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O impacto do impedimento da presidente sobre as pessoas do pé da pirâmide social

Segunda, 18 de abril de 2016

 

 

 

 por Amélia Gonzales

Como sabem os que me acompanham neste espaço, não costumo me atrever a comentar sobre política quando essa palavra vem associada apenas às tratativas de Brasília. O jogo do poder é muito pesado. Há muito mais mistérios entre aqueles corredores da Câmara e do Congresso do que eu possa imaginar e, ouso dizer, do que a maioria dos cidadãos comuns pode imaginar. Nesse sentido, considero-me impotente para avaliar, e tenho claramente uma visão de país que não é a mesma da maioria dos deputados que ontem votou “pela família”, “pelos filhos”, “pela mãe”... Mas também sou aquela que torce pelo touro numa tourada.

Política, para mim, diz respeito ao espaço público,  e aí sim me meto a comentar. Ontem à noite, logo após a votação dos deputados que autorizaram a abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Roussef,  aqui perto de mim, nas redondezas, ouvi alguns gritos. Pude identificar alguém que bradava, feliz: “Vamos acabar com a corrupção deste país” . Dada a complexidade de um mal que se prospera há muitos e muitos anos em nossos meios políticos e empresariais, fico pensando na frustração dessas pessoas quando perceberem que não é assim tão fácil livrar-se dele. Pude ver também muita gente triste, cabisbaixa. Conversei com algumas dos setores de serviços, garçons, porteiros, que se mostraram atemorizados, com medo de perderem  legitimidade na política, de perderem benefícios conquistados com os governos de cunho social.

Seja como for, ainda há um caminho longo a ser percorrido até se chegar às vias de fato, o que parece que muitos também não estão percebendo. O clima de “jogo ganho” não combina com a seriedade do momento que se está vivendo. Haverá a votação no Senado. Apesar de já estar sendo considerado como “favas contadas” pelos que defendem a saída da presidente Dilma Roussef, ainda não é. E não espero outra coisa que não seja uma tremenda turbulência nos próximos dois anos, por conta de estarmos sendo governados por quem não foi escolhido pelo voto popular e democrático.

Fui buscar nos arquivos o outro “momento impeachment” pelo qual passei na vida. Foi em setembro de 1992, dois anos e meio depois de Fernando Collor ter assumido prometendo “ser rigoroso com a impunidade dos crimes praticados pelas elites”. Collor foi impedido de governar por “crime de responsabilidade devido ao seu envolvimento com o esquema de corrupção montado pelo seu secretário PC Farias”. Collor esperou pelos votos do Senado, mas já sabia que havia perdido. A Câmara votara assim: 441 votos a favor do impeachment e somente 48 contra.  E o dia 29 de setembro de 1992, uma terça-feira, foi comemorado no país como um jogo de Copa do Mundo que tivéssemos ganhado.

Ontem foi diferente.

Na manhã de hoje leio notícias sobre um programa de governo que está sendo elaborado por Michel Temer como se já ocupasse a cadeira da presidência. A questão é que ele próprio já foi e ainda é alvo de denúncias na Operação Lava Jato porque teria recebido dinheiro de empreiteiras, embora em seu “discurso de vitória” o fato tenha sido, estrategicamente, esquecido (leia aqui) . Assim como Eduardo Cunha, que ocuparia a faixa de vice e, como se sabe, tem seu nome envolvido com o fato de ter contas secretas atribuídas a ele na Suíça. Ao mesmo tempo, muitos dos deputados que ontem votaram pelo “sim” estão também sendo julgados em processos de corrupção. Um saco de gatos. Difícil, muito difícil.

Assim mesmo, decidi tentar virar a página, caminhar em frente. E busquei no tal novo programa de governo aquilo que mais me interessa: notícias sobre os projetos sociais. Nem mesmo os mais fervorosos críticos do ex-presidente Lula podem negar que foi em seu governo que o país saiu da condição de tremenda instabilidade social. Mesmo que tenha optado pela “inclusão pelo consumo”, condenada por economistas ortodoxos ou não, fato é que o programa Bolsa Família, um ícone do governo Lula, completou dez anos em 2012 com um gol difícil de negar: 13,8 milhões de pessoas em todo o país atendidas. E muitos outros ganhos paralelos, como se pode ver no livro “Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania” . No governo Dilma Roussef o programa passou a se chamar “Brasil sem Miséria” e aumentou a estratégia, passando a buscar os que ainda não estavam recebendo benefícios e agregando outros projetos sensíveis às causas sociais.

Temer promete reformas. Uma delas, “a desindexação dos programas sociais que são atrelados à variação do salário mínimo”. Portanto, pretende mexer em algo sensível, que se mostrou a cara do governo Lula/Dilma. Isso me deixa inquieta.

Por outro lado, as crises podem vir também para dar um sacolejo em algumas situações que estão há muito engessadas. À medida que foi ficando mais próximo o desejo de parlamentares, encabeçados por Eduardo Cunha, afastarem a presidente Dilma Roussef do cargo, algumas lideranças de movimentos sociais foram tendo mais voz e trazendo à tona descontentamentos com o governo. Não justifica um impedimento, como todos se apressam a dizer. E, como estamos numa democracia, há espaço para críticas, desde que possam ser ouvidas e encaminhadas.

Uma das queixas mais fortes é que as organizações da sociedade civil foram sendo, aos poucos, desprezadas. Projetos sociais do governo estariam tirando o protagonismo dos movimentos e das lideranças que, estes sim, teriam mais condições de expressar as privações dos mais vulneráveis. A cultura foi também posta de lado, dizem muitos, em nome de uma necessidade de transformar os cidadãos em técnicos para satisfazer apenas ao  mercado de trabalho e seu afã de progresso. Não são queixas simples de serem resolvidas, certamente. Mas fico me perguntando se um governo que começa dizendo que pretende desindexar os programas sociais para se proteger da inflação, dando assim um sinal claro de preferência à economia ortodoxa, pode ser mais sensível às causas das ONGs, muito centradas em problemas socioambientais e que enxergam a possibilidade de a economia ser solidária e inclusiva.

Entrei em contato com algumas lideranças de tais movimentos. O momento ainda é de perplexidade, embora o impedimento da presidente estivesse previsto. E fico sabendo que, no fim e ao cabo, a crise política como um todo, tendo ou não desfecho no impedimento, já está há muito prejudicando alguns projetos que visam ao pé da pirâmide sem enxergar nessas pessoas apenas cifrões, mas tentando construir com elas um projeto que lhes dê visibilidade. Conversei há pouco com Rubens Gomes, do Grupo de Trabalhos Amazônicos (GTA), que está à frente do Protocolo Comunitário do Bailique. Ele me disse que ainda estava tentando digerir o que aconteceu e  a crise política está trazendo dificuldades para o Protocolo há tempos:

“Estávamos com o processo de regularização fundiária bem adiantado, mas em virtude dessa crise instalada, paralisou. Estão todos usando a crise como escudo para não fazerem mais nada”, disse-me ele.

Associação que congrega 250 organizações não-governamentais, a Abong publicou um editorial dia 11 de abril dizendo-se profundamente preocupada com os rumos da política no Brasil. Evanildo Barbosa, representando a Federação de Órgãos para Assistencia Social e Educacional (Fase), criada em 1961, disse que é preciso buscar  “Um espaço amplo de diálogo onde todas as expressões sociais populares sejam valorizadas para efetivamente se deter o avanço do conservadorismo e os efeitos perversos do ajuste econômico sobre a população”. 

Tendo como figura ícone Betinho, o sociólogo morto em 1997, que fez da luta contra a fome e a miséria sua bandeira, o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), através do seu Coletivo de Gestão, ressalta que o momento é complexo, que as mudanças podem ter consequências nebulosas. E aposta, assim como a Abong, no diálogo, ou num “Pacto concertado pela democracia, pela recriação de condições políticas para que a disputa entre nós seja construtiva, baseada em princípios e valores democráticos como fundantes”.

É disso que se trata.

 
 


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