Comer um queijo artesanal, com cheiro, textura e sabor peculiar, traz uma sensação indescritível. O preparo, a região, o clima, a raça do gado, o pasto e o tempo de maturação são variáveis que interferem no tipo e na qualidade do produto.
Além disso, o queijo artesanal não é apenas uma comida: é uma iguaria que carrega a história regional e familiar. Por ter estes elementos, o queijo artesanal é considerado um patrimônio cultural. No Brasil, os mais famosos são os queijos mineiros da região da serra da Canastra. Entretanto, há no país pelo menos 16 tipos de queijos artesanais catalogados de 11 estados diferentes: Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Sergipe, Pernambuco, Paraíba, Ceará e Pará. Clique aqui e conheça.
Muitos destes queijos são produzidos desde a época do Brasil Colônia e as receitas são repassadas de geração em geração. Uma outra característica é que são fabricados com leite cru. O processo de fabricação do queijo artesanal de leite cru segue basicamente a coagulação do leite, a separação da massa do soro, a prensagem, a enformagem, a salga e a maturação.
Queijo colonial Diamante
Por ser produzido com leite cru, o queijo artesanal é um produto vivo que carrega uma historicidade. Só que isto, também se tornou um impeditivo para a comercialização devido as regras de vigilância sanitária.
Desde 1952, há uma lei federal que proíbe a comercialização de queijos de leite cru (ou não pasteurizado). A legislação, associada a falta de jovens para perpetuarem a tradição, extinguiu vários queijos artesanais como afirma a doutoranda em Ciências de Alimentos e membro do Slow Food (associação internacional sem fins lucrativos) , Michele Carvalho. “Comparando os censos agropecuários de 1996 a 2006 constatou-se que 90% dos queijos artesanais de Santa Catarina desapareceram” afirma.
Foi por causa desta ilegalidade, que o queijo colonial Diamante, da cidade de Major Gercino, em Santa Catarina, estava quase desaparecendo. É o que afirma o engenheiro agrônomo e extensionista do Epagri, Remy Simão. “O queijo colonial Diamante sempre existiu. Só que ele não era legalizado, mas era vendido no mercado porque era um produto que trazia renda para as famílias. Ocorre, que os jovens não se interessavam mais pelo queijo que estava fadado à extinção”, conta Remy.
Para o queijo Diamante não entrar nesta lista, Michele e Remy se uniram para revitalizar a produção da iguaria. O agrônomo elaborou um projeto em 2016 para melhorar a infraestrutura de produção de leite dos pequenos produtores e conseguiu o apoio do Banco do Brasil para a compra de vacas leiteiras e equipamentos. Devido ao êxito do projeto em 2017, ele foi ampliado e passou a contemplar a construção de sete queijarias, além de capacitações dos produtores em boas práticas de ordenha e fabricação de queijos nas propriedades.
Para esta segunda etapa, o projeto teve o apoio da Fundação Banco do Brasil com investimento social no valor de R$ 250 mil. A execução começou em 2018 e, além da construção das sete queijarias que já atendem o padrão da vigilância sanitária por serem de alvenaria e de fácil higienização, o projeto também já garantiu a vacinação dos animais e a certificação das propriedades que atestam o rebanho livre de tuberculose e brucelose.
Michele ficou com a incumbência de escrever uma proposta de lei estadual para que o queijo pudesse ser comercializado fora da cidade de Major Gercino. A proposta foi encaminhada para o Poder Legislativo do estado e o projeto de lei 470.5 foi aprovado em 2017. Agora o texto aguarda a sanção. “Hoje só as mercearias pequenas vendem o queijo. Os produtores daqui costumam dizer que o sonho deles é tirar o queijo da parte de baixo do balcão e colocar em cima para ser vendido”, conta.
No mesmo sentido, em julho de 2018, foi sancionada a lei federal Lei 13680, que regulamenta a comercialização de queijos artesanais entre os estados. Segundo Michele, a expectativa é que os produtores se adequem a regra e passem a comercializar o queijo Diamante de forma legal. “Esperamos que em breve os produtores de Major Gercino possam comercializar o queijo Diamante de forma digna, para aumentar a renda e também para que o queijo continue existindo”, destaca.
Remy afirma também que está sendo desenvolvido um trabalho junto a Fundação Catarinense de Cultura para reconhecer o queijo Diamante como patrimônio imaterial de Santa Catarina. “O queijo colonial Diamante é um patrimônio, que deve ser preservado pelo bem das futuras gerações”, avalia o engenheiro.
Prêmio Queijo Brasil
O trabalho de recuperação do queijo Diamante já gerou resultados que vão além da construção das queijarias e das boas práticas de comercialização. Janete Schlichting é uma das produtoras rurais que produz a iguaria desde a infância. “Desde criança eu faço queijo. Pegava leite da vaca para dar para minha mãe produzir. Depois eu e meu marido nos casamos e há 34 anos estamos juntos fabricando queijos” conta.
Em novembro de 2018, o engenheiro agrônomo Remy chegou na propriedade dela e propôs que mandasse algum queijo de fabricação própria para concorrer no 4º Prêmio Queijo Brasil em São Paulo. Janete não pôde viajar, mas pediu que a irmã e a cunhada levassem o queijo colonial Diamante produzido por ela - e qual foi a surpresa quando recebeu a ligação que havia conseguido a medalha de prata. “Elas levaram um queijo que eu fiz curado em 90 dias. Conseguimos a medalha de prata e fomos homenageados pela Câmara dos Vereadores. Eu não esperava, mandei por mandar, mas não esperava” diz Janete.
O júri deu a nota 9.1 para o queijo, destacando o bom sabor e a boa qualidade da casca. Só não recebeu a nota dez por causa da acidez . Depois da premiação, o queijo, que é vendido na região por R$ 12 a R$ 13 o quilo, na propriedade da Janete passou a ser vendido a R$ 22, no atacado, e R$ 25, no varejo.
Com o apoio do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas (Sebrae), as embalagens para o queijo colonial Diamante estão sendo estudadas e Janete já tem uma sugestão de nome. “Queijo Diamante Vô Ipa". Segundo a produtora, Ipa é o apelido do seu marido. "Gostaríamos que no futuro, os nossos netos se lembrassem que o vô e a vó faziam queijo”, diz com orgulho.
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