas. Em pouco tempo retornou, eu continuava em pé onde ela me deixara, abraçamo-nos novamente. Demo-nos um beijo nos rostos e ela se foi, meu dia se tornou ainda mais triste e sombrio.

Heloísa havia feito um bom trabalho, acertara minha situação na empresa. Pela primeira vez na vida eu estava tendo um salário digno.

No final do ano, próximo ao Natal, comprei-lhe um bom vinho. Pela primeira vez desde que ela saíra, liguei para seu celular. Conversamos com alegria, ela não esquecera aquele seu amigo da segunda classe que deixara numa salinha sem ele saber bem o que fazer.

- Tenho um presente para você – disse-lhe – quando puder passe aqui na empresa para pegá-lo. É um ótimo vinho, espero que goste. E, se não for muita pretensão minha, pense um pouquinho em mim quando o estiver tomando.

O telefone silenciou por um rápido momento.

- Estou perto, vou aí agora, pode me esperar? Gostaria de revê-lo.

O coração do amigo de segunda classe bateu mais forte, ou falhou uma batida, não sei bem. Com alegria lhe disse que tivesse cuidado no trânsito, que eu a esperaria o tempo que fosse preciso.

Fiquei aguardando-a na calçada. E logo seu carrinho encontrou uma vaga e estacionou. Desceu rapidamente, quase correndo em minha direção, tive o impulso maluco de largar minha malinha no chão e correr em direção a ela, correr para ela, para seus braços. Mas me contive, nada havia entre nós e eu não podia nos expor a comentários maldosos depois.

Demo-nos um rápido e afastado abraço, beijei-lhe delicadamente o rosto. Então lhe entreguei a lembrancinha, reiterando que gostasse realmente dele.

- O que vai fazer agora? – perguntou. – Para onde está indo?

- Vou para a rodoviária, tenho que pegar um ônibus.

- Em que horário?

- Ainda não tenho passagem, vou tirar quando chegar lá.

Enganchou o braço no meu, sem se importar com a recepcionista que nos olhava.

- Come uma pizza comigo e vamos tomar este vinho juntos? Senão não terá a menor graça, por melhor que seja...

Tive que sorrir da maneira estranha com que expressara seu convite. Parecendo uma menininha emocionada com um primeiro encontro, deu um sorriso irresistível que lhe chegou e transbordou dos olhos e me levou até seu automóvel.

Antes de dar a partida olhou-me firmemente e disse:

- Estou feliz em vê-lo.

Fiz um carinho desajeitado em seu rosto.

- Também estou feliz em revê-la, Heloísa.

Foi um doce momento de encantamento em que imergimos, inexplicavelmente, mas que ali estava, palpável, denso, e tão necessário para mim, mesmo que eu não o soubesse quanto ou ao certo.

- Aonde vamos? - perguntei.

- Ah, já ouviu falar em sequestro relâmpago? Saiba que você acabou de ser raptado. Comprei um apartamento, vamos tomar nosso vinho lá em casa. E tem mais: eu mesma vou pagar o resgate para que ninguém queira você de volta.

Aquilo me fez um bem danado, um sorriso imensamente feliz arqueou meus lábios desacostumados e explodiu livremente em meus olhos, espelho de minha alma.

Como lhe dizer que ninguém me queria de volta?

Fomos conversando sobre aqueles meses que estivéramos separados. Ela se tornara uma bem sucedida administradora. Eu continuara na minha rotina, sentindo-me cada vez mais sozinho. Mas também não disse isso a ela.

Era um prédio sobre pilotis, estacionou o automóvel e logo estávamos no elevador, ela abraçada a meu presente como se carregasse cuidadosamente um tesouro de inestimável valor.

Mostrou-me o apartamento, parabenizei-a pelo sucesso, augurando que ele durasse para sempre e ela fosse sempre feliz.

Como se fosse uma nuvem que ocultasse momentaneamente uma lua cheia, uma sombra lhe toldou os olhos castanhos por um momento.

- Ah, o trabalho está indo muito bem.

Prendi-a delicadamente em meus braços e fitei seus olhos que procuravam evitar os meus.

- E o coração, sabidinha?...

Heloísa abraçou-se a mim fortemente, sua suave pressão em meu peito se fez sentir outra vez, entremeada a batidas descompassadas de seu coração.

- Batendo... – respondeu, sem qualquer convicção ou convencimento.

Sorri e respondi.

- Parece-me que está mais é apanhando... Aliás, continua apanhando? Continua sozinha?

- Dizer-lhe que ninguém gosta de mim soa muito dramático?

Olhei-a, solidário.

- Não, querida amiga, dramático não. Mas soa doloroso, não queria isso para você.

Ela afigurava-se para mim como um passarinho cambaleante, arrastando a asa quebrada pelo chão. “-Ajude-me – pedia baixinho (talvez sem o saber) com a voz daqueles que estão morrendo. – Mais do que tudo no mundo, eu quero voar...” E de uma maneira quase inconsciente, me vi decidido e empenhado em fazê-la voar novamente. Quem o sabe, se conseguisse, se conseguisse fazê-la feliz, de alguma maneira eu não seria talvez também feliz um pouquinho que fosse?

E então, naquele doce encantamento em que estávamos imersos, nossos lábios se encontraram num suave e cálido beijo, pleno de carinho e afeto.

Ficamos olhando um para o outro sem nada dizer, as palavras eram desnecessárias e seriam insuficientes para expressar fosse lá o que fosse.

Os olhos de Heloísa estavam brilhantes quando inesperadamente ela me segurou a mão. Por um momento me olhou como se indecisa de minha reação, do que eu iria pensar ou fazer, mas isto desapareceu quando a atraí suavemente outra vez para meus braços e de uma maneira indescritível e maravilhosa o mundo pareceu deixar de existir lá fora.

Só existíamos nós dois, naquele momento. Só nós, ninguém mais.

***

 



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