Doutor em sociologia política pela UFSC e um dos coordenadores do primeiro Censo Legislativo Municipal Catarinense, estudo lançado em 2015 que traçou perfil dos vereadores do Estado na atual legislatura, o professor Jacques Mick comenta os principais destaques do perfil dos candidatos deste ano em SC.
O perfil de candidatos é praticamente o mesmo de 2012. Isso é reflexo do eleitor ou é o eleitor que se molda às alternativas políticas?
O perfil dos candidatos reflete as características do sistema eleitoral, que dificulta uma renovação autêntica dos quadros políticos. A pequisa com os vereadores da atual legislatura em Santa Catarina feita pela UFSC e pela Escola do Legislativo, da Alesc, em 2014, constatou que 75% dos eleitos vinham de famílias de políticos, já tinham sido eleitos anteriormente ou haviam sido recrutados para cargos públicos não eletivos. É muito difícil para um cidadão comum entrar no sistema eleitoral com condições razoáveis para se eleger.
O que se pode esperar dos resultados das eleições – e consequentemente das futuras administrações municipais – com base nesse perfil de candidaturas?
É provável que as urnas reafirmem a continuidade da discrepância entre o perfil da população e o perfil dos eleitos. Na atual legislatura, a discrepância é ainda maior que no perfil dos candidatos de 2016: entre os eleitos, 86% são homens e a presença de pessoas até 30 anos nas câmaras equivale a um terço dos candidatos, para citar dois exemplos.
A maioria dos candidatos (cerca de 63%) tem, pelo menos, o ensino médio completo. À primeira vista isso é bom, mas até que ponto a escolaridade é preponderante para que os políticos façam bons mandatos?
Esse percentual é semelhante ao dos eleitos na atual legislatura com ensino médio completo, superior completo ou incompleto (70,4%). Não há relação necessária entre aumento da escolaridade e aperfeiçoamento da qualidade dos mandatos: é perfeitamente possível que políticos com menor formação tenham bom desempenho. Os argumentos em favor de mais diplomados em geral partem de perspectivas elitistas ou demofóbicas, que tentam afastar do sistema político representantes dos setores mais pobres e menos escolarizados. À parte isso, é importante notar que na última década e meia cresceu muito o acesso a ensino superior em toda a população: em Florianópolis, por exemplo, 44% dos eleitores têm formação completa ou incompleta nesse nível.
A participação feminina também é praticamente a mesma de 2012. Como avalia esse pequeno avanço, mesmo com a luta por direitos iguais entre homens e mulheres ganhando força?
Os movimentos feministas combatem discriminações presentes numa sociedade que é ainda patriarcal, refletindo a longa duração de relações cuja origem remonta à experiência colonial. Muitos eleitores não gostam de ter mulheres em posições de poder, embora saibam que manifestar isso explicitamente documenta machismo (de forma análoga ao que ocorre com o racismo, amplamente praticado e sistematicamente negado). A sociedade brasileira, fortemente hierárquica, acostumou-se a prescrever as posições sociais esperadas de cada um. O mesmo mecanismo que operou nas histórias de inúmeros atletas olímpicos, que para progredir precisaram vencer resistências familiares (¿desiste disso, vai trabalhar¿ ou ¿isso é esporte para branco¿), atua sobre jovens, mulheres ou negros e negras interessados em participar de disputas eleitorais: para grande parte das pessoas, esse é um mundo para homens brancos de meia-idade, detentores de títulos como um diploma, uma família de políticos, uma experiência em cargo público ou sinais de riqueza.
Candidatos entre 45 e 64 anos são maioria e servidores públicos municipais e empresários estão entre as ocupações mais comuns. Por um lado isso traz a experiência que o eleitor deseja, mas por outro dificulta a renovação. Como os partidos políticos poderiam ter equilibrado essas situações?
Quase todos os partidos são pragmáticos, não agem ideologicamente em relação ao perfil de suas candidaturas. Eles só atuariam para tentar equilibrar essa situação se a considerassem de fato importante. Como essa discrepância para eles não é um problema (ao contrário, é vista como um dado próprio ao sistema eleitoral), os partidos respondem às expectativas da sociedade como um supermercado atende ao consumidor: ofertando candidatos envelopados como produtos de marketing político. Uma democracia autêntica seria algo totalmente diferente disso.
http://dc.clicrbs.com.br/sc/noticias/noticia/2016/08/partidos-atendem-a-sociedade-como-o-supermercado-ao-consumidor-diz-sociologo-7349826.html