Cerene está completando dez anos de atuação em São Bento do Sul e revela alguns números da realidade local
O Centro de Recuperação Nova Esperança (Cerene), entidade surgida em 1989 em Blumenau, está completando dez anos de atuação em São Bento do Sul. Aqui, atualmente são quarenta e quatro residentes, todos do sexo masculino. Na quarta-feira, dia em que o Evolução foi até o local fazer entrevistas para a presente matéria, o número aumentaria com a chegada de um adolescente de 13 anos de idade. Mais uma vítima do crack. A capacidade de atendimento do Cerene é de cinquenta e duas pessoas, conforme o diretor da unidade, Otto Müller, 46 anos de idade e 15 de instituição. A ligação de Otto com a Missão Evangélica União Cristã (Meuc), fundadora e mantenedora do Cerene, iniciou quando ele estudava Teologia no Centro de Ensino Teológico (Ceteol), bairro Mato Preto. Após alguns trabalhos desenvolvidos em Benedito Novo/SC e também no Paraguai, acabou atuando como vice-diretor do Cerene em Blumenau, durante três anos. Em 2000, surgiu o convite para trabalhar como diretor da unidade de Lapa/PR, permanecendo na mesma durante onze anos. A entidade ainda tem unidades em Palhoça e Ituporanga.
“Gosto demais deste trabalho”, revela Otto, hoje o funcionário com mais tempo de atuação no Cerene. “Mesmo em alguns casos mais complicados, em que há impressão de que não existe saída, encontra-se uma nova esperança e uma nova vida”, comenta. Segundo ele, “o maior prêmio” de um trabalho como este “é ver uma vida restaurada” e ver “alguém que vive na sarjeta encontrar seu rumo, sendo um cidadão de bem na sociedade”. Por outro lado, admite Otto, “não é fácil”. As estatísticas do Cerene revelam que entre 30% e 35% dos residentes são recuperados. Em São Bento do Sul, uma pesquisa um pouco mais antiga apontou para a recuperação de 44% dos residentes. “Aqui em São Bento destaca-se o alcoolismo”, explica. Na Lapa, por exemplo, 90% dos casos envolvem a utilização de drogas ilícitas (crack, cocaína, etc) e 10% o consumo de álcool. Em São Bento, “é meio a meio”, ou seja, 50% dos casos estão relacionados às drogas ilícitas e 50% estão relacionados ao álcool.
REESTRUTURAÇÃO DA VIDA
Um dos residentes conversou com o Evolução. Funcionário público, 40 anos de idade, ele era um consumidor de álcool “em casa”, como o próprio frisa. “Como todo dependente, eu não admitia”, conta. “A partir do momento em que você coloca isso (admite o vício) na cabeça, o tratamento flui melhor”, destaca. O residente relata que “no começo, achava que pararia (de beber) sozinho”. Ele está há quatro meses no Cerene. Diz que nos primeiros dias se perguntava mais ou menos assim: “O que estou fazendo aqui?”. Com o tempo, viu que foi uma decisão acertada. “Você reestrutura totalmente a sua vida”, comenta. O entrevistado, casado e pai de dois filhos (um de 13 e outro de 2,5 anos), afirma que chegava a beber até dois litros de pinga por dia. “A cervejinha já não me sustentava mais”, conta.
Ele também conta que quem vive o dia a dia da bebedeira “sempre acha um motivo para beber”, lembrando que, em seu caso, dinheiro para a bebida sempre tinha, mas não “para comprar uma roupa ou levar a esposa a uma pizzaria”. O residente afirma que, através do conhecimento que está adquirindo, pretende ter um diálogo mais aberto com o filho de 13 anos. “Um dos fatores (da dependência nas drogas) é a falta de diálogo. Eu não tive isso em casa”, relata.
No último Stammtisch, ele passou em frente à praça Getúlio Vargas, no sábado (dependendo do caso, o residente pode sair final de semana), e fez questão de nem se aproximar muito. “Sei que ainda estou fraco”, afirma, destacando a possibilidade de recaída. Conforme Otto Müller, tem-se como padrão algo em torno de 180 dias (seis meses) para o tratamento, embora cada vez mais o Cerene esteja personalizando o mesmo – e aí entra novamente a história de que “cada caso é um caso”. Um dos detalhes que chamam a atenção é que no Cerene não há cercas ou muros. “Aqui estamos livres”, comentou um residente.
PREVENÇÃO: TRABALHO MAIS BARATO E MENOS COMPLICADO
O trabalho preventivo, de acordo com Otto, “é o menos complicado, o mais importante e o mais barato”. O diretor prefere não falar em valores que são necessários para manter e tratar um residente, pois “depende da avaliação socioeconômica” de cada caso. Há algumas vagas disponíveis através de convênio com a prefeitura, via Secretaria de Saúde. O diretor faz questão de registrar que a entidade tem recebido “muito apoio da comunidade”, desde as contribuições de R$ 2,00 na conta de luz até repasses maiores da iniciativa privada. “Só conseguimos sobreviver graças a estes apoios”, diz.
Questionado sobre a possível liberação de drogas para consumo próprio, o diretor acredita que se trata de uma medida “equivocada”. Ele cita exemplos de drogas legalizadas, o álcool e o cigarro, “dois grandes vilões da saúde”. Mesmo os países que fizeram experiências com a legalização das drogas, como a Holanda, por exemplo, “estão tentando reverter” seus posicionamentos, acrescenta o diretor do Cerene são-bentense. No Brasil, frisa Otto, “seria um caos liberar de uma hora para outra”.
EVENTO COMEMORATIVO
Para marcar seus dez anos de atividades em São Bento do Sul, o Cerene realizará um evento comemorativo no dia 22 próximo – um domingo –, a partir das 9:30, com recepção aos participantes. Serão realizados o almoço às 12:30 e o café às 14:00, com encerramento às 15:00. O valor para participar é de R$ 10,00. O Cerene está localizado no bairro Boehmerwald, uma área de 48 mil² cercada por muito verde. Maiores informações, fone 3635-3131, e-mail é saobento@cerene.org.br e página da entidade é a www.cerene.org.br. (Por Elvis Lozeiko)