Em uma propriedade rural de São Bento do Sul, a 259 km de Florianópolis, mora o aposentado Felipe Sanokhi, 72. Na cidade com influências alemã e polonesa, “Seu Felipe”, como é conhecido, é considerado um dos grandes incentivadores de um projeto de preservação ambiental. Engana-se quem pensa que a idade o impediu de abrir a cabeça para novas ideias. Ele foi o primeiro agricultor a participar do programa de PSA (Pagamento por Serviços Ambientais), em 2010, destinado a proprietários que se comprometem a conservar áreas naturais e, em troca, recebem uma premiação financeira anual.
O aposentado Felipe Sanokhi foi o primeiro a participar do programa em São Bento do Sul - Gustavo Bruning/ND
Sete anos depois, o aposentado se mostra orgulhoso da decisão. “Eu arrendo a minha área para plantarem milho, mas a minha preocupação mesmo é com o cuidado das terras, estou sempre arrumando as cercas para o gado não chegar na água”, conta. O aposentado é dono de uma propriedade de 10,86 hectares, dos quais 3,54 são consideradas áreas naturais conservadas.
O programa de PSA começou a funcionar em São Bento do Sul com o intuito de proteger as margens do rio Vermelho, manancial que abastece o município. No ano seguinte, tornou-se parte da iniciativa Oasis, da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. O que surgiu como uma ideia do prefeito Magno Bollmann, novamente na administração, evoluiu para um projeto pioneiro em Santa Catarina. Pós-graduado em engenharia ambiental pela Furb (Universidade Regional de Blumenau), ele teve como referência os trabalhos de recuperação realizados no início dos anos 2000 no rio Isar, na Alemanha.
Atualmente, 17 propriedades são beneficiadas pelo programa na cidade, que contempla uma área natural conservada de 453 hectares e inclui araucárias e campos naturais. Um dos proprietários, por exemplo, possui uma área de 36,76 hectares conservados, que representa mais de 50% de suas terras. De acordo com Marcio Dreveck, vice-prefeito de São Bento do Sul, secretário de Obras e secretário de Meio Ambiente, 300 famílias são beneficiadas direta e indiretamente pelo Oásis.
Com a repercussão positiva, o modelo serviu como exemplo em palestras em outros municípios e chegou a ser apresentado na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, em 2012. “Com esse resultado percebemos que aqueles que compõem o problema também podem compor a solução”, disse o prefeito Magno Bollmann.
O programa, que resultou ainda em um TCT (Termo de Cooperação Técnica) entre a Fatma e a Fundação Grupo Boticário, não demorou a levar visibilidade ao município. A cidade, que possui o projeto Produtor de Água do Rio Vermelho, recebeu em 2012 o prêmio de Boas Práticas em Sustentabilidade Urbana, do Ministério do Meio Ambiente, e o troféu Onda Verde, da revista Expressão, na categoria Gestão Ambiental.
“A metodologia de valoração aplicada em São Bento do Sul deu mais segurança para a Fatma quanto aos cuidados com essas áreas”, afirma a bióloga da Fundação do Meio Ambiente Shigueko Ishy. Ela foi uma das participantes do encontro que reuniu representantes de organizações não-governamentais, empresa de saneamento e do poder público de todo o Brasil, em um evento da Fundação Grupo Boticário, em maio.
O modelo de PSA atual, incorporado pela iniciativa Oásis, teve como influência um programa implementado na região metropolitana de Nova York, durante os trabalhos de preservação da cadeia de montanhas de Catskill e das bacias hidrográficas da região. “Ao invés de investirmos na construção de novas estações de tratamento de água, prezamos por desenvolver um programa do tipo, com estratégias inovadoras. É mais barato e vantajoso que buscar água limpa de longe”, explicou o gerente de estratégias de conservação da Fundação Grupo Boticário, André Ferretti, graduado em engenharia florestal.
Representantes de ONGs e do poder público participaram de encontro em São Bento - Gustavo Bruning/ND
O grupo desenvolveu a metodologia do Oásis entre 2003 e 2006. Foi então que a iniciativa foi colocada em prática, primeiramente na região metropolitana de São Paulo. Em 2009, chegou a Apucarana (PR). Quando estreou em São Bento do Sul, passou por novas adaptações. Após uma década de atuação, já contou com sete projetos implementados – cinco deles estão vigentes. Em 2012 teve uma nova metodologia lançada, aplicada no município de Brumadinho (MG) em 2013, e passou a contemplar os Corredores de Biodiversidades em Chapecó e Timbó, em 2014. O programa também é aplicado em São José dos Campos e Pratigi (BA).
Desde então, já foram destinados cerca de R$ 6 milhões para ações de PSA, que atualmente contemplam uma área de aproximadamente 10 mil hectares pelo Brasil – metade correspondem a áreas naturais. Segundo a fundação, mais de 8 milhões de pessoas já foram beneficiadas indiretamente pelo Oásis.
O monitoramento e a premiação dos proprietários são de responsabilidade do executor local – a prefeitura de São Bento do Sul, neste caso –, enquanto o gerenciamento, a capacitação e a metodologia são aplicadas pela fundação.
Ao contrário do que aconteceu em São Bento do Sul inicialmente, o interesse de proprietários para participar da iniciativa nos dias de hoje é grande. “Antes de o pessoal conhecer [o projeto], tinha proprietários rurais que só pensavam em usar a terra. Hoje eles compram a ideia de cuidar da área para os netos”, afirma o coordenador da PSA da Samae, Paulo Schwiskowski.
Clóvis Wactawski e Anice reservam quase 50% das terras para o programa - Gustavo Bruning/ND
Este é o caso da família Wactawski. Ao mesmo tempo em que administra, ao lado dos filhos, plantações de milho, aipim e mandioca, Clóvis Wactawski, 69, comemora o dinheiro extra que recebe no fim do ano, vindo da conservação das terras. “Não sou de desmatar as araucárias. Tenho poucos hectares de lavoura, o resto é mato”, assegurou. A propriedade, atualmente no nome da mulher dele, Anice Wactawski, 69, possui 14,67 hectares. Destes, 6,77 são de área natural conservada. “Se eu vejo um pinheiro, cedro e pau de leite, faço o replantio perto do rio. A gente precisa pensar pra frente”, comentou Alice.
Enquanto em 2015 foram investidos cerca de R$ 25 mil no pagamento dos proprietários em São Bento do Sul, no ano passado o valor subiu para R$ 36 mil. Em 2017, segundo Schwiskowski, a quantia deve se manter a mesma. Enquanto isso, uma equipe realiza estudos para expandir o programa no próximo ano. No meio tempo, 52 produtores estão na fila de espera.
Como base do modelo de valorização ambiental das áreas naturais está o IVM (índice de Valorização dos Mananciais), que estabelece o valor a ser pago pela preservação das propriedades. Cada propriedade recebe pagamentos diferenciados, que variam conforme o número de hectares preservados e a qualidade da área natural. De acordo com o coordenador de estratégias de conservação da Fundação Grupo Boticário, Guilherme Karam, os participantes são beneficiados conforme o custo de oportunidade da terra, e podem receber bonificações pelos serviços ambientais e pelas práticas agrícolas adequadas.
Entre os quesitos avaliados estão a conservação das áreas naturais, os recursos hídricos e a proteção realizada pelos proprietários. A conectividade entre as áreas naturais dentro e fora da propriedade, a presença de nascentes preservadas, o uso de agrotóxicos, o controle de erosão e a ações de fiscalização por parte dos beneficiados são revertidas em pontuação. “O objetivo é chegar ao equilíbrio entre o uso da terra e a proteção da natureza”, explica o chefe do setor de resíduos sólidos e coordenador da PSA da Samae (Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto), Paulo Schwiskowski.
Enquanto um proprietário com áreas de menor qualidade pode receber o mínimo de 25% do valor médio por hectare, um vizinho que pontua de forma exemplar pode receber até 200% da quantia.
- A Fundação Grupo Boticário foi criada em 1990, com o objetivo de promover ações de conservação da natureza, tendo como foco a proteção de áreas naturais, o apoio a projetos de outras organizações e ações de mobilização da sociedade.
- A organização, sem fins lucrativos, já apoiou 1.510 projetos de 496 instituições em todo o Brasil, e mantém duas reservas naturais, no Paraná e em Goiás.
- Entre as iniciativas já apoiadas em Santa Catarina estão o projeto Tamar, ações de preservação do papagaio-de-peito-roxo e do papagaio charão, e pesquisas sobre os efeitos da urbanização na qualidade da água da Baía Norte.
- Apenas no Estado já foram contemplados 106 projetos – 16 deles estão em andamento – e houve investimento que ultrapassa R$ 1,7 milhão.
https://ndonline.com.br/florianopolis/noticias/referencia-nacional-iniciativa-promove-conservacao-de-453-hectares-de-area-natural-em-sc