Ysana Pierre, 32 anos, estava feliz, apesar das dificuldades que a vida tem lhe apresentado. Desempregada, viu o marido voltar ao Haitiapós receber um convite de emprego como não encontrou no Brasil. Antes de reencontrar o pai de sua filha, no Caribe ou em Santa Catarina, ela resolveu seguir em busca de uma vida melhor em Florianópolis. Motivos para tanto não faltam, e dois deles estavam em suas mãos, nesta terça-feira, no saguão de entrada da Escola Almirante Carvalhal, em Coqueiros: o diploma de conclusão do curso de língua portuguesa para imigrantes e a pequena Ysmaella, sua filha de três meses e meio, manezinha da Ilha que acabou com uma das futuras preocupações que Ysana poderia ter no país:
— Ela não vai precisar aprender o português, já que nasceu aqui — brincou.
Como Ysana, moradora do Monte Cristo, no Continente, outros 59 haitianos, sírios e dominicanos aguardavam o chamado para receber os certificados do primeiro curso de língua portuguesa para imigrantes, oferecido pela Secretaria de Educação da Capital, e que teve duração de quase dois anos.
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Uma cerimônia simples, porém cheia de significado marcou a entrega dos diplomas para os imigrantes, que ao entrarem na escola soltavam sonoros "boa noite!", como a expor cheios de orgulho a nova língua da qual são fluentes.
— Eu já falava crioulo, que é nossa língua no Haiti, francês, espanhol, inglês e agora o português, que vai me ajudar bastante em busca de um no emprego — torcia Ysana, que não teve dúvidas quando questionada sobre qual idioma foi mais difícil de aprender:
— O português é muito complicado, tem muita regrinha.
Trabalhador da construção civil, o haitiano Gao Goneau, 37, mora no Morro do 25 e frequenta as aulas do curso em Coqueiros. Como nesta terça os imigrantes receberam certificados de linguagem oral – que significa aptidão para conversar em português -, Gao já planeja seguir frequentando as aulas até o final do ano, quando serão entregues os certificados para os que dominam a escrita.
— Tem que buscar aprender cada vez mais, se não fica difícil trabalhar e poder crescer por aqui — comentou, antes de acrescentar:
— Vai ser bom para mim e para os meus familiares no Haiti, que vão poder seguir recebendo o dinheiro que mando.
120 alunos atendidos
Tão feliz quanto os imigrantes estava a professora Esther Oliveira, articuladora do projeto. Foi ela a encarregada de dar aulas aos imigrantes. Atualmente, a profissional leciona para 120 alunos matriculados no curso, mas cerca de 300 alunos participaram do projeto desde o início das atividades em agosto de 2014. Os alunos se dividem na Escola Almirante Carvalhal, onde 40 recebem aulas nas segundas e quartas-feiras, e na Escola Vidal Ramos, no Centro, onde outros 80 aprendem os segredos da língua portuguesa às terças e quintas-feiras.
Além de professora, Esther é uma mãe para muitos de seus alunos. Um deles, o haitiano Wuberson Pierre, 37, acabou de ficar desempregado, mas enquanto procura uma nova colocação no mercado, ganhou guarida na casa da professora.
— O Wuberson tá trabalhando lá em casa, fazendo uns bicos. Mas logo ele vai achar um trabalho, porque acabou de concluir um curso de mestre de obras realizado no IFSC (Instituto Federal de Santa Catarina) — revelou.
Esther planejava as aulas de acordo com as necessidades que seus alunos enfrentam. Levou para a turma situações reais, coisas do dia a dia, como ensinar os alunos a elaborarem currículos, entre outras coisas.
— Imaginei várias situações. O que ele poderia precisar se fosse ao mercado, como pedir um alimento nos estabelecimentos, se precisasse explicar algum problema de saúde, enfim, tentei levar para eles situações cotidianas — observa.
Exemplo também para brasileiros
Não são apenas os imigrantes, na maioria haitianos, que aprendem com as aulas. Estudante da Almirante Carvalhal, Vinicíus Noda, 16, certo dia pediu para assistir uma aula. Entrou, sentou, e foi apresentado a cada um dos alunos. Quando saiu da sala, tinha mudado sua visão de mundo.
— A gente às vezes reclama por tão pouco, que quando eu vi todo esforço que eles faziam para aprender, o esforço que fazem por estar longe dos familiares, eu pensei que não posso mais reclamar por qualquer coisa, porque sempre pode ser pior, sempre pode ser mais difícil — ensina o jovem.
Ano que vem Esther vai se aposentar. E o receio desse dia chegar já mexe com ela, que procura pensar é nas amizades e laços criados com cada um deles.
— Alguns dos meus alunos já saíram daqui e foram para outros países, mas mesmo assim, longe, me mandam mensagens e mantemos o contato. Somos todos uma grande família — conclui.
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