Foto: Felipe Carneiro / Diário C
emerson.gasperin@somosnsc.com.brNo final de outubro, o secretário de Turismo, Cultura e Esporte de Santa Catarina, Leonel Pavan (PSDB), esteve em Alicante, na Espanha, para a largada da 14a edição da Volvo Ocean Race. Até o final da regata em junho do ano que vem em Haia, na Holanda, sete barcos irão cruzar quatro oceanos, cinco continentes e 11 cidades – incluindo Itajaí, destino da oitava etapa, por onde os participantes devem passar entre os dias 5 e 22 de abril de 2018. Durante a estada por lá, o tucano reservou um espaço na agenda para visitar um empreendimento proibido no Brasil: um cassino.
Nem precisou procurar muito. Na mesma marina que serviu de ponto de partida para a corrida náutica encontra-se o Casino Mediterráneo. Inaugurado em 2009, o estabelecimento permite a entrada somente de maiores de 18 anos, munidos de identidade (ou passaporte). Além das múltiplas opções de jogos, dispõe de dois restaurantes e local para exposições de arte espalhados em 3,5 mil metros quadrados.
– Tem gente que gasta num lance o que eu gasto numa noite inteira. Não vou só para jogar. Janto, assisto a algum show, me divirto. Desta vez, separei 100 euros para apostar – diz ele.
Pavan se deu bem e voltou para o hotel com 150 euros, uma ninharia perto do que o país deixa de arrecadar por manter ilícita a atividade. Segundo estimativas do Instituto Brasil Jogo Legal, as modalidades à margem da lei correspondem a mais do que o dobro dos R$ 12 bilhões anuais movimentados pelas legalizadas em território nacional. A adoção de um marco regulatório abriria um mercado de R$ 60 bilhões ao ano, dos quais somente em impostos seriam recolhidos R$ 20 bilhões.
A expectativa do secretário é de que essa situação seja revertida em um futuro próximo. Antes de desembarcar em solo espanhol, ele participou do lançamento de uma frente de apoio à legalização e regulamentação de cassinos, bingos e demais jogos de azar, formada por 229 parlamentares, em Brasília. Pelo menos um dos dois projetos de lei (PL) que circulam no Congresso sobre o tema deve ser votado ainda neste ano.
– Foi uma solicitação de todos os Estados. Se não houver a questão partidária, se os deputados pensarem no Brasil, no retorno econômico, será aprovado.
Na Câmara, a matéria tramita desde 1991, proposta pelo então deputado catarinense Renato Vianna (PMDB). De lá para cá, outros 16 projetos para a exploração dos rebatizados "jogos de fortuna" somaram-se ao texto original. Especificamente quanto aos cassinos, em linhas gerais o PL 441/91 autoriza o funcionamento em complexo integrado de lazer, com bar, restaurante e apresentações artísticas e culturais. A concessão para a iniciativa privada valerá por 30 anos e será feita via licitação, tendo como critério de julgamento o maior investimento.
Está estipulado também que um mesmo grupo econômico não poderá administrar mais de cinco cassinos. Conforme a população, cada Estado terá direito a três estabelecimentos (mais de 25 milhões de habitantes), dois (de 15 milhões a 25 milhões) ou, no caso de Santa Catarina, com seus 6,7 milhões, um (até 15 milhões). Pavan gostaria que fossem dois. Independentemente disso, acredita, "basta ser liberado que vai aparecer um monte de interessados em disputar a concorrência".
Foto: Felipe Carneiro / Diário Catarinense
O eventual único cassino catarinense pode ser também o primeiro oficial localizado no Estado desde que a jogatina chegou ao país, nos tempos do Império. A proibição imposta em 1917, já na República, foi derrubada em 1934 pelo presidente Getúlio Vargas, dando início à época de ouro dos cassinos no Brasil. No auge, havia 71 em operação. Os mais famosos, como o da Urca e o do Copacabana Palace, ambos no Rio de Janeiro, eram ambientes glamourosos, que reuniam a alta sociedade e promoviam shows com estrelas nacionais e internacionais.
A farra acabou em abril de 1946, quando Gaspar Dutra tornou ilegais todos os jogos de azar do Oiapoque ao Chuí sob o argumento de que atentavam contra os "princípios morais". Diz a lenda que o recém-eleito presidente teria cedido à pressão da primeira-dama, Carmela Dutra, a Dona Santinha, uma católica fervorosa que acabaria virando nome de maternidade em Florianópolis – à influência dela sobre o marido é atribuída também a extinção do Partido Comunista Brasileiro (PCB) em maio daquele ano. Verdade ou não, o fato é que da noite para o dia a medida desempregou mais de 40 mil pessoas e está em vigor até hoje.
– Nas minhas pesquisas, nunca achei registros de que tivesse havido algum cassino em Santa Catarina – diz o empresário Osmar de Souza Nunes Filho.
Formado em Turismo em 1975, Mazoca (como é mais conhecido) presidiu a Santur de 1987 a 1990 e respondeu pela secretaria da pasta em Balneário Camboriú de 1997 a 2008. Em novembro de 1964, o pai dele construiu o Marambaia Cassino Hotel na ponta norte da praia central da cidade. O prédio de três andares com fachada arredondada logo iria se tornar um símbolo de hospedagem no litoral catarinense, mas a intenção do fundador era oferecer algo mais do que conforto à beira-mar para os clientes.
– Ele chamou o hotel de 'cassino' com a esperança de que fossem legalizados, jamais imaginava que permaneceriam ilegais por tanto tempo – conta Mazoca.
Pois os militares que mandavam no país não só não revogaram o decreto de Dutra como transformaram o jogo no Brasil em monopólio do Estado, criando as loterias esportivas. Embora tenham fracassado no objetivo de eliminar o jogo do bicho, que mesmo classificado como contravenção continua firme e forte com três extrações diárias, as lotecas acabaram se convertendo em excelente fonte de renda para a União – o que para Mazoca faz com que a proibição seja ainda mais incompreensível.
– Não dá para entender. Hoje, no Brasil, é só pegar um navio para poder jogar. No momento em que sai do porto, os cassinos a bordo começam a funcionar.
Foto: Felipe Carneiro / Diario Catarinense
Um cassino em Santa Catarina representaria, de imediato, o acréscimo de 1 milhão de visitantes no Estado. O cálculo é do advogado Brasil Fernandes, de Balneário Camboriú, que em 2006 foi contratado pela Associação Brasileira de Loterias Estaduais (Able) e não parou mais de se envolver com o assunto. De acordo com ele, dois grupos dos Estados Unidos e um da Europa já visitaram o município de olho na possível liberação da atividade.
– Eles querem saber até dados do consumo de bebidas energéticas na região antes de tomar alguma decisão. Afinal, é um investimento de R$ 500 milhões a R$ 1 bilhão – afirma, sem revelar quem seriam esses interessados "por causa da confidencialidade".
Fernandes usa os bingos para exemplificar a ineficácia da restrição aos cassinos. Autorizados em 1993 pela Lei Zico, caíram em desgraça em 2004, depois que Waldomiro Diniz, ex-presidente da Loterj e subchefe de assuntos parlamentares do governo Lula, foi acusado de cobrar propina do empresário do ramo de jogos Carlinhos Cachoeira. Segundo a associação brasileira do setor, foram fechadas 1,6 mil casas na época. Atualmente, existiriam mais 200 mil máquinas clandestinas. Ou seja, não adiantou nada ou, como define o advogado, "a vacina matou o paciente".
Das 108 nações que integram a Organização Mundial de Turismo, somente Brasil e Cuba proíbem o jogo. A eterna ilha de Fidel, por estar estagnada no tempo. No país, não há uma razão clara, mas os motivos alegados vão da falta de fiscalização ao "estímulo ao vício". O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Roberto Veloso, é contra a liberação por temer que facilite a lavagem de dinheiro.
– Não temos, hoje, pessoal suficiente para controlar quem entra, quem sai, quanto aposta, quanto ganha. Bastaria um apostador combinar a simulação de um prêmio com a casa de jogos, pago com o seu próprio dinheiro. Ele declararia o valor à Receita, recolheria o imposto devido e, assim, o dinheiro entraria limpo no sistema financeiro – explica o magistrado.
Esse risco, garante Fernandes, o cassino moderno não corre porque "a tecnologia rastreia todos os movimentos do jogador" e "qualquer movimentação suspeita seria coibida". Quanto à compulsão pelo jogo, a sugestão do advogado é adotar uma solução que viu em Portugal: uma espécie de cadastro dos viciados. O ludopata que tentasse entrar em um cassino seria identificado ao apresentar o CPF e impedido de apostar.
– Temos que ter coragem de acabar com esse moralismo barato – diz Pavan.
O outro projeto que contempla a liberação dos cassinos, proposto pelo senador Ciro Nogueira (PP-PI) em 2014, é similar ao da Câmara. Os presidentes das duas casas, Eunício Oliveira (PMDB-CE) e Rodrigo Maia (DEM-RJ), prometeram que irão levá-los a plenário no mais tardar no mês que vem. A sorte está lançada.