O inquérito sobre a Operação Parada Obrigatória 2, entregue pela Polícia Civil à Justiça, revela um esquema de corrupção no órgão de trânsito de Itajaí que causou prejuízo ainda incalculável aos cofres públicos. As investigações, às quais o Sol Diário teve acesso, são sigilosas e trazem à tona desde o furto de mais de 700 motocicletas no pátio para venda ilegal até o uso de radar para cumprimento de meta de apreensão de veículos, com o objetivo de gerar propinas. Um escândalo que resultou na prisão dovereador licenciado Zé Ferreira (PP) e respingou no coronel da PM Edson Castilho, então chefe do setor de leilões no Estado.
A apuração tem mais de 600 páginas e inclui documentos e relatórios de escutas autorizadas pela Justiça. Pivô da maior parte dos fatos relatados no inquérito, oempresário Julio Cesar Fernandes, dono do pátio que presta serviço à prefeitura de Itajaí e também aos municípios de Brusque e Lages, assumiu papel de ponto-chave da investigação.
Foi a ele que o vereador Zé Ferreira teria se reportado, em 2012, trazendo o que considerava ser uma "solução" para o excesso de motos apreendidas no pátio — esquema que se mostraria um dos mais graves apurados pela polícia. De acordo com a investigação, o então coordenador da Codetran determinou a retirada de 715 motocicletas, que teriam sido levadas em carretas alugadas e não tiveram registro de saída. Na prática, foram furtadas.
A carga irregular teria sido vendida ilegalmente a uma pessoa em São Paulo, para onde foi levada. Para despistar, o sumiço foi registrado em boletins de ocorrência de furto em Itajaí. Segundo revelado pelo próprio Julio Fernandes na investigação, o esquema rendeu ao pátio o equivalente a R$ 40 por moto. A maior parte do valor da venda, porém, teria ficado com Zé Ferreira.
A estimativa é que, se tivessem sido leiloadas — como determina a lei — as motos teriam rendido mais de R$ 140 mil aos cofres do município.
Não foi a única vez que o pátio esteve envolvido em esquemas ilegais. Meses depois, quando Zé deixou a chefia da Codetran, o consultor do órgão de trânsito, William Gervasi, teria passado a exigir vantagens em relação às apreensões. O dono do pátio afirmou à polícia ter estipulado "metas" para propinas, que passaram a ser alcançadas todos os meses desde janeiro de 2014, quando foi instalado em Itajaí o radar OCR, que identifica veículos com irregularidades na documentação.
De acordo com a investigação, William cobrava R$ 10 por carro apreendido, o que lhe rendeu uma média de R$ 4 mil por mês — como servidor público, ele recebe em torno de R$ 7 mil como salário.
A relação também teria incluído a exigência de "presentes". Gervasi teria pedido a Julio Fernandes a compra de um bote inflável, que foi apreendido há cerca de duas semanas pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), como parte da Operação Parada Obrigatória.
Prejuízo ainda sem estimativa
Os danos ao erário público decorrentes dos esquemas de corrupção coordenados a partir do órgão de trânsito de Itajaí não foram calculados pela polícia durante o inquérito. Mas um dos esquemas demonstra que a prefeitura deixava de arrecadar de diferentes formas: uma delas foi a dispensa de pagamento de uma taxa de 17% sobre o faturamento das saídas de veículos apreendidos nos dois primeiros anos de operação da empresa de Julio Fernandes.
A dispensa seria decorrente de um suposto acordo firmado com William e Zé, como forma de compensar a empresa pela construção de um novo pátio.
Contrapontos
Julio Cesar Fernandes
A reportagem ligou para o celular e o telefone fixo que constam como sendo de Fernandes no inquérito da operação, mas não conseguiu contato com o indiciado em nenhum dos números para ouvir a versão dele.
José Alvercino Ferreira
A reportagem não conseguiu contato com os advogados Marlon Bertol e Luiz Antonio Alves para ouvir a versão da defesa sobre as acusações presentes no inquérito.
Jefferson Alvercino Ferreira
O advogado de Jefferson, Denísio Dolásio Baixo, informa que o seu cliente nega veementemente as acusações imputadas a ele pelo delegado do Gaeco, Daniel Garcia.
— O Jefferson afirma que nunca mandou buscar peças no pátio da prefeitura. Essa informação é fruto de uma escuta telefônica, que até agora não tivemos acesso — alega.
Willian Gervasi
A irmã dele, Lilian Cristine Gervasi, preferiu não comentar sobre o estado de saúde do irmão, que foi internado em uma clínica psiquiátrica em meados de julho, e sobre o indiciamento de William na Parada Obrigatória.
Nelson Abraão de Souza
Segundo Nelson, o seu indiciamento foi motivado por uma delação de William Gervasi que não condiz com a verdade. Souza foi apontado por Gervasi como a pessoa que aconselhou o dono do pátio de veículos a não pagar taxas da Prefeitura de Itajaí. Na versão de Nelson e no depoimento dado pelo proprietário do pátio ao Gaeco, quem tratou do não pagamento das taxas foi o próprio William.
— Estou tranquilo quanto ao indiciamento. Vou apresentar minha defesa na Justiça e entrarei com um processo contra o William por calúnia. Na época dos fatos, eu não era o Secretário de Administração da prefeitura e não assinei nenhum documento.
Rudimar Dickel Correa
Não atendeu às ligações da reportagem.
Coronel Edson Rui Coelho
Em depoimento, o coronel Castilho, que também é presidente da Associação Barriga Verde dos Oficiais (ABVO), negou os crimes. Admitiu no máximo que pediu um "apoio" ao empresário Julio Fernandes para que efetuasse o pagamento das diárias dele e dos integrantes da Comissão de Leilões na viagem a Lages.
A reportagem não conseguiu localizá-lo ontem. O advogado dele, Nilton Macedo, reiterou que o seu cliente nega as suspeitas, que ainda não teve acesso integral aos autos e que as ações do oficial sempre foram para o interesse do serviço público.
— Não tem nada com vantagens pessoais. É um oficial que sempre cumpriu os seus deveres e vai se defender — disse Macedo.