Em Busca das Teclas Pretas Cap IX ao Final

(final)

IX

– Acho que, quando duas pessoas realmente se amam... digo... – a voz da moça vacilou – bem no fundo... lá onde dorme a alma delas e os sonhos acontecem, onde a dor não pode viver, porque não há nada de que se alimentar... aí a felicidade é uma fusão dessas duas almas. Como dois rios que confluem e correm juntos. Toda aquela água tornando-se uma só. Quando você parou o carro e veio para meu lado vi no seu rosto a esperança de que... não que você também... Acho que conhecê-lo assim foi uma ironia dolorosa de que eu não precisaria... fazer o que precisa ser feito... acho... para ser sincera, acho que eu queria sentir aquilo... desse jeito, achei que talvez eu pudesse me lembrar... porque...

Fortes soluços interromperam aquela incompreensível torrente de contradições incompletas. Mas o moço intuiu o que ela tentava dizer sem o conseguir.

Em algum ponto dos momentos seguintes, ele baixou os olhos para seu piano só de teclas brancas que se perdia ao longe e viu que seus cacos se fundiam numa peça só. Descobriu que estender uma mão desinteressada para alguém desconhecido dói. Dói demais. Porque a gente se importa.

– E agora?... – perguntou ele baixinho, temendo a resposta que não queria ouvir.

– Agora? Talvez tenha chegado a hora de ir embora... Você tem que transformar um piano só de teclas brancas num piano completo, está em busca de suas teclas pretas... Eu não tenho nem isso – concluiu, num murmúrio.

Ele pegou e pressionou com delicadeza uma das mãos da moça.

– Não... você também está em busca de alguma coisa... sua felicidade... uma vida melhor...

Ela riu. Um riso curto, cansado, pleno de desalento e desesperança.

– É... talvez eu seja uma feia lagarta que espera se tornar uma linda borboleta... E você?

– Eu espero, talvez, encontrar as teclas pretas de meu piano branco...

– Então...

– Então?...

– Então até uma vida mais feliz, meu amigo. Obrigado por ter aparecido, por ter me encontrado. Sabe, eu já estava aqui há muito tempo... agora ficou mais fácil... agora eu não tenho mais medo...

Ele pressionou a mão da moça, fez-lhe um afago desajeitado no rosto que aparentava uma calma e resignação aterradoras.

– Então até lá, minha companheira de viagem. Meu pai sempre me dizia que as linhas paralelas se encontram no infinito. Será que somos duas retas paralelas nesta vida? Quero dizer... será que iremos nos encontrar no infinito?

– Se Deus for generoso e misericordioso conosco, meu amigo... Que você encontre suas teclas pretas...

– Que você se torne uma linda borboleta, minha companheira de viagem... a mais linda e feliz de todas...

Ela se inclinou para ele, deu-lhe um inesperado beijo no rosto.

Então, no instante seguinte, ele estava sentado sozinho na mureta do viaduto.

Simples assim.

Sem alarde, sem gritos, sem drama, sem adeus...

Com uma calma aterradora só então ele olhou para baixo.

Sob a luz pálida do luar as teclas brancas de seu piano mostravam agora uma pequenina tecla preta que lhe fora agregada a um preço talvez alto demais.

Ele sorriu, estranhamente feliz.

Então fechou os olhos, começou a se inclinar lentamente para a frente, sentiu-se livre, liberto das amarras terrenas, tombou em direção a seu piano de teclas brancas que agora tinha um triste e solitário bemol à sua espera. Começou a contar:

– Dois mil e um, dois mil e dois, dois mil e

FIM

DEDICATÓRIA

Dedico este livro a todos aqueles que conseguem se tornar uma razão na vida de alguém. A todos aqueles que conseguem trazer alguém de volta.

E, com isso, talvez, conseguir uma razão para a própria vida.