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"Para cada lugar que eu olho nesse mato, tem um sofrimento meu"

Terça, 15 de julho de 2014

"Para cada lugar que eu olho nesse mato, tem um sofrimento meu", diz vítima do pai que estuprou as filhas em Rio Negrinho

Pai que violentava filhas há quase duas décadas é denunciado e preso em Rio Negrinho. Seis crianças foram geradas nesses estupros, e uma sétima está por 

"Para cada lugar que eu olho nesse mato, tem um sofrimento meu", diz vítima do pai que estuprou as filhas em Rio Negrinho Rodrigo Philipps/Agencia RBS
Uma das vítimas do pai agressor, e seus filhosFoto: Rodrigo Philipps / Agencia RBS

— Para cada lugar que eu olho nesse mato, tem um sofrimento meu.

É assim que uma mulher de 24 anos que era estuprada pelo pai há quase duas décadas no interior de Rio Negrinho, no Planalto Norte, define o cenário que vê à sua volta. Pelo menos até a última quinta-feira, quando o homem que abusava dela desde a infância foi preso após a polícia receber uma denúncia anônima.

A irmã de 22 anos também era violentada desde menina. Os frequentes estupros resultaram em sete casos de gravidez. Cada uma das irmãs gerou três filhos, e a mais jovem está grávida do pai pela quarta vez. Com os abusos, os nove filhos legítimos _ seis homens e três mulheres (a mais nova tem 19 anos e não foi violentada) _ e a esposa sempre viveram em uma família estruturada pelo medo.  


Segundo relatos da filha mais velha ao "AN", o pai maltratava a mãe dela física e emocionalmente. Além disso, não dava carinho nem proteção a ninguém.  

— Se não for do meu jeito, vocês podem pegar a rua. Mas as crianças ficam — ameaçava o homem.

Acuadas, as filhas jamais deixaram a casa. Sofriam  com o autoritarismo e a violência do pai, que chegou ameaçar matar uma delas caso fosse desrespeitado. A filha de 24 anos conta que todos os dias o pai tinha um motivo para levar uma das filhas para sair _ e cometer o crime no meio do caminho. Quando surgia a gravidez, ele mandava que elas mentissem sobre a paternidade.

— Quando fui registrar um dos meus filhos, ele me obrigou a contar uma história de que eu tinha engravidado de um homem casado e que não queria estragar a família. Eu decorei e repeti o combinado — lembra a filha.

Vida em isolamento

Assim como fazia com a mulher e os filhos, o pai também não valorizava os recém-nascidos. Há cerca de um ano, os meninos da família passaram a dormir em uma espécie de trailer que fica ao lado da casa. Tudo para que ele fosse o único homem dentro da residência. 

As mulheres da casa eram obrigadas, sob ameaças, a cortar as unhas dos seus pés e arrancar os cabelos brancos do homem. Mas não podiam se dar o direito de cuidar da própria aparência - fazer as sobrancelhas ou pintar as unhas era motivo para mais um ataque de fúria.

A filha mais velha relata ainda que a família sempre morou longe da cidade. Talvez por isto o jeito agressivo do homem passasse mais despercebido. 

Para a delegada Marilisa Boehm, da Delegacia de Polícia da Criança, Mulher e Adolescente em Joinville, em casos de abuso sexual de menores, a mãe sempre tem a responsabilidade de proteger os filhos. Mas ela relativiza este caso de Rio Negrinho, principalmente pelo isolamento.

— Quando não se tem acesso às pessoas, à internet, à televisão, à escola, ocorre um afastamento total. Sem a informação, a pessoa vive na ignorância — avalia a delegada.

Casada com o acusado há 25 anos, quando o conheceu em Barra Velha, a mãe sabia que o marido abusava das filhas. Mas diz que nunca teve coragem de denunciar o homem por temer pela vida dela e da família.

— Hoje em dia, não tenho mais lágrimas para derramar de tanto que já chorei e sofri — desabafa a mãe.

Após sofrer tanto nas mãos do próprio pai, a filha mais velha olha para o horizonte e sonha com uma nova vida. O tio dela, que vive em Florianópolis, já levou dois dos seus irmãos para morar na Capital e deve buscar o restante da família em breve para ajudá-los a ter um futuro melhor.

— Quero estudar e trabalhar porque nunca pude dar nada aos meus filhos. Quero que quando me olharem no futuro sintam orgulho de mim — conclui.

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