Terra natal de Cristo e de quase todos os seus apóstolos, a Galiléia foi objeto de cobiça e discriminação da sociedade judaica. Saiba como era a vida de seus habitantes e acompanhe a trajetória da região sagrada dos tempos de Jesus até hoje
Por Gabriel Pinheiro
“Pode vir algo bom de Nazaré?”, perguntou Natanael, escolhido por Jesus como apóstolo, em um trecho do Novo Testamento, referindo-se à cidade da Galiléia, onde Cristo nasceu. Essa emblemática passagem bíblica mostra a má reputação da antiga província do norte da Palestina, de onde também eram todos os discípulos de Jesus, com exceção de Judas Iscariotes.
A região, menosprezada pela sociedade judaica da época, era conhecida como terra de revolucionários. Exemplo disso são relatos históricos que contam que, por volta de 4 a.C., um rebelde saqueou o arsenal de Séforis, capital da província, e armou seus seguidores. Capturando-o, as tropas romanas que governavam a Palestina queimaram a cidade, que depois foi reconstruída. Após dez anos, um outro insurgente, conhecido por Judas, levantou uma revolta contra o imperador pagão de Roma, conclamando os galileus a não pagarem os impostos. Como resultado, cerca de 960 judeus, entre homens, mulheres e crianças, se mataram para não serem levados como prisioneiros pelos soldados romanos.
“Se olharmos a história da Galiléia desde o período das tribos de Israel, em 1200 a.C., vemos que se trata de uma região cobiçada e área de constantes conflitos bélicos ao redor da produção agrícola”, afirma Rafael Rodrigues da Silva, professor de Teologia da Pontíficia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Maiores produtores de trigo da Palestina, graças a essa fartura e recorrentes confrontos, os galileus eram chamados de “numerosos e belicosos”.
POVO "CAIPIRA"
Os profetas do judaísmo viam a Galiléia, considerada culturalmente retrógrada, como uma terra de maldição, e os textos rabínicos descrevem seu povo como “caipira”. Segundo escritos da época, o dialeto hebraico falado na região era tão grosseiro que os galileus não eram chamados para ler a Torá – o livro de leis do judaísmo – nas sinagogas de outras províncias. Falar o aramaico, a linguagem comum, de forma grosseira era algo que caracterizava o judeu da Galiléia.
“Em termos sociais, a região mantém desde tempos antigos a organização por meio de clãs (famílias), que se congregavam em aldeias e vilas”, explica Rodrigues da Silva. “Temos as aldeias da Alta Galiléia e da Baixa Galiléia, que, socialmente e politicamente falando, representaram a força de defesa da província frente ao controle das cidades e, certamente, na resistência ao domínio estrangeiro”, continua ele, referindo ao rígido domínio romano na região. “Falar da Galiléia a partir das aldeias implica na percepção de uma região marcada pela manutenção das antigas tradições”.
O professor explica que a transmissão oral dessas tradições era um aspecto característico da província. “A oralidade era muito forte na Galiléia, assim como a resistência da cultura do povo presente na manutenção da língua aramaica”, diz ele. As sinagogas também eram peça fundamental na organização da sociedade. “Em termos religiosos, nos deparamos não só com uma Galiléia que mantém as tradições da casa, mas que também concentra as dimensões da religião nas sinagogas. Era lá que o povo estudava a Torá, fazia suas orações diárias e reunia-se para discutir os problemas da vila”, continua Rodrigues da Silva, que destaca a importância das sinagogas também como local para a realização de assembléias gerais.
DIFERENÇAS ESTRUTURAIS
Uma observação da literatura rabínica revela várias diferenças entre os galileus e outros judeus antigos. Richard Horsley, professor de línguas clássicas e religião na Universidade de Massachusetts, conta em seu livro Arqueologia, História e Sociedade na Galiléia: o contexto social de Jesus e dos Rabis (Editora Paulus) que os galileus eram acusados de “ignorância” por darem altas ofertas aos sacerdotes e divergiam do povo da poderosa província da Judéia em questões como casamento, posse de terras e outras práticas e costumes.
Devido a sua localização geográfica, a Galiléia era ponto de encontro de diferentes povos, e por isso havia uma grande miscigenação entre os galileus. Esse convívio de judeus tradicionais com pagãos é apontado por estudiosos como um fator que influenciava os judeus da Galiléia a não cumprirem as leis da Torá com tanta rigidez como os judeus de Jerusalém, por exemplo, e interpretá-las de forma diferente. Além disso, o fato dos galileus permitirem que pagãos participassem de suas cerimônias religiosas era mais um motivo para que a região fosse menosprezada pelas outras províncias.
A PALESTINA HOJE
Em 70 d.C., o general romano Tito destruiu Jerusalém e expulsou os judeus da Palestina, onde ficava a Galiléia. Nesse episódio, conhecido como diáspora judaica, um número incontável de judeus se dispersou pelo mundo. Por volta de 638 a.C, os árabes derrotaram o exército romano oriental e conquistaram a Palestina. Com o fim da Segunda Guerra, em 1945, as notícias sobre o Holocausto fazem aumentar a pressão internacional pela criação do Estado judeu e a volta à Palestina. Em 1947, a ONU vota a favor da divisão da região em dois Estados: um para os judeus e outro para os árabes palestinos. Com o plano rejeitado, é proclamado o Estado de Israel em 1948, apesar dos países árabes terem enviado tropas para impedir sua criação. Israel vence a disputa em 1949 e controla 75% do território palestino. O restante da área, que corresponde a Cisjordânia, é incorporado à Jordânia. Pressionados, centenas de milhares de árabes fugiram de Israel. Ainda hoje, os árabes reclamam o seu território, e vários planos de paz para a região fracassaram. O mais recente foi o firmado na conferência de Annapolis (EUA), em 2007, que tentava chegar a um acordo entre as partes até o final de 2008.
A Nova Galiléia em Santa Catarina
Por Pedro Skiba
Em 1979, Fatin Jacó, veio ao Brasil pela primeira vez, gostou e começava o sonho de fundar uma comunidade cristã no Brasil. Visitou várias cidades, principalmente em Santa Catarina, Bahia, São Paulo e no Paraná. As semelhanças geográficas, natureza e clima fizeram com que Santa Catarina fosse escolhida. Depois da primeira viagem, Jacó esteve por mais quatro vezes no Brasil. Em 2006 Milad Jacób e mais um grupo de 21 pessoas, sem nenhuma delas falar português, chegaram à Curitiba onde alugaram casas e se instalaram provisoriamente, depois fixando-se em Campo Largo. Após a procura por um local onde pudessem se fixar definitivamente e instalar sua comunidade, os nômades galileus, encontraram Campo Alegre, e lá um terreno de 5 alqueires, em meio a mata, e que se assemelha as suas terras de origem, inclusive com a altitude de 800 metros acima do nível do mar. A decisão que havia sido tomada em julho de 2005, tornava-se realidade em 22 de fevereiro de 2006. O grupo formado por pastores, professores de inglês e hebraico, enfermeiro, eletricista, engenheiro, mulheres e crianças, todos integrantes da nova Igreja fundada pelo pastor Jacó em 1991, dava então início a Nova Galiléia no interior de Campo Alegre (Avenquinha), onde florescem as casas, Igreja, padaria, mercadinho e até um restaurante, numa comunidade muito alegre e hospitaleira.
Benvindos. Esta é a primeira palavra que você ouve como saudação de todos que cumprimenta. Pastor Jacó que recebeu nossa reportagem, conta que são israelenses, um grupo de 20 famílias, ali instalados faz três anos. Explica que aqui estão guiados por Deus que ouviu as suas orações. Pessoa de fácil comunicação e muito receptiva conversou conosco ao lado da esposa Eliane e do filho Nur, chegando após Milad Yacob, outro mebro da comunidade, vice-presidente e que atua com atividade comercial no shopping Zipperer em São Bento do Sul (Bálsamo – produtos naturais). A comunidade que agrega seus membros já possui várias casas, todas construídas em mutirão, um ajudando ao outro, e no ponto mais alto está imponente a Igreja que todos se orgulham de ter construído com suas mãos Os atos religiosos são abertos ao público em geral e acontecem aos domingos às 10:30 da manhã.
Pastor Jacó conta que viviam todos muito bem e sem problemas no norte de Israel (Galiléia) todos com carreira profissional. Como cristãos tiveram uma visão para fazer uma comunidade cristã. Viver o Evangelho na realidade juntos, como fazem atualmente. A maioria da comunidade é formada por parentes e a espera por novos membros é grande. Explica que no início viviam com os recursos provenientes da venda de seus bens e que hoje já muitos exercem atividades em empresas da região, como também alguns exploram atividades próprias como é o caso do restaurante, mercadinho, padaria. As crianças freqüentam o ensino regular e desfrutam do transporte escolar para se deslocar até a sede do Município. As atividades religiosas compreendem reuniões nas terças e sextas-feiras a noite, estudos com jovens e senhoras para entender, apreender e praticar o evangelho.
Milad Jacob que se integrou a nossa conversa, é o vice-presidente da comunidade e também é pastor. Questionado sobre a organização da comunidade explicou que a área de terreno comprada é comum, e que novos moradores podem vir a se integrar. Existem dois pastores, dois presbíteros e um Conselho com 5 membros que devem ser consultados e dar a aprovação. A comunidade ainda está em fase de instalação, novas casas estão sendo construídas e agora também chegou a fase de cada um procurar seu meio de subsistência, abrir seu negócio, procurar emprego e tocar a vida. Oramos e esperamos para ter trabalho e condições de vida.
ATIVIDADES
Além das atividades domésticas, do trabalho em mutirão, devido a maioria ser jovem ainda em fase de estudos e os demais possuírem profissões definidas, os membros da comunidade não se dedicam a exploração agrícola ou pecuária. Há os que já estão empregados, outros desenvolvendo atividades próprias e os demais procurando trabalho.
Milad Yacob acrescenta que sua loja no shopping em São Bento (Bálsamo) e que comercializa produtos naturais, ervas medicinais, cereais, grãos e sementes é uma janela, um elo de ligação entre a comunidade e a população, uma vez que querem desenvolver uma comunidade aberta e integrada com todos.
PADARIA E RESTAURANTE
O jovem casal Emilio e Domia Habib estão iniciando uma padaria e que já apresenta os primeiros produtos. Trata-se da Padaria Galileia que produz pães sírios totalmente feitos com produtos naturais ainda um tanto desconhecido em São Bento do Sul. É aquele pão feito em forno de pedra e especial para acompanhar quibe crú e outras iguarias. Estão iniciando a comercialização em São Bento do Sul e pode ser encontrado no Supermercado Germânia e no assados Satóli. Os proprietários explicam que trata-se de um produto totalmente diferenciado sem similar no Brasil, 100% natural e sem adição de produtos químicos Também sfehas, pizzas e outras massas são produzidos.
O restaurante atende aos sábados e domingos mediante reservas (047) 9632-2950, 9238-9335 e 8807-0688, serve as comidas típicas árabe e de Israel. Atende também encomendas para grupos de 50 pessoas, festas e comemorações. A comunidade não consome bebidas alcoólicas e nem pratica o tabagismo, mas não proíbe.
Dona Hanna e David Hanin, proprietários do Restaurante Nova Galileia contam que o cardápio é composto de shwarma, sfeha, doces árabes, salgados, abobrinha recheada com carne, charutinhos com folha de uva e repolho, berinjela recheada, churrasco grego, arroz com carne, tabule, quibe cru e saladas. É uma mistura de comida árabe, do Líbano, de Israel e do Brasil, explica Dona Hanna. O restaurante fica ao ar livre, com a brisa geladinha do alto de Campo Alegre e coberto por tendas, bem original.
DIFERENÇAS E ADAPTAÇÕES
Pastor Jacó que foi o pioneiro em conhecer o Brasil, explica que viajou muito por aqui e ficou impressionado com a tranqüilidade, a liberdade, e a hospitalidade do povo brasileiro. Lá na Galileia, nós não tivemos problemas principalmente com segurança, mas o Oriente Médio como um todo vive um fundamentalismo islâmico muito forte e crescente de maneira negativa. Fanáticos religiosos judeus e muçulmanos praticam um radicalismo religioso que nós não gostamos. Não fugimos. Fizemos uma opção guiados por Deus a pedido de nossas orações.
Tanto o pastor Jacó como Milad, não economizaram elogios ao povo brasileiro para quem dizem orar todos os dias pedindo pela paz e o convívio em cooperação. Vieram para cá sem nenhuma ajuda oficial, movidos pela fé e com a crença que Deus não os abandonará e querem transformar o local em um ponto turístico com coisas da Terra Santa.
NR. O Poder Público Municipal de Campo Alegre precisa e deve dar uma assistência à comunidade, principalmente no que se refere ao acesso. Estrada e sinalização em péssimas condições.