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Luis Paulo Dal Pont Lodetti: “Como juiz, sou a última peça”

Segunda, 08 de abril de 2013

Luis Paulo Dal Pont Lodetti, 32 anos, juiz titular da 3ª Vara da Comarca de São Bento do Sul, há oito anos exercendo a magistratura, iniciou na Comarca de Mafra, trabalhou em Sombrio, no sul do Estado, até chegar em São Bento do Sul, onde está há um ano e meio. Nesta entrevista, ele destaca a estrutura, as maiores dificuldades encontradas em seu trabalho, a redução da idade penal, o tráfico de drogas, a possível Unidade Prisional para São Bento do Sul e a falta de envolvimento da sociedade.

 

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“Ninguém quer se identificar, se envolver, embora as proteções existam. Temos os casos de violência doméstica que são um verdadeiro absurdo, mas as pessoas têm vergonha ou medo de denunciar” (Foto Pedro Skiba/Evolução)
  

EVOLUÇÃO – Quando se fala em Varas, o que se entende e qual a estrutura do Judiciário em São Bento?

LUIS PAULO DAL PONT LODETTI – Varas são divisões de atribuições. Em São Bento do Sul temos três. Uma titularizada pelo doutor Romano (José Enzweiler), com atribuições nas questões Cíveis, Patrimoniais e também em Ações Constitucionais, Mandados de Segurança, Ação Civil Pública, Ação Popular. A Segunda Vara tem como titular o doutor Edson (Luiz de Oliveira), com atribuições nas áreas da Família, Infância e Juventude, Juizado de Pequenas Causas, Civil, Sucessões, Inventários, Arrolamentos, Ações Previdenciárias e Acidentais do INSS, Registros Públicos, Ações Possessórias. Na minha, a Terceira, são as questões Criminais, inclusive as Pequenas Causas Criminais e as questões relacionadas à Fazenda Pública, de Medicamentos, Ações Tributárias, Ações de Servidores contra o Município, Ações de Empresas contra o Municípios – São Bento e Campo Alegre – e Contratos Administrativos.

 

EVOLUÇÃO – E o crime, Tribunal do Júri?

LUIS PAULO DAL PONT LODETTI – Está na atribuição da Terceira Vara, assim como a questão criminal geral. Como é única unidade que trabalha com o crime, ela abrange tudo que está no crime.

 

EVOLUÇÃO – Qual a maior dificuldade que o senhor encontra?

LUIS PAULO DAL PONT LODETTI – O volume de serviço. Nós temos três Varas, mas temos quatro cartórios. Cada Vara tem um – e a Terceira tem dois. Na Primeira e Segunda eles trabalham com oito funcionários que os abastecem com processos para decisão. Eu, com dois, tenho dezesseis pessoas me abastecendo. Isto gera um volume de serviço muito grande. E se agrava ainda mais considerando que a Vara Criminal é onde mais existem audiências. Todo processo tem audiência – muitas vezes, mais de uma. Isto sobrecarrega porque eu passo muito tempo na sala de audiências e tenho muita coisa para despachar em gabinete. É um “se vira nos trinta”. É a Vara que mais tem audiências e processos. Demanda um esforço muito grande. Existem alguns processos, notadamente os mais complexos, que acabam demorando um pouquinho mais, mas isto se deve, como se vê, ao volume de serviço. Embora só no mês de março tenhamos despachado mais de dois mil processos, o que dá uma média de cem processos por dia útil. É um volume enorme.

 

EVOLUÇÃO – Qual é maior demanda?

LUIS PAULO DAL PONT LODETTI – O Executivo Fiscal, sem dúvida, é a grande parte. São quase oito mil processos sob nossa responsabilidade e mais de três mil são Executivos Fiscais. São processos que dificilmente chegam ao final. Depende de o devedor ter patrimônio ou tomar a iniciativa de pagar o tributo. Então os processos não evoluem. Vai de um lado, vai do outro, busca-se fazer penhora, verificar se o cidadão tem algum veículo, quebra-se sigilo fiscal, bancário e não acha nada. Vai tentando, tentando, mas não se vê o fim. Além desses, mais cerca de mil processos que envolvem questões do Município, Estado e União das questões da Fazenda Pública, processos que chamamos de ordinários e que envolvem ações de medicamentos, insalubridade, questionamentos sobre progressão na carreira, discussão de contratos administrativos, processos grandes que envolvem valores vultuosos, também tramitam aqui. Em torno de mais de três mil processos e procedimentos criminais, que são as ações penais, inquéritos, termos circunstanciados.

 

EVOLUÇÃO – Na área criminal, qual a maior causa?

LUIS PAULO DAL PONT LODETTI – Droga, com certeza. O álcool, em geral, gera questões relevantes, mas em menor proporção. Embriaguez ao volante, violência domiciliar, mas que são questões mais fáceis de resolver. Em relação à embriaguês ao volante, o cidadão tem condições de vir aqui fazer um acordo, de excluir o processo, isso tudo quando não causa lesões ou até mesmo a morte de outrem, naturalmente. Violência doméstica são questões que geram um problema familiar muito grande, mas não geram uma intranquilidade social coletiva. Agora o tráfico de drogas é o maior propulsor de furtos, de roubos, de homicídios. Esse, sim, é o grande problema.

 

EVOLUÇÃO – Uma faixa etária específica para estes infratores?

LUIS PAULO DAL PONT LODETTI – São os jovens. É difícil você encontrar pessoas de mais idade envolvidas com este tipo de criminalidade. O que acaba se tornando bandido profissional neste tipo de crime ou é preso ou é eliminado ainda muito cedo pela própria rivalidade. Essa é uma constatação. Aqui mesmo, no ano passado, tivemos vários crimes deste tipo e os envolvidos com idade de vinte e poucos anos. Se condenado há quinze anos, vai ficar preso e será liberado antes de envelhecer. Depois dos quarenta, é difícil você encontrar alguma pessoa envolvida com este tipo de delito. Até porque ou se recuperou, desistindo dessa vida que acaba sendo muito dura, ou morreu em função de disputas.

 

EVOLUÇÃO – Redução da idade penal?

LUIS PAULO DAL PONT LODETTI – É uma medida estritamente prática. Talvez ajudasse a reduzir um pouco a criminalidade com efeitos imediatos. Mas vai contra o objetivo maior do sistema, que é de ressocializar.

 

EVOLUÇÃO – As leis evoluíram para uma maior frouxidão, ou seja, redução de penas e outras só beneficiam ou infratores?

LUIS PAULO DAL PONT LODETTI – Veja, quando eu tomei posse na magistratura há oito anos, no do crime hediondo – que é o caso do homicídio qualificado, tráfico de drogas, estupro e outros –, a pena era cumprida em regime integralmente fechado. Não existia direito a benefícios. Hoje o tráfico de drogas, dependendo do caso de menores infratores, estes têm direito a cumprir pena restritiva, prestar serviço à comunidade. Isso é uma política que não é só do Judiciário - no Executivo e no Legislativo também é a mesma prática. No Judiciário, vem principalmente dos Tribunais Superiores. É bom que fique claro que estas determinações sempre vêm de cima para baixo. Não se constroem cadeias. Não tem onde prender. Começa a gerar problemas, como a superlotação, que não se confunde com superpopulação carcerária. Eu não concordo, por exemplo, que existe muita gente presa. Em Santa Catarina, por exemplo, com cerca de sete milhões de habitantes, a população carcerária é de dezessete mil presos, uma proporção baixíssima. Agora, a quantidade de mandados de prisão com cumprimento pendente é muito maior. É uma questão complexa. O que existe são cadeias superlotadas pela deficiência do sistema. Ficamos décadas sem se construir uma Unidade Prisional. Agora estão tentando remediar com paliativos.

 

EVOLUÇÃO – E a construção de uma Unidade Prisional em São Bento?

LUIS PAULO DAL PONT LODETTI – Tem que ter. Fui juiz em Mafra. O que aconteceu lá pelos idos de 2001, 2002? O presídio de Mafra era uma cadeia pública como a que existia aqui. Lá em Mafra a unidade foi reformada e transformada em presídio. O que o Estado fez? Desativou a cadeia de São Bento e transferiu todos os presos para lá – e assim permanecem até hoje. Qual o resultado disso? Primeiro é notório que a maioria dos presos de Mafra é de São Bento. Isso gera um problema para eles. Toda vez que um preso precisa ter uma audiência em São Bento, tem que vir escoltado pela PM de lá. Viatura que poderia estar na rua servindo à população de Mafra – e não está! Preso com problema de saúde? É atendido nos hospitais de Mafra, bancados pelo município de Mafra. Então, eles ficam com o ônus. É uma questão de razoabilidade, até que um colega meu resolveu que não entrava mais preso de São Bento lá naquele presídio. Uma maneira traumática de resolver a questão. Eu não o faria, como não fiz enquanto estive lá, mas desde então já se passaram quatro anos, e, mais dia, menos dia, alguém iria fazer. Por isso, eu acho que não é porque o juiz de Mafra não quer mais receber presos de outras cidades. Não é justo Mafra ficar pagando pelo fato de que aqui não existe cadeia pública. Quando aqui a cadeia foi fechada, foi tudo mandado para lá, o que na época gerou uma revolta, e até hoje eles nutrem isto. É até uma questão de justiça. Eles que fiquem com os presos deles e nós com os nossos. Agora, sou contra evidentemente essa ideia que foi divulgada de que querem construir uma penitenciária industrial para mais de mil pessoas. Isso não faz o menor sentido. Não é resolver o problema de São Bento do Sul. É o Estado resolver o problema dele.

 

EVOLUÇÃO – Não é um assunto que deveria mobilizar todas as nossas autoridades e lideranças? Afinal, tudo de bom vai para Mafra e os problemas ficam para nós...

LUIS PAULO DAL PONT LODETTI – Um erro não justifica o outro. Por que não vem nada para cá?

 

EVOLUÇÃO – Nossas lideranças são fracas? Não sabem reivindicar?

LUIS PAULO DAL PONT LODETTI – Não sei. O senhor (Pedro Skiba, entrevistador) é quem está dizendo. Não entro nesta questão. Agora, se pegar o orçamento da SDR de Mafra, é só verificar quanto ficou lá e quanto veio parta cá. Não são só questões restritas ao Judiciário.

 

EVOLUÇÃO – Prova de que não estamos errados nessas afirmações...

LUIS PAULO DAL PONT LODETTI – Estou há um ano e meio aqui em São Bento. Você (entrevistador) é a primeira pessoa que vem num caráter mais institucional conversar comigo a esse respeito. Sou o juiz da Vara Criminal. Então nunca ninguém me perguntou. Apenas agora com o (Cesar) Godoy, que é advogado e assumiu a presidência da Câmara (de Vereadores), de vez em quando conversamos sobre isso. Mas informalmente, extraoficialmente. Nunca ninguém consultou a posição oficial do juiz da Comarca. Vale lembrar que se colocarem uma Unidade Prisional aqui, quem vai ser o corregedor será eu. Por exemplo, se eu for lá fazer uma fiscalização e verificar que não tem condições de abrir, não abre. Mas ninguém me perguntou nada, a não ser você.

 

EVOLUÇÃO – Qual a solução?

LUIS PAULO DAL PONT LODETTI – Construir mais unidades pequenas em lugar de grandes penitenciárias. Mas não é isso que o Estado quer. Aqui o ideal seria uma unidade para cem vagas. Uma penitenciária para mil presos só vai gerar problema. A PM vai ter que tirar viaturas da rua para começar a escoltar este pessoal para audiência, atendimento hospitalar. Além do risco de, ao se inaugurar uma penitenciária aqui, fechar a de Mafra e todos de lá serem transferidos para São Bento. Isso já se falava por lá. Esta possibilidade existe.

 

EVOLUÇÃO - E o caso dos menores infratores?

LUIS PAULO DAL PONT LODETTI – Não sou juiz da Infância e da Adolescência, mas, na minha clara concepção, o problema vem de casa. Dizem que a lei não ajuda, mas é a mesma lei que diz que o pai e a mãe têm o dever de regular a criação, controlar a educação. Imagine um aluno que trata mal a professora: como trata o pai e a mãe em casa? As pessoas estão cada vez mais preocupadas com o trabalho e esquecem seus filhos dentro de casa. Entregam para qualquer um cuidar, não acompanham, não impõem limites. Para compensar a ausência, acabam passando a mão na cabeça.

 

EVOLUÇÃO – Sobre a fiscalização de casas noturnas, bares, boates... Depois da casa arrombada, tranca de ferro? Vide o caso da boate Kiss, a comoção nacional e todo mundo tem a solução?

LUIS PAULO DAL PONT LODETTI – Quando eu era juiz em Sombrio, baixei uma portaria que tratava disso tudo. Estabelecimentos tinham que exibir as plantas descrevendo saídas de emergência, em muitos deles menores não podiam frequentar. Resultado: recebi até comissão de mães que foram alegar que seus filhos tinham que procurar diversão em outras cidades e que eu seria responsável caso algum acidente acontecesse com eles. Então precisou acontecer uma tragédia destas proporções para que todo mundo se rebelasse, mas, se não tivesse acontecido nada, continuaria tudo igual. As pessoas muitas vezes são negligentes e não confiam nas instituições. Por exemplo: o juiz não é daqui, os delegados igualmente. Então quem sabe quem é o traficante, o malaco, são os moradores, os vizinhos, mas estes de regra não cooperam com as autoridades.

 

EVOLUÇÃO – Isso não é exercer cidadania?

LUIS PAULO DAL PONT LODETTI – Exatamente. Eu, como juiz, sou a última peça. Preciso ser acionado. Não posso sair por aí fazendo diligências, elaborar relatório e levar para eu mesmo processar, condenar. Dependo que as pessoas, as instituições (Polícia Civil, Polícia Militar, Promotoria de Justiça) me tragam as informações. Ninguém quer se identificar, se envolver, embora as proteções existam. Temos os casos de violência doméstica que são um verdadeiro absurdo, mas as pessoas têm vergonha ou medo de denunciar. Imagine fora de casa.

 

EVOLUÇÃO – Cada um cuida de si?

LUIS PAULO DAL PONT LODETTI – Exato. Hoje você observa que dispara um alarme de carro, de casa, e ninguém se preocupa. O vizinho nem na janela vai olhar. Isso não é viver em sociedade. No Tribunal do Júri, já presenciei casos em que, quando se realiza o sorteio, e sai o nome do primeiro, alguns outros começam a rir, quando o assunto é extremamente sério. Cidadania não são só direitos – as pessoas têm que ajudar também.

 

EVOLUÇÃO – Suas considerações finais, por favor.

LUIS PAULO DAL PONT LODETTI – Agradeço pela oportunidade e me coloco sempre à disposição. Peço à comunidade que exerça mais o seu direito de cidadania, que colabore mais com as instituições e confie nelas, que saiba que Segurança Pública é um conjunto de normas, de ações e de participação. Isso é viver em sociedade.



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