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Sentimentos - Fernando Coimbra dos Santos

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"Se eu puder combater só um mal, que seja o da Indiferença".

 


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AMAR É O MELHOR REMÉDIO

Quarta, 28 de fevereiro de 2018

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Finalmente universitário. Aluguei um quarto próximo à faculdade de Engenharia que ficava em outra cidade.

Dona Edith, a proprietária, tinha uma filha de seus 27 anos, separada, e isto constituía uma situação difícil para a família.

Ninguém queria alugar o quarto, morar lá e ficar também mal falado. Eu não me importei, tinha um espírito bem mais aberto para a época. E o aluguel era barato, o que eu podia pagar.

Mariana, a moça, era uma morena bastante bonita e amargurada. Dera azar de se casar com a pessoa errada e o casamento durou muito pouco.

Quando eu não ia para minha cidade no final de semana lhe dava algumas aulas de matemática. E acabamos amigos.

Algumas vezes ela me confidenciava o que sentia, o estigma de separada, a desconfiança, pouco caso e falta de respeito dos outros. Bem próprio da época, como disse. Eu procurava consolá-la, mas realmente não havia muito o que dizer.

Um anoitecer, na saída da faculdade, um grupo de colegas encontrou Mariana que vinha em sentido contrário. Começaram as chacotas e ofensas gratuitas, como se algum deles tivesse o direito de fazer isso.

Não por ela ser uma conhecida que realmente não merecia aquilo, mas sempre tive um espírito de Dom Quixote, de cavaleiro andante defensor dos fracos e oprimidos que emergiu completamente quando me tornei policial civil. Meu revólver era um poderoso equalizador de superioridade numérica, o que me dava uma certa proteção.

Eu já era conhecido não só pela faculdade, mas numa noite, numa ronda, um vagabundo (colega da escola) esbofeteava uma moça na esquina. Joguei-o de ponta cabeça no chiqueirinho da viatura, repeti a cortesia no xadrez correcional repleto de presos.

Chamei um deles e lhe dei instruções, mas recomendando que não tocassem nele. E então lhe disse que naquela cela só haviam tarados e estupradores, que eles teriam uma ótima diversão.

Naquela noite ele não dormiu, sempre sentado de costas para a parede, aterrorizado quando dois ou três se levantavam e fingiam ameaça-lo. Nunca mais ele iria esbofetear outra moça, eu o esperava. Como eu sempre gostava de dizer, “melhor um bom susto que mil conselhos”.

E aquilo acabou de me tornar odiado dentro da faculdade, mas ninguém era homem o suficiente para tirar satisfações. Pelas costas referiam-se a mim depreciativamente como sendo o Ringo do Vale do Paraíba. Como se eu me importasse.

Apressei o passo, dei um empurrão no que estava mais próximo de Mariana, virei-me para eles e coloquei um dos braços sobre os ombros dela, a outra mão segurando ostensivamente a coronha da arma.

- Como vai ser? – perguntei sem elevar a voz, a ninguém em particular, convidativamente.

Não foi. Ninguém era homem o suficiente para me enfrentar. Eram como bandidos, deixam de ser valentes quando enfrentam Polícia de verdade.

- Daqui para frente, ninguém mexe com ela – recomendei. – E com mais ninguém, se eu estiver por perto.

Fomos então caminhando até sua casa, mantive a mão protetoramente em seus ombros.

- Não vale a pena – disse ela – você vai ser odiado dentro da faculdade.

Tive que sorrir, um sorriso sem alegria nenhuma. Mas também sem amargura alguma, era o preço a ser pago. E para mim valia realmente cada centavo.

- Não se preocupe, Mariana. Já sou odiado lá dentro, não me importa, não me faz a menor diferença.

Mas fazia, de certo modo. Nos trabalhos de grupo eu era o excluído, era do grupo do “eu sozinho”. Mesmo apresentando um trabalho individual, a maioria dos professores não aceitava aquilo e o zero refletia em minhas notas. Queriam um trabalho de grupo, não explicações ou justificativas.

Mas eu não me deixaria subornar (como não deixei), não venderia minha alma ao diabo e nem sei como consegui sobreviver aos cinco anos letivos. Quatrocentos e vinte formandos. O único diploma da história da faculdade recebido na secretaria até hoje foi o meu. E valeu a pena, tenho orgulho disso, por mais bobo que achem ser este orgulho.

E eu ria, consolando a mim mesmo, dizendo a mim mesmo que me tornara especialista em concreto armado por estar sempre com o revólver na cinta durante as aulas.

Aquele gesto protetor acabou nos unindo ainda mais, se bem que eu continuasse agindo como sempre agira. Sabia que logo estaria indo embora, não queria deixar a Polícia. E o que eu fazia lá dentro não era compatível com ter uma esposa, ter uma família, eu nunca sabia se voltaria inteiro, se voltaria vivo. Não era ser dramático, era a minha realidade, a que eu a tornara e me tornara.

Num final de semana fui para casa. Quando retornei no domingo, Mariana estava doente, havia contraído o começo de uma pneumonia,

Dona Edith estava quase quarenta e oito horas sem dormir, cuidando da filha.

Fui vê-la. Mariana estava pálida e febril, a medicação parecia não estar fazendo efeito, só restava esperar. Estremecia em sua caminha de solteira num quartinho minúsculo.

Fiquei penalizado com a situação de ambas, a obrigatoriedade do dever humano falou mais alto.

- Vá dormir, dona Edith, eu cuido dela para a senhora.

- Você faria isso por nós, filho? – perguntou, cansada e esperançosa.

- Sim senhora. Vá dormir, a senhora está precisando.

Ela sentiu a sinceridade em minha voz.

- Então eu vou, estou mesmo precisando. E você, como vai dormir?

- Não se preocupe, coloco um colchonete ao lado da cama dela, se ela precisar de alguma coisa estarei pronto para atende-la. E os remédios, tem alguma coisa a ser dada?

Ela me instruiu quanto ao que, quanto e quando. Pediu que a chamasse se fosse preciso. Tomou um banho quente, comeu alguma coisa, desabou em sua cama e apagou.

Fui ver a doentinha, a moça que se tornara a minha doentinha. Sentei-me a seu lado na cama, enxuguei sua testa que suava, fui também me alimentar. Trouxe um colchonete, travesseiro e cobertas, posicionei-os junto à sua cama.

Antes de deitar coloquei a mão em sua testa, ela continuava febril, mas de alguma maneira parecia que a febre estava baixando, talvez impressão minha. Não havia termômetro.

Deitei procurando não dormir logo, mas o cansaço da viagem começou a se fazer sentir.

Estava quase adormecendo quando Mariana se agitou, levantei-me rapidamente e coloquei a mão em seu rosto, tranquilizando-a.

- Não se preocupe, durma – pedi, segurando sua mão. – Estou aqui a seu lado para cuidar de você.

Por um momento ela pareceu despertar. Olhou-me vagamente, confusa, parecendo nem me ver, mas a pressão de sua mão na minha se tornou mais forte por alguns instantes.

Acabara de me deitar quando ouvi sua voz sumida.

- Onde você está? – perguntou com ansiedade. – Não me deixe sozinha...

Levantei-me outra vez, segurei outra vez sua mão.

- Não se preocupe, estou aqui, durma.

Seus olhos se abriram, ela lutando para focalizá-los e me ver.

- Poderia deitar um pouquinho aqui comigo? – pediu com voz tão baixa que mal a ouvi. – Estou me sentindo tão sozinha...

Não houve como recusar ou negar, deitei-me a seu lado naquela caminha de solteiro, ela se aninhou em meu ombro aconchegando seu corpo tão quente ao meu.

Passou o braço sobre meu peito como se me abraçasse, como se me prendesse, e com um suspiro voltou a dormir.

Fiquei preocupado. Se dona Edith levantasse, o que iria pensar de seu inquilino deitado com sua filha? Mas isto dificilmente aconteceria, ela estava cansada demais e iria dormir muito para se recuperar.

Ajeitei as cobertas sobre a minha doentinha, ela se acomodou melhor contra mim, senti a pressão de seu corpo contra meu, mas não havia como me afastar naquela caminha tão pequena sem cair, procurei não pensar naquilo.

- Gosto de você... – murmurou ela tão baixinho, que mal a ouvi.

Com um desfalecimento, senti no mais profundo da alma como era bom ouvir aquilo. Fiz um carinho desajeitado em seu rosto e pedi a ela novamente que dormisse para ficar boazinha logo, eu cuidando ternamente dela como se ela fosse uma criança pequenina que precisasse ser embalada e protegida, que necessitasse se sentir amada e especial.

Acordei de madrugada para lhe dar um remédio. Mariana protestou, minha menininha birrenta que não queria o remédio ruim, mas eu a fiz tomar, era preciso. Resolvi deitar em meu colchonete, mal o fizera quando ela me chamou:

- Não me deixe... não quero ficar sozinha... deite-se aqui comigo mais um pouquinho...

E lá se foi o Dom Quixote, feliz por se sentir necessário, procurando não pensar em nada.

Acomodei-me a seu lado, ela voltou a se deitar em meu ombro, seu braço outra vez em meu peito, seu corpo aconchegado ao meu.

Podia ser impressão minha, juro, mas inexplicavelmente a febre havia passado, até sua respiração estava melhor, mais fácil.

- Durma, você precisa ficar boazinha logo.

Seu rosto em meu ombro avançou e colou-se ao meu. Recebi na face um doce, suave, inesperado e rápido beijo de minha doentinha.

- Obrigada por cuidar de mim – murmurou baixinho, com ternura sincera. – Gosto de você... – repetiu.

Beijei-a na testa, sorrindo enquanto lhe dizia com suavidade:

- Ih, acho que a febre está voltando, você está delirando...

- Não, doutorzinho (como me chamava, por causa da faculdade), é verdade... Você é meu amigo, me trata com respeito e carinho. Gosta também um pouquinho que seja de mim?

Olhei-a bastante sério, mas não pude deixar de sorrir. Mostrei-lhe o indicador e o polegar esticados bem próximos.

- Um pouquinho só...

Ela riu.

- Bem que me disseram para ter cuidado com a Polícia, são todos uns mentirosos...

- Eu?... Ora, ora, nem sei o que dizer... e eu mereço isso? Vamos, vamos dormir que você precisa se recuperar logo e sarar de vez.

- Quer voltar para seu quarto e me deixar? – perguntou com voz magoada.

- Não é isso, Mariana, mas precisamos de você boazinha logo.

- Hum, gostei deste “precisamos”. Dei muito trabalho?

- Que história é esta de “dei”? Você ainda não sarou de tudo...

- Mas estou bem melhor, doutorzinho, mesmo você não sendo da faculdade de Medicina.

- Ah, então não sabe que vou ser engenheiro para construir um mundo melhor?

- Isso você já está fazendo sendo um policial.

- É verdade... não me havia dado conta disso...

Ela me olhou zombeteira por alguns momentos.

- Tem tanta coisa que você não se dá conta... nem parece ser policial...

- Epa, o que quer dizer com isso?

Num movimento rápido impensável para quem estivera tão ruim, Mariana me procurou num beijo cálido, suave, cheio de ternura, sabor de remédio (que importância tinha?).

- Nunca percebeu que eu gosto de você?

- Mariana, sua febre deve ter voltado...

Abracei-a, o que fazer quando a carência e o desejo falam mais alto?

- Pode me dar um pouco de carinho, doutorzinho? – pediu, com voz baixinha.

Capitulei, não houve como e nem eu queria ou podia resistir a seu apelo.

***

 



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