No dia 11 de outubro de 2016, Sebastião de Carvalho Walter declarou ao Conselho Disciplinar do Complexo Penitenciário de São Pedro de Alcântara que haveria mais mortes se continuasse sendo adotado o mesmo modelo para troca de apenados de cela. O medo era ser morto dentro da cadeia por inimigos. Pouco mais de dois meses depois do depoimento, Sebastião foi atacado com estoques durante banho de sol e acabou morrendo no hospital no dia 9 de janeiro deste ano.
Só em 2017, pelo menos sete presos foram assassinados nas cadeias de Santa Catarina. Na semana passada, uma rebelião em Lages deixou dez apenados feridos. O Deap (Departamento de Administração Prisional) informa que os casos não têm ligação com a guerra entre facções que já matou pelo menos 138 detentos em sete estabelecimentos prisionais do país.
A crise nacional deixou Santa Catarina em alerta. Na escala criada pelo Estado para medir os riscos nas cadeias, que vai de um a cinco, o sistema penitenciário catarinense está no nível três. Desde o início da semana passada, uma série de transferências foi realizada para separar membros de facções a fim de evitar conflitos. No Complexo Penitenciário da Capital, membros do PGC e PCC foram colocados em alas separadas.
O alerta está voltado principalmente para São Pedro de Alcântara, QG do PGC, onde relatos de advogados e parentes de presos dão conta de que cerca de 150 detentos querem transferência por conta de ameaças. O clima também é de tensão nas unidades com superlotação. Dos 49 estabelecimentos prisionais no Estado, oito estão com praticamente o dobro da capacidade ocupada. A superlotação só não é maior devido as interdições judiciais que exigem o cumprimento estrito do número de vagas. Pelo menos 33 unidades prisionais estão com algum tipo de interdição.
O Deap não confirma o número de presos ameaçados em São Pedro de Alcântara, nem a quantidade de transferências que foram realizadas na última semana. Dos sete mortos em SC desde o início deste ano, dois pertenciam a cúpula do PGC (Primeiro Grupo Catarinense).
Informações do inquérito que investigou a atuação do PGC nas cadeias do Estado dão conta que de que a facção tenha cinco mil filiados no sistema prisional catarinense. Os levantamentos não são precisos e informações dos próprios presos, ainda segundo o inquérito, dão conta de que a facção poderia ter até 15 mil membros entre presos e livres, espalhados por todas as regiões do Estado.
Assim como no restante do país, em Santa Catarina, o PGC trava uma disputa tanto interna como nas ruas com o PCC (Primeiro Grupo da Capital), facção paulista que atua em presídios de todo o país. No entanto, as mortes das lideranças do PGC em São Pedro de Alcântara teriam outra motivação. Segundo dados do GMF (Grupo de Monitoramento e Fiscalização), do Sistema Carcerário, os dois líderes mortos, Sebastião de Carvalho Walter, morto no dia 9 deste mês, e Valcir Tomaz, morto no dia 14, teriam sido assassinados por membros do segundo escalão da do PGC numa disputa interna por poder.
No mesmo dia 14 deste mês, o preso Hélio Fernandes, de 29 anos, foi morto na Penitenciária Industrial de Blumenau, segundo o Deap, depois de uma briga pessoal. O Deap não informou os locais e as circunstâncias das outras quatro mortes registradas esse ano no Estado.
Conforme revelou o ND na semana passada com exclusividade, o PGC firmou aliança com a FDN (Família Do Norte) sediada no estado do Amazonas. A aliança se deu depois que lideranças da facção catarinense se encontraram com membros amazonenses na Prisão Federal de Mossoró. Em comum, as duas facções têm como aliança o CV (Comando Vermelho) do Rio de Janeiro e como inimigo o PCC paulista.
Dos 18.236 presos em Santa Catarina, 4.898 estão detidos por tráfico de drogas ou associação para o tráfico. Entre os homens presos, 50% têm entre 18 e 29 anos. Já entre as mulheres 45% têm entre 18 e 29 e 21,94% têm entre 35 e 45 anos. Entre homens e mulheres, a maioria também não completou sequer o ensino fundamental. Chama a atenção que em todo o universo de presos no estado, apenas três pessoas cumprem pena por corrupção ativa ou passiva e sete pelo crime de peculato. De maneira geral, a maioria dos presos são pobres, jovens e com baixa escolaridade.
Para o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB, Sandro Sell, o perfil do preso tanto em Santa Catarina como no Brasil é reflexo de políticas públicas ultrapassadas e da aplicação de leis que “apenas lotam as cadeias”. Para ele, nas condições atuais, o encarceramento favorece o crescimento de facções e faz com que o preso que cometeu delitos menores acabe entrando para o crime organizado dentro das cadeias.
“Nossas prisões não conseguem fazer a separação prevista em lei e presos de grande periculosidade estão misturados com aqueles que cometeram crimes mais leves. Com essa mistura, a tendência é que eles sejam cooptados pelo crime organizado para se proteger atrás das grades”, afirmou.
Para o jurista, como o Estado não é capaz de garantir a integridade nos estabelecimentos penais, a principal saída é o batismo nas facções: “Com isso, as prisões que eram para significar maior segurança para a sociedade acabam surgindo como uma ameaça”, emenda Sell. O envio de lideranças para as unidades federais também não seria a solução, afirma o jurista.
“O envio para presídios federais é paliativo. Primeiro que se tira uma liderança e ela precisa ser ocupada, o que cria disputas internas, e segundo que mesmo no presídio federal eles não são tão impermeáveis assim e as facções acabam fazendo alianças entre si, ultrapassando as fronteiras de um estado”, Sandro Sell, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SC.
Sell aponta que o delito que mais leva pessoas para as cadeias é o tráfico de drogas e sugere que o país reveja a legislação penal para este tipo de crime:
“A forma como estamos combatendo as drogas, baseada na proibição, não está funcionando e só lota as cadeias. O consumo aumenta e temos a criminalização de uma grande parcela da sociedade, de pessoas novas, que não agem armados e não cometem outros crimes. Sem contar que, hoje, o tráfico é o principal poder das organizações criminosas”, avalia.
As facções criminosas PCC (Primeiro Comando da Capital), de São Paulo, e CV (Comando Vermelho), do Rio, estão em guerra pelo domínio do tráfico de drogas na fronteira do Brasil com países como Paraguai, Bolívia e Colômbia.
A relação entre as duas quadrilhas, até então pacífica, vinha se desgastando nos últimos meses também por causa da disputa pelo comando do tráfico em alguns Estados.
Em outubro do ano passado, o PCC emitiu comunicado a membros da facção em todos os estados, onde afirma que depois de três anos buscando um diálogo com o Comando Vermelho, mas que devido mortes provocadas em Rondônia e Maranhão a situação teria ficado insustentável.
O primeiro sinal deste grande conflito que parece longe de uma solução foi a carnificina no Amazonas, no 1º dia deste ano, quando a FDN (Família do Norte do Amazonas) matou 56 detentos do Complexo Penitenciário Anísio Jobim, o Compaj.
Manaus (AM) 67
Boa Vista (RR) 34
Nísia Floresta (RN) 26
Patos (PB) 2
Tupi Paulista (SP) 2
Maceió (AL) 2
Piraquara (PR) 2
Itinga (CE) 3
Santa Catarina 7*
*Segundo Justiça os casos não têm relação com a guerra de facções
http://ndonline.com.br/florianopolis/noticias/mapa-do-sistema-penitenciario-de-sc-faccoes-superlotacao-e-sete-mortes-em-2017