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Romano Enzweiler: "O livro realmente vem preencher uma lacuna"

Terça, 16 de agosto de 2011

Foi lançada na última quarta-feira, na Associação dos Magistrados Catarinenses, em Florianópolis, a obra "Curso de Direito Médico", livro que conta com a participação de profissionais  de diferentes áreas e que "veio para marcar uma época - e, com toda segurança, para ganhar perenidade e ficar na história", conforme palavras do prefaciador, jornalista Moacir Pereira. O título é coordenado pelos juízes de Direito Hélio do Valle Pereira, de Florianópolis, e Romano José Enzweiler, de São Bento do Sul - nosso entrevistado desta semana.

  

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EVOLUÇÃO - Estamos nesta oportunidade no gabinete do doutor Romano Enzweiler, juiz de Direito de São Bento do Sul, um dos coordenadores do livro "Curso de Direito Médico", ao lado do seu colega Luciano do Valle Pereira, de Florianópolis. Esta obra chega para preencher uma lacuna? Podemos dizer isso?

ROMANO ENZWEILER - Há muitas obras de excepcional qualidade no mercado de livros no Brasil - mas nenhuma delas com essa visão, com essa mirada que demos a este livro. Por quê? Normalmente os livros são escritos ou por juristas ou por médicos - neste livro, reunimos dezesseis amigos, entre médicos, advogados, desembargadores, juízes federais, juízes do Trabalho, etc, com sensibilidades diferentes, para tratar desse tema com vários olhares. Os chineses têm uma frase da qual gosto muito - "Existem três verdades: a minha, a sua e a verdadeira". Então, reunindo dezesseis pessoas talvez consigamos chegar a algo mais próximo da verdade. O que se busca em um processo? Busca-se a verdade, se busca discernir o certo do errado. Isso nem sempre é fácil, porque entre o preto e o branco existe um cinza, existe todo um leque de possibilidades de cores que nos demonstram que as coisas não são tão simples como podem parecer à primeira vista. As coisas não são binárias, ou seja, verdadeiras e falsas, certas e erradas. Há tantas nuances e tantas variáveis para compor esse mosaico para julgar e pensar o ato médico, as responsabilidades médicas, as responsabilidades dos planos de saúde, as responsabilidades dos hospitais públicos e privados, as seguradoras de saúde! Esse livro vem justamente para contribuir com essa reflexão mais qualificada, mais madura. Nesse sentido, o livro realmente vem preencher uma lacuna, porque não existia algo com essa complexidade.

 

EVOLUÇÃO - Quando deu o estalo, o pontapé inicial para fazer uma obra desse gênero?

ROMANO ENZWEILER - Primeiro há a nossa angústia natural, a nossa busca por respostas: "Será que estou julgando corretamente? Será que estou sendo correto?". Eu sou funcionário público, sou um servidor. A minha resposta não tem que satisfazer a doutrina nem o meu ego - e sim o anseio médio popular, ou seja, se perante a comunidade este ato está correto ou perante a comunidade este ato está errado. É mais ou menos assim que o juiz também tem que ter essa sensibilidade. A legitimidade do ato do juiz vem justamente dessa sua sintonia com o sentido popular. Nem sempre o sentido popular está correto, mas às vezes o sentido popular está muito mais correto do que o sentido do próprio juiz. Temos que ter esse canal aberto, mas, claro, temos que ter um filtro, temos que tomar cuidado para não se deixar influenciar demais por isso. O juiz refratário à imprensa, o juiz refratário ao que dizem as pessoas, é um juiz que não está julgando para o seu povo. Então, esse foi o primeiro aspecto - a necessidade de extrair esse relativismo. Certo dia, aqui em São Bento do Sul, no nosso curso de Direito Processual Civil, com o professor Hélio do Valle Pereira, quando trocávamos uma ideia - sobre julgamentos feitos por ele em Florianópolis e por mim em São Bento do Sul -, vimos que tínhamos uma visão muito parecida. Aí começamos a trocar e-mails - foram mais de duzentos e cinquenta e-mails durante dois anos, para primeiramente definirmos o esboço do livro. Depois convidamos os amigos que estavam interessados em participar do livro, monitoramos os textos, contatamos a editora, demos uma concatenação aos textos, para falarmos a mesma linguagem. O livro permitiu que cada um (dos participantes), de forma absolutamente livre, dissesse o que pensa, com suas abordagens, com suas experiências.

 

EVOLUÇÃO - Imaginamos que deu um trabalho danado para concluir esta obra, afinal estamos falando de um calhamaço com mais de quinhentas páginas...

ROMANO ENZWEILER - Entre o primeiro dia da conversa até o dia do lançamento (realizado na Associação dos Magistrados Catarinenses, em Florianópolis, nesta quarta-feira), foram dois anos e meio.

 

EVOLUÇÃO - Esperamos que, a exemplo do jornal, os próprios leitores do livro tirem suas conclusões. Porém, o senhor, como coordenador e como participante ativo desse processo, pode fazer um resumo desta obra? O Direito, por si, já apresenta um universo muito amplo. A questão médica, idem. Estamos falando de Direito Médico, então é algo mais complexo ainda!

ROMANO ENZWEILER - É verdade. São dezesseis textos. O primeiro deles trata da pedra fundamental de todo o livro, se propondo a trabalhar com o Direito e com o Direito Médico especificamente. É um texto do professor Ingo (Wolfgang) Sarlet, conhecido de vocês (do jornal), pois já palestrou aqui em São Bento do Sul. Ele é doutor em Direito pela Universidade de Munique, na Alemanha. Ele trata justamente dos direitos fundamentais, ou seja, como a questão da Saúde é tratada na Constituição. O texto dele (escrito juntamente com Mariana Filchtiner Figueiredo) é desenvolvido a partir da visão sobre os direitos fundamentais, o acesso à saúde. Também há textos envolvendo planos de saúde. O da Cláudia (Galiberne Ferreira, advogada, coordenadora do Instituto Catarinense de Estudos e Eventos Jurídicos, e esposa do entrevistado), por exemplo, trata especificamente das Unimeds e dos planos de saúde.  O texto do doutor Olavo Rigon (Filho) trata de seguradoras. O do Luiz Cézar Medeiros trata das responsabilidades dos hospitais privados. O doutor Alexandre Luiz Ramos, que é juiz do Trabalho, cuida da questão da competência - se o erro médico é competência do juiz estadual ou do juiz do Trabalho. O doutor Rodrigo Bertoncini tem um texto que fala da visão do médico a respeito da Justiça. Esse é um texto maravilhoso. Afinal, o que os médicos pensam dos juízes e dos promotores? Ele trata esse tema com muita coragem. Nós não fizemos - e não teria cabimento fazer - qualquer filtro ou qualquer sugestão. Ele ficou completamente à vontade. Ele fez uma pesquisa com cento e cinquenta médicos de todo o Estado, perguntando, afinal, o que eles pensam de nós, como eles se sentem julgados pelos juízes. Outro texto, de um médico psiquiatra (Fabio Firmino Lopes), trata da relação médico-paciente. O Yilmar Corrêa (Neto), doutor em Medicina pela Universidade de Coimbra, Portugal, trata especificamente do Código de Ética Médica. Ele foi um dos quatro relatores, pelo Conselho Federal de Medicina, deste código, aprovado em abril do ano passado. Temos um colega médico de Mafra, o doutor Jonas de Mello Filho, que é perito, falando a respeito do erro médico. O texto do Jânio de Souza Machado trata do dano moral. Ele trata desse tema com muita acuidade, porque ele julga este tema no Tribunal (de Justiça do Estado). Ainda temos um texto do doutor Alan Índio Serrano, que é médico psiquiatra. Ele cuida de perícias. O doutor Hélio do Valle Pereira, que é um dos coordenadores, fez um texto singular, belíssimo, a respeito do processo judicial que envolve todos os trâmites naturais de um processo por erro médico. Finalmente, eu tratei da responsabilidade civil latu sensu, na sua abrangência maior. Após esse leque imenso de temas, finalizamos (com texto de Rodrigo Valgas dos Santos) com o médico pela visão do próprio médico. Ou seja, como um médico é julgado pelos próprios médicos no Conselho Regional de Medicina, uma vez que eles (os médicos) têm um Conselho Médico que julga o próprio colega quando ele é acusado, por algum paciente, de ter praticado um ato contrário à ética médica. (Ainda participam da obra Jaime Ramos, com "Responsabilidade Civil do Estado pela Atividade Médica", e João Batista Lazzari e Keila Aparecida Branco Hoeller, com "A Garantia do Direito à Saúde e o Poder Judiciário").

 

EVOLUÇÃO - Qual foi mesmo o tema que o senhor tratou?

ROMANO ENZWEILER - O meu texto é muito pomposo. Eu faço alguns questionamentos, embora não termine com ponto de interrogação, porque achei que ficaria muito provocativo. O texto é intitulado "As Transformações da Responsabilidade Civil nos tempos da Wiki-Tesarac, da Imunidade à Hiper-Responsabilidade". Ou seja, partimos de uma situação em que médico nenhum não era sequer acusado por ninguém (porque ninguém tinha coragem e nem sabia que podia discutir o ato médico), a uma nova situação, em que essa relação mudou muito. Com a vinda da nova Constituição, com a vinda do Código de Defesa do Consumidor, a relação médico-paciente mudou muito. Na verdade, a atividade médica também está regulamentada pelo Código de Defesa do Consumidor. Então, as pessoas começaram a se dar conta que têm direito à saúde de forma efetiva, cobrando do médico uma postura mais efetiva. O médico não pode ficar encastelado na sua mesa, sem olhar para o paciente, apenas perguntando como ele está e passando a receita. Não existe mais espaço para esse médico.

 

EVOLUÇÃO - Até parece aquele médico sobrenatural, que tem bola de cristal...

ROMANO ENZWEILER - Quando a religião preponderava sobre a ciência, a medicina era magia. Agora, quando ciência prepondera sobre a religião, a magia virou medicina. Acho que mudou muito - e mudou para melhor. Felizmente, em São Bento do Sul, na média, temos um quadro de médicos excepcionais. Isso é muito bom, mas eles não estão isentos de cometer equívocos também.

 

EVOLUÇÃO - Existe muita demanda nessa área na Justiça local de São Bento do Sul?

ROMANO ENZWEILER - É muito tranquilo. Fiz um levantamento curioso. Se o leitor abrir o saite do Tribunal de Justiça (tj.sc.gov.br), no dia 5 de agosto, das sete notícias, quatro diziam respeito à responsabilidade. Só para termos uma ideia, nos Estados Unidos são nove milhões de demandas por ano envolvendo médico ou o sistema de saúde deles, que é muito complicado. No Brasil, são cerca de quatrocentas e cinquenta mil novas demandas por ano, o que é excepcional, porque até poucos anos não havia praticamente nada. Hoje, o Tribunal de Justiça convive com um número expressivo de ações envolvendo o erro médico.

 

EVOLUÇÃO - Sinal de que os pacientes - ou consumidores - estão procurando seus direitos.

ROMANO ENZWEILER - Há uma dupla mão. Há pessoas que, infelizmente, por alguma razão, acham que existe uma conspiração universal contra elas, porque elas acham que são vítimas das coisas e que os médicos estão sempre errados. Essas pessoas às vezes têm razão e às vezes não têm razão. Então, há esse tipo de consumidor, que acha que, se o médico não olhou direito para ele, já merece uma indenização. Na maioria das vezes temos percebido que o paciente que chega ao ponto de contratar um advogado, que vem em juízo, tem plena certeza dos seus direitos.

 

EVOLUÇÃO - Não é uma aventura jurídica?

ROMANO ENZWEILER - Longe disso. Na imensa maioria dos casos que temos julgado aqui, ele (o paciente) pode até não ter razão, mas ele acredita que tem. O que temos percebido é a seriedade de todos os atores envolvidos no processo. O médico tenta comprovar cientificamente que ele fez o que era possível e a parte tem certeza - pelo que se apresentou - que o atendimento do médico poderia ter sido melhor e, quem sabe, o seu ente querido poderia ter sobrevivido - uma vez que aqui houve alguns casos de falecimento. Assim, as demandas não são tantas, o que demonstra, na média, um excelente nível dos nossos profissionais de Medicina e também um bom nível de consciência dos pacientes, que só vêm demandar quando realmente sentem que seus direitos foram lesados.

 

EVOLUÇÃO - Os profissionais de diferentes áreas podem cometer erros, não é? A diferença é que na área médica um erro pode ser fatal, certo, doutor?

ROMANO ENZWEILER - É verdade. Se o jornalista coloca uma vírgula onde não deveria ter colocado ou algo assim, a repercussão é pequena. Isso não vai deformar a vida das pessoas. Se o médico, quando foi chamado para atender, não cumpre o seu dever, não sabe o que fazer ou faz mal feito, a repercussão desse ato pode ter consequências gigantescas. É por isso que o profissional médico tem que ter essa consciência, afinal ele não é um profissional qualquer - como o juiz também não é. Não quer dizer que eu seja melhor ou pior, mas é que a responsabilidade que me foi conferida é diferente. Quando assino um mandado de prisão ou quando lavro um flagrante, tenho que saber que estou tratando de um dos temas mais valiosos da vida humana, que é a liberdade.

 

EVOLUÇÃO - No caso médico, o bem mais valioso é a própria vida.

ROMANO ENZWEILER - Exatamente - e não tem retratação. Foi-se a vida, foi-se o bem máximo que temos.

 

EVOLUÇÃO - Ainda hoje (segunda-feira 8) tivemos na Univille, na abertura da Semana da Comunidade, uma palestra muito interessante sobre a chamada Era Digital, com uma série de informações relevantes sobre essa verdadeira revolução que está acontecendo. Dizemos isso pelo seguinte: há inclusive escritores que dizem que daqui a algumas décadas, talvez duas ou três, o livro impresso vai se acabar. Porém, parece que nada vai substituir - e gostaríamos de perguntar sua opinião sobre isso - o prazer de pegar um livro, de sentir a textura do papel, de virar uma página.

ROMANO ENZWEILER - Tive meu primeiro e-book - meu livro eletrônico - publicado em Portugal. Confesso que prefiro mil vezes o papel. Existem os nativos, que são os nossos filhos, que estão acostumados com essa tecnologia toda. Também existem os que migram, como eu. Eu migrei do papel para a tecnologia. Não nasci com o computador na minha vida. Ele foi incorporado já na minha vida adulta, por conta da necessidade de trabalhar com ele. Acho que não conseguimos prever o que acontecerá daqui a cinco ou dez anos, mas grandes editoras comentaram na Bienal do Livro de São Paulo: "Na nossa leitura, o livro jamais vai acabar". Já li livros pelo computador, mas não significa um décimo do prazer que é pegar um livro - estou lendo sobre Platão novamente. Que delícia ler Platão em um livro, podendo fazer marcações com a caneta, comentários com o lápis no canto da página! Acho que a forma do raciocínio humano também vai mudar, a forma de interagir com o livro também vai mudar. Essa revolução, não vejo nem como boa nem como ruim. Acho que são novas oportunidades que aparecem. O grande barato dessa revolução tecnológica é a democratização do acesso à informação, como a Wikipédia, o Google. É algo maravilhoso, uma coisa que não tem igual. No meu tempo, para achar uma informação teria que achar uma enciclopédia - uma Barsa, uma Delta Larrousse ou outra. Naquele tempo os pais tinham que comprar enciclopédia com financiamento de longo prazo. Hoje, porém, elas estão na mão. Ao mesmo tempo, vemos uma geração completamente desinformada.

 

EVOLUÇÃO - Que paradoxo, não é?

ROMANO ENZWEILER - Temos muitos dados, mas pouca informação e pouquíssimo conhecimento. As pessoas não sabem o que fazer com esses dados, não transformando isso em informação - para meditar, para comparar - e menos ainda em conhecimento. Isso exige reflexão, maturidade, vontade, curiosidade. Acho que a escola está disfuncional para o momento tecnológico que vivemos. Aí vem o meu texto, que chamo de Wiki-Tesarac - "wiki" de Wikipédia, porque todo mundo participa do processo de criação, e "tesarac", como uma espécie de revolução a exemplo do que aconteceu no Renascimento. Acho que estamos vivendo um momento de ruptura tão grande como foi o Renascimento. É um novo modo de viver. O homem, de alguma forma, está deixando de ser o epicentro da discussão - hoje estamos vendo outras coisas laterais, que antes não conseguíamos ver. Essa revolução cultural está revelando um momento de enorme transição, de acomodação das placas tectônicas mentais do mundo, que estão se chocando - vamos ver o que vai surgir desse embate.

 

EVOLUÇÃO - Quem quiser adquirir o livro "Curso de Direito Médico", como faz?

ROMANO ENZWEILER - A editora tem um plano de distribuição nacional. Nas páginas da Editora Conceito Editorial, da Livraria Saraiva - a nossa distribuidora - e das Lojas Americanas o livro já está à disposição. Porém, faço questão de prestigiar as coisas da casa, tanto que no livro faço questão de colocar que sou juiz de São Bento do Sul. Portanto, quem quiser adquirir o livro pode fazê-lo nas principais livrarias da cidade a partir da semana que vem.

 

EVOLUÇÃO - Eu (Elvis Lozeiko, entre-vistador) sou um dos fundadores da União São-Bentense de Escritores e, apesar de não ser mais integrante da entidade, gostaria de lhe informar que na sede do Departamento de Turismo de São Bento do Sul existe o "Cantinho do Escritor São-Bentense". Então fica a sugestão para o senhor, de repente, colocar essa obra à disposição - principalmente dos turistas que vêm a São Bento do Sul.

ROMANO ENZWEILER - Farei isso com o maior prazer, até porque temos grandes escritores na cidade. Faço questão de deixar lá a minha contribuição para este espaço que a prefeitura criou.

 

EVOLUÇÃO - Algo mais, doutor?

ROMANO ENZWEILER - Apenas o agradecimento eterno à imprensa de São Bento do Sul, que sempre nos prestigia e nos acolhe tão bem. 



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