O Brasil abriga hoje a maior comunidade ucraniana da América Latina, contando com mais de um milhão pessoas, entre ucranianos e descendentes, 80% deles vivendo no estado do Paraná
As cidades com maiores concentrações de descendentes de ucranianos no Brasil são Prudentópolis/PR (com aproximadamente 38 mil descendentes), Curitiba/PR (com aproximadamente 33 mil descendentes) e União da Vitória/PR(com aproximadamente 26400 descendentes).
A tradição de se fazer pêssankas por ocasião da Páscoa, atravessou o oceano juntamente com os ucranianos que vieram tentar a vida numa terra nova. Entre eles estavam os decendentes de Emilena Parabocz, cujo avô, André Parabocz, fazia pêssanka com o tradicional “cachimbinho” utilizado largamente na Ucrânia, que ele mesmo produzia.
Contudo, com o passar dos anos, essa tradição quase não chegou a ela.
Como tudo começou contado pelos produtores
No dia 16 de abril de 2012, conta Dinarte, “fui à Casa Cultural Aníbal Khury e vi a exposição “Ovos Criatividade e Arte” e fiquei encantado com o que vi lá. Infelizmente por questão de horários, a Emilena não pode ir até a exposição, mas também ficou encantada ao ver as fotografias.
Pouco tempo depois disso, num domingo, soubemos que estava sendo realizado um curso de pêssankas na Igreja Santíssima Trindade, Distrito de São Cristóvão, União da Vitória/PR e fomos lá conferir. Chegamos lá e o curso tinha sido no dia anterior, sábado, e as pessoas que por lá se encontravam, estavam apenas terminando os trabalhos começados no dia anterior. Ao acompanhar os jovens escrevendo suas pêssankas, ficamos completamente encantados com essa forma de arte. Informamos-nos imediatamente a respeito de um novo curso para também aprendermos a fazer e soubemos que a próxima oficina seria em Paula Freitas/PR.
Quem estava coordenando o curso na Igreja Santíssima Trindade era Vilson José Kotviski que tivemos o prazer de conhecer e conversar sobre o projeto “Pêssanka - Ovos Escritos, Expressão da Cultura Ucraniana no Brasil” que estava sendo desenvolvido em parceria como IPHAN.
O Projeto Pêssanka
Ovos Escritos, Expressão da Cultura Ucraniana no Brasil foi um programa destinado à preservação do patrimônio imaterial desenvolvido pelo Folclore Ucraniano Kalena, coordenado por Vilson José Kotviski e selecionado no edital PNPI 2011 do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). O projeto teve como objetivo pesquisar, registrar e difundir o conhecimento acerca da arte tradicional nas comunidades ucranianas rurais do Sul do Paraná e do Planalto Norte de Santa Catarina.
Devidamente inscritos, fomos à Paula Freitas. Ao final da oficina, já havíamos entrado num consenso de que precisávamos comprar as tintas para fazermos as pêssankas em casa. Conversamos com o Vilson que nos orientou a montar um kit básico.
Desde então, fomos às oficinas realizadas nas comunidades de Aquiles Stenghel, Pintadinho e Jangada no município de Porto União/SC, nas comunidades de Rio do Meio e Barreiros, em União da Vitória/PR, também fomos à comunidade de Vargem Grande no município de Paula Freitas/PR. Em Cruz Machado/PR, fomos à oficina realizada na Igreja Ucraniana do Centro e na oficina realizada na comunidade de Linha Vitória. Por fim fomos a oficina realizada em São Mateus do Sul na Colônia Eufrosina a última do Projeto.
Não paramos desde então de escrever pêssankas e, desenvolvemos com inspiração no trabalho de uma ucraniana, a técnica para fazer pêssankas bordadas, unindo dois dos maiores referenciais da cultura ucraniana, a pêssanka e o bordado em ponto-cruz.
Já fizemos diversas exposições e já vendemos pêssankas para diversos estados do Brasil.
Como escrever uma Pêssanka
Por mais estranho que pareça a expressão “escrever pêssanka” a quem não está habituado está correta, não se usa dizer “pintar uma pêssanka”.
Para se criar uma pêssanka é preciso de ovos brancos de codorna, galinha, ganso ou avestruz. Não existe tinta branca para colorir uma pêssanka então cada vez que você olhar um detalhe branco em uma delas é porque aquele lugar não foi colorido artificialmente, está com sua cor natural.
Escolhido o ovo é então feito uma limpeza com vinagre para tirar qualquer impureza que prejudique o processo de tingimento. A partir daí não se coloca mais diretamente as mãos no ovo a não ser com um papel para que a oleosidade das mãos não impeça a tinta de colorir o ovo.
Com esse devido cuidado é feita com um lápis a divisão básica da pêssanka, segundo o Vilson todas as pêssankas começam da mesma forma, com essa mesma divisão básica. A partir daí é que é feita a escrita que será colorida, sempre respeitando a tradição do simbologismo ucraniano.
Os ovos são coloridos por imersão em tinta, ou seja, quando mergulhado na tinta tudo vai ficar daquela cor. Por essa razão tudo que é branco é feito primeiro, e é aí que a diversão realmente começa, e a dificuldade também.
Tudo que deve permanecer branco tem que ser coberto com cera de abelha. Simples de falar mas difícil de executar! Com auxílio de uma vela, cera de abelha, e um instrumento desenvolvido para isso e que é chamado de pena, você começa a proteger as partes brancas do ovo que deverão ser brancas conforme o que você escreveu na pêssanka.
Depois de tudo coberto, é a vez da tinta amarela. Você faz a imersão do ovo na tinta amarela e então passa a cobrir de cera tudo que deverá permanecer amarelo, segundo a sua escrita.
Feito isso as cores vão se alternando, conforme a sua tonalidade até chegar à ultima, o preto. Como o último banho normalmente é o da cor preta, ela não precisa ser coberta com a cera de abelha. Finalmente a pêssanka está pronta, ou quase isso.
Ao final desse processo você estará com um ovo totalmente preto nas mãos, nesse ponto já não precisa segurar mais com um papel. O interessante é que você terminou a pêssanka, mas não sabe como ela ficou, e daí então vem a parte mais prazerosa de se escrever pêssankas: a revelação!
Revelar a pêssanka é algo mágico, você leva o ovo preto que está em suas mãos até a lateral da chama da vela e aquece a cera até vê-la derreter, passa rapidamente um papel para retirá-la e por baixo de toda a cera, seu trabalho enfim começa a se revelar.
História
A origem da pêssanka ainda não foi totalmente desvendada. O termo “pêssanka” é proveniente do verbo “pyssaty” que significa “escrever”. Arqueólogos descobriram nas ruínas da igreja de Krylos, no coração da antiga Galícia, em 1992, na Ucrânia Ocidental, uma pêssanka de cerâmica datada de 1300 a.C. o que leva a acreditar que os mais antigos ovos “escritos”, produzidos com ferramentas rudimentares, poderiam ter sido criados pelo povo ancestral da cultura Trypillia, que vivia em vasta área do território ucraniano, desde 3000 anos a.C.
Na era da Ucrânia pré-cristã, a pêssanka representava uma dádiva ao Deus Sol, símbolo essencial e o mais antigo dessa cultura. O Sol representava um Elemento vital no continente europeu, pois fazia a vida ressurgir na primavera, depois dos implacáveis meses de inverno, derretendo a neve e trazendo nova vida às negras e ricas terras da Ucrânia. Nessa época o povo tinha suas crença ligadas à natureza, voltadas instintivamente para aquilo que via e sentia.
Os ucranianos, assim como outros povos antigos, veneravam o sol, o Dajbóh, e a ele ofereciam homenagens, pois novamente traria luz e calor à Terra e assim gradativamente o verde substituiria o branco da neve, as flores voltariam a desabrochar, as árvores ofereceriam seus frutos ao povo que poderia trabalhar a terra para obter seu sustento.
As festas da Primavera era um evento alegre. Desde o início deste dia o povo estava em festa, era acesa uma grande fogueira no meio da aldeia e todos comemoravam a chegada de Dajbóh, no exato momento do Solstício de Primavera.
Nesta festa eram oferecidas pêssankas a Dajbóh e aos entes da natureza, fazendo seus agradecimentos pelas colheitas e também firmando seus pedidos para que a terra continuasse produzindo tudo aquilo do que necessitavam para viver. Estas pêssankas eram enterradas no campo, nas lavouras, pois deveriam ser presentes aos amados entes da natureza.
Uma explicação para tal interesse do ser humano antigo pelo ovo, reside no fato dele possuir uma magia incrível, pois através dele, de uma forma simples e rude, surge a vida.
As ferramentas para a arte de escrever as Pêssankas evoluíram gradativamente e com elas o homem conseguiu melhorar suas condições materiais e também os resultados, surgindo melhores definições daquilo que desejava expressar.
A partir do ano 988 d. C., através do Príncipe Volodymir a Ucrânia é batizada nas margens do Rio Dnipró passando a adotar o cristianismo como religião oficial. O povo absorveu essas mudanças e não aceitou abandonar seus antigos rituais, como as Festas da Primavera. A Igreja então incorporou seus símbolos religiosos aos rituais festivos e à confecção dos ovos.
Astutamente, a solução encontrada pela igreja foi adaptação destes antigos costumes, aos símbolos cristãos, ou seja, permitiam e até apoiavam o povo à manter essas tradições consideradas pagãs, mas atribuíam a eles um simbolismo correlato ao cristianismo.
A antiga e tradicional Festa da Primavera, transformou-se na Páscoa Cristã, por se tratar da mesma época. O povo continuava com os antigos festejos, mas mudava-se gradativamente o sentido da ocasião festiva. As pêssankas, continuaram existindo, o povo não deixou o costume de colorir ovos para expressar seus sentimentos, mas o clero religioso fez com que se abandonassem as crenças nos entes da natureza, deviam ser extintos os costumes tidos como pagãos.
Passou-se então a se fazer pêssankas para dar aos parentes e amigos respeitados, na época da Páscoa, para expressar através delas, tudo aquilo que desejavam a seus entes queridos. As pequenas obras de arte também passaram a aparecer em datas importantes, como casamentos e nascimentos, como materialização das boas intenções que se queria expressar.
Na conturbada história da Ucrânia, o povo passou por muitos períodos de instabilidade social, tendo muitas vezes a miséria e a opressão imperando sobre seus lares. Domínios russos, poloneses, austríacos, húngaros, duas guerras mundiais e o comunismo.
Durante o regime comunista e ateísta as pêssankas foram proibidas no país, mas continuaram a serem produzidas longe das grandes cidades. No Brasil, assim como em outros países que há descendentes de ucranianos são produzidos na época da páscoa.
Depois da independência da Ucrânia em 1991 elas voltaram a ser produzidas, exigida pela população que saiu às ruas. Hoje, além do seu valor cultural, simbólico e artístico, as pêssankas passaram a ser um símbolo de longevidade para uma Ucrânia livre e independente e além disso, a pêssanka é uma simbiose de seu significado pagão, a saudação ao renascimento da natureza na primavera com o principal sentido da cristandade, a celebração da Ressurreição de Cristo, o renascimento da alma do Homem.