Prisão que vai receber RDD, em São Cristóvão do Sul, está vazia desde junho de 2016
Foto: Betina Humeres / Agencia RBS
Um ano e quatro meses após concluir as obras da unidade de segurança máxima de São Cristóvão do Sul, cidade de 5 mil habitantes do Planalto Serrano, o Estado dá os últimos passos para implantar as 30 vagas do regime disciplinar diferenciado (RDD). O modelo é considerado o castigo máximo para presos perigosos ou que são acusados de liderar facções criminosas.
Nos últimos anos, autoridades do sistema prisional de Santa Catarina estiveram no presídio federal de Catanduvas (PR) e nas penitenciárias de Presidente Bernardes (SP), Presidente Venceslau (SP), Bangu 1 (RJ) e Papuda (DF). A estrutura catarinense, que é referência no país para o sistema mais rigoroso, foi projetada de acordo com a arquitetura dessas prisões.
Com capacidade para até 100 detentos, a cadeia de São Cristóvão do Sul ainda está vazia. A Secretaria da Justiça e Cidadania (SJC) adia a inauguração até conseguir aprovar o projeto de lei 040-2017 encaminhado à Assembleia Legislativa (Alesc), em 30 de outubro, em regime de urgência.
O texto trata do plano de carreira e cargos de agentes penitenciários. Na prática, a medida possibilitará a remuneração com gratificação extra de servidores que serão lotados na unidade de segurança máxima.
– Ressalta-se que uma unidade de segurança máxima pode abrigar internos integrantes de facções criminosas, sendo público e notório os perigos e ameaças que isso representa ao servidor incumbido da custódia – afirma a secretária da SJC, Ada De Luca, ao justificar o adicional por ameaças físicas e psíquicas aos agentes.
Ao todo, o projeto trará acréscimo de 99 funções gratificadas e cargos nas unidades prisionais e do sistema socioeducativo do Estado. Atualmente, está sendo analisado pela Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia. O governo espera aprovar e sancionar a lei ainda neste ano.
Embora a articulação pelo RDD seja do Executivo, cabe ao Judiciário aplicar a medida ao preso em regime fechado, conforme a Lei de Execução Penal. Cela individual, limitações ao direito de visita e tempo de aplicação por 360 dias, renováveis pelo mesmo período, estão entre os principais pontos do regime diferenciado.
Em Santa Catarina, ainda não está definido quem determinará a reprimenda aos 30 presos que ocuparem o espaço: se o juiz corregedor da região (Vara de Curitibanos) ou outros magistrados caso haja resolução normativa do Tribunal de Justiça assim como ocorre em outros Estados. Hoje o RDD é aplicado com pouca frequência dentro de SC por não existirem cadeias adequadas de isolamento. Há situações apenas nas penitenciárias de Criciúma e Blumenau, mas o número de detentos é pequeno.
– Será interessante (o sistema) se houver uma equipe especializada, botarem para funcionar de acordo com o que diz a lei que disciplina e cuidando para não misturar presos – opina o promotor de Justiça Wilson Paulo Mendonça Neto.
“Remédio mais adequado”, diz secretário Leandro Lima
O secretário da Justiça e Cidadania em exercício, Leandro Lima, considera que o regime é o “remédio” mais adequado aos presos que não se adequarem dentro da ordem das cadeias:
– Oferecemos trabalho, educação, ressocialização, leitura, cursos. Mas, quando a pessoa não se enquadra e passa a organizar situação contrária e com situações ilícitas graves, é o melhor remédio.
Lima espera a aprovação das gratificações ainda este ano. A partir disso, calcula um prazo de 30 dias para começar a operação da unidade de segurança máxima. Apesar das vagas de RDD, acrescenta, Santa Catarina continuará usando vagas em presídios federais quando for necessário.
Entenda o sistema:
Características do Regime Disciplinar Diferenciado:
l Duração máxima de 360 dias, podendo ser prorrogado pelo mesmo período por nova falta grave
l Recolhimento em cela individual
l Visitas por no máximo duas horas
l Apenas duas horas diárias de banho de sol
Fonte: Artigo 52 da Lei de Execução Penal
Segurança Máxima
Prisão construída em São Cristóvão do Sul – região de Curitibanos
l 100 vagas (30 vagas para o RDD)
l Custo total da obra:
R$ 15,7 milhões
l Início da construção: setembro de 2015
l Concluída em junho de 2016
Fonte: Pacto SC – Governo do Estado
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Prisões federais recusam pedidos de SC
Usar vagas do RDD em presídios federais tem sido prática recorrente do Estado desde 2012, quando houve a primeira onda de atentados nas ruas. Houve transferências de lideranças do crime organizado principalmente para cadeias do norte do país. Porém, a maioria retornou ao sistema prisional catarinense – atualmente seriam menos de 20 no regime diferenciado que continuam fora do Estado.
Autoridades relatam dificuldades para manter ou transferir detentos. Nos últimos 20 dias, Santa Catarina não conseguiu enviar 12 detentos para fora do Estado em razão da negativa da Justiça Federal. O motivo seria a ausência da defesa do preso nos pedidos.
Com 140 mortes violentas desde janeiro, Florianópolis enfrenta recorde de assassinatos neste ano. Para delegados e promotores, isolar os chefes dos bandos seria forma de estancar os crimes.
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Retorno após seis anos
Neném da Costeira durante julgamento na CapitalFoto: Guto Kuerten / Agencia RBS
Em 26 de outubro, o criminoso que por anos causou preocupação à segurança pública catarinense deixou a prisão federal em que estava, em Rondônia, e foi levado para a Penitenciária Sul, em Criciúma. A operação sigilosa do retorno de Sérgio de Souza, o Neném da Costeira, marcou o fim de seis anos ininterruptos de cumprimento de pena pelo traficante em regime disciplinar diferenciado (RDD).
Mesmo que a lei estabeleça o método por no máximo dois anos, há casos em que a Justiça renova por mais tempo a permanência. Basta a autoridade prisional informar ao juiz que ele segue infringindo a lei mesmo trancafiado. Sem novas provas, o retorno é inevitável.
O advogado criminalista Francisco Ferreira, ex-defensor de Neném da Costeira, afirma que houve desrespeito ao período máximo de permanência no RDD.
– Bastava que o Departamento de Administração Prisional renovasse o requerimento, sem nenhum fato novo capaz de justificar a permanência dele, que era deferido. Só deixou agora porque o juiz disse: “agora chega” – declarou o advogado.
Para Ferreira, o RDD não vai resolver o problema:
– Nas unidades federais eles, além de ter contato, jogam bola junto e compartilham os banhos de sol com outros presos, quando deveriam fazer a cada duas horas isolados.
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Entrevista: Cinthia Beatriz Bittencourt Schaefer, desembargadora e coordenadora do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Tribunal de Justiça
Como o Tribunal de Justiça trata a questão do Regime Disciplinar Diferenciado em SC?
O RDD é previsto em lei e muitas vezes é inevitável. Temos presos de alta periculosidade que cometem faltas graves na prisão e é necessário algumas vezes mantê-los separados. Agora, isso tem que ser visto com muita cautela. A gente não pode imaginar uma pessoa cumprir sozinha a pena inteira no regime disciplinar diferenciado. Isso acarreta danos cerebrais, problemas neurológicos de toda ordem.
A senhora pretende acompanhar o processo dessas 30 vagas em São Cristóvão do Sul?
Espero que sim. Vou cobrar da Secretaria da Justiça e Cidadania tão logo tenha a notícia de que isso acontecerá para que a gente esteja junto, trabalhando, monitorando e fiscalizando.
Quem determinará o RDD: o juiz local de Curitibanos ou juízes designados pelo Tribunal?
Aqui ainda não foi discutido isso, ao menos comigo. Acredito que a ideia seja o juiz lá em Curitibanos. Se um magistrado de Criciúma ou Joinville necessita de RDD, vai fazer o pedido a Curitibanos. Depende do juiz do local aceitar. É o corregedor do presídio que, pela lei, precisa ser consultado.
SC teve negado vários pedidos de transferir presos para presídios federais. Por quê?
Não é bem negar. Vou dar o exemplo de Sérgio de Souza, Neném da Costeira. Não se pode exigir que o preso cumpra pena toda em presídio federal. O juiz federal não viu mais necessidade para mantê-lo e assim aconteceu com outros (presos), não aconteceu fato novo. No meu ponto de vista, até acho que houve uma falha na comunicação de mostrar a periculosidade do Sérgio, que tem processo respondendo de coisas lá de Mossoró.
Há uma onda de mortes em Florianópolis e reivindicações por transferências ao RDD. Qual a sua opinião?
Colocar o preso em Curitibanos ou seja em qualquer RDD não vai impedir que ele tenha contato com advogado, com pessoal de fora. Hoje, a situação está muito mais grave na rua do que dentro dos presídios. O regime não é solução para a segurança, colocar 100 pessoas lá dentro e achar que está resolvido. O problema não é o nosso Primeiro Grupo Catarinense, mas a briga entre as facções.
Como colocar presos de facções diferentes em cadeia?
É muito difícil. Em audiência de custódia, por exemplo, quando tem que trazer presos ao Fórum, tem que ver se é faccionado, de qual facção, ficar separado da outra. Se não é de nenhuma, tem que ficar separado também, não há cultura que dê conta de toda a situação.