— Para cada lugar que eu olho nesse mato, tem um sofrimento meu.
É assim que uma mulher de 24 anos que era estuprada pelo pai há quase duas décadas no interior de Rio Negrinho, no Planalto Norte, define o cenário que vê à sua volta. Pelo menos até a última quinta-feira, quando o homem que abusava dela desde a infância foi preso após a polícia receber uma denúncia anônima.
A irmã de 22 anos também era violentada desde menina. Os frequentes estupros resultaram em sete casos de gravidez. Cada uma das irmãs gerou três filhos, e a mais jovem está grávida do pai pela quarta vez. Com os abusos, os nove filhos legítimos _ seis homens e três mulheres (a mais nova tem 19 anos e não foi violentada) _ e a esposa sempre viveram em uma família estruturada pelo medo.
Segundo relatos da filha mais velha ao "AN", o pai maltratava a mãe dela física e emocionalmente. Além disso, não dava carinho nem proteção a ninguém.
— Se não for do meu jeito, vocês podem pegar a rua. Mas as crianças ficam — ameaçava o homem.
Acuadas, as filhas jamais deixaram a casa. Sofriam com o autoritarismo e a violência do pai, que chegou ameaçar matar uma delas caso fosse desrespeitado. A filha de 24 anos conta que todos os dias o pai tinha um motivo para levar uma das filhas para sair _ e cometer o crime no meio do caminho. Quando surgia a gravidez, ele mandava que elas mentissem sobre a paternidade.
— Quando fui registrar um dos meus filhos, ele me obrigou a contar uma história de que eu tinha engravidado de um homem casado e que não queria estragar a família. Eu decorei e repeti o combinado — lembra a filha.
Vida em isolamento
Assim como fazia com a mulher e os filhos, o pai também não valorizava os recém-nascidos. Há cerca de um ano, os meninos da família passaram a dormir em uma espécie de trailer que fica ao lado da casa. Tudo para que ele fosse o único homem dentro da residência.
As mulheres da casa eram obrigadas, sob ameaças, a cortar as unhas dos seus pés e arrancar os cabelos brancos do homem. Mas não podiam se dar o direito de cuidar da própria aparência - fazer as sobrancelhas ou pintar as unhas era motivo para mais um ataque de fúria.
A filha mais velha relata ainda que a família sempre morou longe da cidade. Talvez por isto o jeito agressivo do homem passasse mais despercebido.
Para a delegada Marilisa Boehm, da Delegacia de Polícia da Criança, Mulher e Adolescente em Joinville, em casos de abuso sexual de menores, a mãe sempre tem a responsabilidade de proteger os filhos. Mas ela relativiza este caso de Rio Negrinho, principalmente pelo isolamento.
— Quando não se tem acesso às pessoas, à internet, à televisão, à escola, ocorre um afastamento total. Sem a informação, a pessoa vive na ignorância — avalia a delegada.
Casada com o acusado há 25 anos, quando o conheceu em Barra Velha, a mãe sabia que o marido abusava das filhas. Mas diz que nunca teve coragem de denunciar o homem por temer pela vida dela e da família.
— Hoje em dia, não tenho mais lágrimas para derramar de tanto que já chorei e sofri — desabafa a mãe.
Após sofrer tanto nas mãos do próprio pai, a filha mais velha olha para o horizonte e sonha com uma nova vida. O tio dela, que vive em Florianópolis, já levou dois dos seus irmãos para morar na Capital e deve buscar o restante da família em breve para ajudá-los a ter um futuro melhor.
— Quero estudar e trabalhar porque nunca pude dar nada aos meus filhos. Quero que quando me olharem no futuro sintam orgulho de mim — conclui.
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