O Conselho Regional de Medicina em Santa Catarina afirma que abriu uma sindicância pra apurar se houve negligência ou não por parte dos médicos que fizeram o atendimento a uma bebê de 1 ano. Ela morreu no último dia 10 de complicações por pneumonia, no Norte do estado, depois levar mais de 15h para ser transferida para uma UTI infantil. Houve falta de combustível em ambulâncias.
A viagem de Mafra até Joinville custaria cerca de R$ 40. A família da criança chegou a se oferecer para pagar a gasolina das ambulâncias. O relatório de atendimento mostra que pelo menos três médicos reguladores do Samu não permitiram que as ambulâncias fossem abastecidas dessa forma (veja detalhes do impasse mais abaixo).
Como mostrou o RBS Notícias desta segunda-feira (19), a investigação começou na semana passada, depois que as denúncias vieram à tona. Não há prazo para conclusão da sindicância. O caso também é investigado pelo Ministério Público de Contas, pelo Ministério Público Estadual e pela Polícia Civil.
O defensor geral Ralf Zimmer afirma que, nesse caso, a burocracia ficou acima do bom senso. "Jamais um servidor seria punido por desrespeitar uma regra administrativa para salvar uma vida".
"O agente público deve pensar, sim, como agente público, mas em casos extremos, como era o caso que envolvia a vida de uma criança, ele tem que estar treinado a pensar antes de tudo como um cidadão", completou o defensor.
Sindicância apura negligência em caso de ambulância sem combustível para transferir bebê
O Sindicato dos Médicos afirma que os profissionais não tomaram essa decisão por conta própria. "Os médicos cumprem regras, eles não podem ultrapassar aquelas regras que lhes são impostas. O que eles tinham condições de fazer e fizeram foi buscar a condição de levar esse paciente paro o local que ele deveria ter sido levado", afirma Vânio Cardoso Lisboa.
Questiodo sobre o que faria nessa situação, ele afirmou:"Eu não sei que decisão eu tomaria, talvez jogasse meu emprego fora e tomaria uma decisão diferente, mas isso aí é o foro íntimo de cada um".
"No momento em que a vida está sendo colocada em risco, a burocracia é terciária, nem é secundária", diz Maurício Batalha Machado, da Comissão de Saúde da OAB/SC. "A vida está acima de qualquer situação, principalmente da lei e da burocracia."
"Ninguém tem como justificar o que aconteceu. Soubemos que diversos agentes públicos, entre eles, médicos, inclusive, se recusaram a viabilizar o transporte da menina por conta de R$ 40, salvo engano. Isso é inadmissível", diz o procurador do MPC, Diego Rigenberg.
Heloísa chegou ao Pronto Atendimento (PA) de Mafra na madrugada do dia 7, com suspeita de broncopneumonia, e logo depois foi internada. No dia seguinte, às 9h50, a equipe médica concluiu que ela precisava ser transferida para o Hospital Infantil em Joinville. O primeiro contato com o Samu, na central de Joinville, foi feito menos de meia hora depois.
O médico regulador informou que a ambulância de Mafra não tinha combustível e que só seria possível abastecer com o cartão corporativo da empresa que administra o Samu.
Às 15h, a Secretária da Saúde de Mafra apelou para o coordenador do Samu na capital, mas o médico também negou a autorização para abastecer a ambulância por conta própria. No final da tarde, eles acionaram o Ministério Público para tentar uma liminar que autorizasse o abastecimento. Só pouco antes das 23h, uma ambulância de Canoinhas chegou a Mafra.
Os profissionais foram informados de que o transporte seria feito até Rio Negrinho e de lá até Joinville, por outra ambulância, também por falta de combustível. De novo, eles pediram autorização para abastecer e o pedido foi negado pela coordenação do Samu.
O quadro de saúde da criança começou a desestabilizar. Só às 3h do dia 9, ou seja, 17h depois, a menina deu entrada no Hospital Infantil de Joinville. Ela sofreu a terceira parada cardíaca ao meio-dia de sábado (10) e não resistiu.
"É inadmissível que você tenha ou ache que tenha a retaguarda do serviço de transporte de ambulâncias e na hora de utilizá-las elas estejam sem combustível. No mínimo, o estado falhou gravemente na fiscalização desse contrato", diz Diogo Rigenberg, procurador do MPC.
Como também mostrou o RBS Notícias desta segunda, o valor que faltou para abastecer a ambulância é 0,00001% do total do contrato entre o poder público e a empresa que administra o Samu.
Em 2012, o governo estadual contratou a Sociedade Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), por R$ 426 milhões para administrar o Samu por cinco anos.
Valor que faltou para abastecer ambulância é 0,00001% do contrato entre estado e SPDM
O contrato afirma que entra as obrigações da empresa estão manter em perfeitas condições de uso os equipamentos necessários para realizar os serviços contratados; atender os pacientes com dignidade e respeito, mantendo sempre a qualidade da prestação do serviço; não adotar nenhuma medida unilateral pra mudar o rol de serviços oferecidos.
O mesmo contrato determina as obrigações da Secretaria de Estado da Saúde. A principal delas é fiscalizar a prestação do serviço. O contrato também obriga o estado a fazer os pagamentos em dia.
Em janeiro deste ano, um termo definiu os valores para este ano: R$ 66 milhões, em sete parcelas. Hoje, o governo deve 28 milhões.
Em uma das notas divulgadas sobre o caso, a SPDM disse que o abastecimento teve que ser suspenso até a dívida ser quitada. Mas o Ministério Público de Contas afirma que, mesmo nestes casos, o serviço não pode ser supenso dessa maneira, e que isso depende de um aval da Justiça.
"Ele deve buscar uma ordem judicial se desonerando do cumprimento do contrato, em razão de o Estado náo estar eventualmente cumprindo a sua parte", diz o procurador Rigenberg.
Em 2013, o contrato do Samu foi questionado pela promotoria do MPC, mas ainda não houve decisão judicial definitiva.
Nem a empresa que administra o serviço público nem a Secretaria de Estado da Saúde quiseram comentar o descumprimento do contrato com a RBS TV.
http://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/sindicancia-apura-negligencia-medica-em-caso-de-ambulancias-sem-gasolina-para-transferir-bebe-em-sc.ghtml