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Sentimentos - Fernando Coimbra dos Santos

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"Se eu puder combater só um mal, que seja o da Indiferença".

 


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Flamboyant Florido cap XII ao cap. XIII



(continuação)

XII

O acesso pela estradinha de terra foi mantido, ganhando ainda mais flores nos canteiros que a marginavam. Muitas outras árvores frutíferas e ornamentais foram plantadas por toda a propriedade.

Próximo ao asfalto, recuado uns trinta metros, foi colocado um portão de ferro entre dois pilares sobretudo decorativos, pintados de branco.

Dinheiro, para ele, não era problema.  Problema era achar uma razão que dignificasse e justificasse sua vida aparentemente tão inútil (assim considerada por si próprio).

Estava realmente decidido a realizar (cumprir) o legado a ele deixado pelo músico.

Nos meses que se seguiram foram construídos três blocos de edificações, um deles o administrativo. A casa onde o músico morara foi mantida, tornou-se seu novo (e definitivo, esperava) lar.

- Existem pactos, e existem leis e existem tratados, e vou cumprir todos eles – jurou a si próprio, tornando aquilo a razão de sua vida.

Quando chegara (trazido) a Redenção, faltava-lhe esperança nos olhos.

Agora neles surgira um brilho novo, um alento, que mostrava que suas dores e dúvidas pertenciam muito mais ao passado que ao futuro.

Um dia tudo ficou pronto. Até então, enquanto este dia se aproximava, começou a fazer contatos para dar continuidade ao legado do músico, o objetivo final do que enfim iniciara.

Questionou muitas vezes o nome correto a ser colocado na placa de madeira entalhada que mandaria fazer e colocaria sobre o portão ao lado do flamboyant sempre florido.

Até que, um dia, o óbvio prevaleceu: Flamboyant Florido. Simplesmente.

Na sala que reservara para si no prédio da administração, num lugar de honra, o saxofone num pedestal apropriado.

Que lhe lembraria sempre como tudo acontecera, que constituiria também uma homenagem indireta (?) a todos os homens e mulheres que dedicaram suas vidas em defesa (amparo) do próximo.

Muitas vezes sacrificando a própria vida para possibilitar uma

sociedade mais justa, quase sempre não reconhecidos por essa mesma sociedade. Muitos deles ficaram desconhecidos pelo caminho, mesmo que tivessem protegido e amparado outros que nem mesmo conheciam.

Procurou com afinco, entre os pertences deixados pelo músico, uma fotografia. Nunca a encontrou.

Uma tarde, conversando com a senhorinha d’O Relicário, contou-lhe de sua busca, de sua frustração.

Como sempre, a senhora riu de seu desalento. Levantou-se, abriu uma gaveta, pegou um envelope e o entregou sem dizer nada.

Dentro, a fotografia que ele tanto buscara.

Sentiu os olhos enevoados diante da imagem em preto e branco do musico tocando seu sax, sentindo uma ponta dolorosa de rápida saudade.

- A morte não existe, querido – repetiu-lhe a senhora bondosamente. – Nunca se esqueça disso.

Ergueu os olhos marejados para ela sem se envergonhar de sua dor. Com voz embargada, perguntou:

- Como soube?... Como conseguiu?...

Ela riu, afagou seu rosto num carinho inesperado.

- Esta é uma cidade mágica, lembra-se? Aqui tudo pode acontecer.

Ele segurou a mão dela e a pressionou com suavidade, procurando sentir o que as palavras às vezes são insuficientes para transmitir devidamente. Ou, talvez, procurando apreender o que as palavras não ditas transmitiriam.

- É... eu já deveria ter aprendido isso. Perdoe minhas lágrimas...

A senhorinha riu de seu embaraço. Disse-lhe bondosamente:

- Um dia me disseram que adultos não deveriam chorar. Porque muitos deles não têm mais mães que os consolem. Nunca se envergonhe de lágrimas que vêm do coração, elas só nos dignificam como seres humanos. Muitos consideram isso uma fraqueza. Na realidade, é uma demonstração de força, uma demonstração de grande força. No caso de vocês, é preciso ser muito homem para se permitir chorar.

Ele compreendeu, agradeceu o apoio, a compreensão.

- Mas, diga-me – perguntou ela. – O que pretende fazer com esta foto?

- Ela terá um lugar de honra junto ao saxofone em minha sala. Para que todos saibam quem foi (conheçam) o grande homem que sonhou tudo isso.

A senhorinha riu.

- Então, um dia, sua fotografia também estará ao lado da dele.

Ele se tornou contemplativo por um longo momento. Então respondeu, com cuidado:

- Não precisa... Ademais, será que terei merecimento para isso?

Ela o fitou com bondade.

- Meu filho, isso não lhe cabe julgar, isso compete às pessoas que o conheceram e foram beneficiadas com o que você se propôs.

- Mas eu não sei se isso seria justo. O sonho não foi meu, não é mesmo?

- Pode ser. Talvez não a origem. Lembra-se da letra “Y”? Visualize-a de baixo para cima. Numa primeira etapa temos um só traço, depois ele se bifurca, se torna dois.

- O que a senhora quer dizer exatamente com isso?

- Que não somos nada sozinhos no mundo, meu filho. Na primeira etapa nosso irmão estava sozinho, tinha seus sonhos, mas estava sozinho. Foi preciso que você chegasse para que o traço se bifurcasse, para que “um” se tornasse “dois”. Consegue compreender o que estou dizendo?

O entendimento foi intuitivo, instantâneo.

- Sim senhora. A senhora está bondosamente dizendo que foi necessário que eu chegasse para que nossos desígnios pudessem acontecer.

- Isso mesmo, e não estou sendo bondosa, estou apenas sendo justa e verdadeira.

- E o que acontecerá agora?

- Agora?

- Sim, daqui para frente.

A senhorinha o olhou com seriedade.

- Agora, filho, o “Y” continuará a se desdobrar infinitamente. Cada ramo representará um irmão ou irmã necessitado que precisa do legado que você está concretizando. Dia chegará que as ramificações estarão tão numerosas, que você não verá mais um “Y”. Sabe me dizer o que você verá, o que você está criando?

- Não senhora.

Ela fez uma pausa. Então o deixou sem qualquer ação com a profundidade de sua resposta.

- Você verá um outro flamboyant florido, meu filho.

 

XIII

Naquela cidade mágica um dia ele recebeu uma doação inesperada.

Outra propriedade lhe foi agregada, agora o sítio era mais que um sítio. Agora havia espaço para hortas, pomares, granjas, criadouros, pastagens.

Olhou, orgulhoso, a materialização do sonho que, por desígnios comuns, se tornara o seu sonho, a razão que buscava para sua vida.

Seis meses haviam passado. E tudo parecia ter ocorrido ontem. Mas agora a primeira etapa se concluíra, a segunda se iniciava, deixando-o ansioso, mas confiante.

Numa tarde, tomando o chá a que habituara com a senhorinha, conversando sobre o que estava em conclusão, pediu sua opinião para uma situação que enfrentava sem chegar a uma conclusão.

- Em pouco tempo os blocos começarão a ser ocupados. Mas não gostaria que seus ocupantes tivessem que dar a resposta que normalmente dariam quando indagadas sobre onde moram. Talvez seja uma impressão errônea minha, uma discriminação involuntária, mas creio firmemente que deve existir uma maneira de contornar isso. Quero que as pessoas tenham orgulho e prazer em dizer onde moram. Quero, preciso, que o que estamos fazendo não seja apenas onde moram, mas que o sintam verdadeiramente como um lar.

Ela o fitou, avaliando sua indecisão.

- Não há nada errado com nomes, meu filho. Mas eles são apenas rótulos.

Vejamos o nosso caso. Eu sou o que sou. E você é o que é. Temos um nome, temos documentos que podem dizer quem nós somos. Temos um nome e temos tantas outras coisas que falam de nós, mas nada valem, porque não dizem o que somos, o que pensamos, o que sentimos.

- Isso mesmo, é o que também penso. Mas, teria alguma sugestão?

- Chame-o simplesmente pelo nome que tem: Flamboyant Florido. Veja só como isso soa bonito, como soa até poético. “-Onde você mora?- alguém perguntaria. E teria como resposta: “-No Flamboyant Florido”. Lindo, não é mesmo?

Ele pegou as mãos da senhorinha e as beijou, comovido.

- A senhora tem sempre a resposta certa para as minhas dúvidas. Sim, é lindo. E apropriado. É como será.

Ela riu, até comovida.

- Nossa Redenção é uma cidade mágica, lembra-se?

Chegou a dar um passo, mas voltou-se mais uma vez.

- Temo não estar bem à altura do que preciso fazer – confessou.

A senhorinha o fitou com simpatia.

- Lembra-se da história que lhe contei quando me perguntou que tipo de pessoas vivem aqui?

- Como poderia esquecê-la?

- Pois bem, vou lhe contar agora outra história. Por favor, volte a entrar.

Conduziu então até a janela e lhe perguntou:

— O que veria através dos vidros, se do outro lado houvesse pessoas? Deixe sua imaginação encontrar a resposta apropriada.

Pensou, por um instante.

— Veria homens que vão e vêm e um cego pedindo esmolas na rua.

A senhora, então, conduziu-o a um grande espelho e perguntou:

— Olha neste espelho e dize-me o que vê agora.

— Vejo a mim mesmo.

— E já não vês os outros! ... Repara que a janela e o espelho são feitos da mesma matéria-prima, o vidro. Mas no espelho, porque há uma fina camada de prata colada no vidro, não vês nele mais do que a sua pessoa. Deves comparar-te a estas duas espécies de vidro: pobre, vias os outros e tinhas compaixão por eles; coberto de prata - rico - vês apenas a ti

mesmo.

Olhou-o com seriedade.

- Que tipo de pessoa você é, meu filho? Que tipo de pessoa você quer ser?

Você chegou aqui achando que sua vida era inútil. Espero que agora você saiba que isso está mudando, mesmo que você não o sinta ainda. Você pode se achar um inútil, mas está errado. E isso me leva a lhe contar outra história. Está disposto a ouvi-la?

- Por favor... – respondeu, atento. Ela então prosseguiu:

- Um carregador de água na Índia levava dois potes grandes, ambos pendurados em cada ponta de uma vara que ele transportava atravessada nos ombros. Um dos potes tinha uma rachadura, enquanto o outro era perfeito e sempre chegava cheio de água no fim da longa jornada entre o poço e a casa do chefe. O pote rachado chegava apenas pela metade.

Interrompeu-se por um instante, deixando que as palavras fossem realmente compreendidas. E então continuou:

- Foi assim por dois anos, diariamente o carregador entregando um pote e meio de água na casa de seu chefe. O pote perfeito estava orgulhoso de suas realizações. O pote rachado, porém, estava envergonhado de sua imperfeição e sentia-se miserável por ser capaz de realizar apenas a metade do que ele havia sido designado a fazer.

- Onde aquela história terminaria? – perguntou-se. – Onde ele a levaria?

A senhora continuou, sem pressa:

- Após perceber que por dois anos havia sido uma falha amarga, o pote disse ao homem um dia à beira do poço: “- Estou envergonhado e quero pedir-lhe desculpas”.  “- Por quê? - perguntou o homem. - Do que você está envergonhado?”.

- Nesses dois anos eu fui capaz de entregar apenas a metade da minha carga, porque essa rachadura no meu lado faz com que a água vaze por todo o caminho da casa de seu senhor. Por causa do meu defeito, você tem de fazer todo esse trabalho e não ganha o salário completo dos seus esforços – disse o pote.

O homem ficou triste pela situação do velho pote e, com compaixão, disse: - Quando retornarmos para a casa de meu senhor, quero que perceba as flores ao longo do caminho.

De fato, à medida que eles subiam a montanha, o velho pote rachado notou lindas flores ao lado do caminho, e isso lhe deu certo ânimo. Mas, ao fim da estrada, o pote ainda se sentia mal porque tinha vazado a metade e, de novo, pediu desculpas ao homem por sua falha. O homem disse ao pote:

— Você notou que pelo caminho só havia flores no seu lado? Ao conhecer seu defeito, tirei vantagem dele e lancei sementes de flores no seu lado do caminho, e cada dia, enquanto voltávamos do poço, você as regava. Por dois anos eu pude colher flores para ornamentar a mesa de meu senhor. Sem você ser do jeito que é, ele não poderia ter esta beleza para dar

graça à sua casa.

A compreensão da parábola o atingiu profundamente, mas sua confusão ainda persistia perguntou:

- Desculpe...  o que a senhora quer dizer exatamente com isso?

Ela sorriu bondosamente. Segurou suas mãos e então respondeu:

- Ainda não se deu conta que você é um pote rachado que está começando a enfeitar com flores o caminho da vida de tanta gente que precisa?

Ele se sentiu comovido. Então a beijou na testa e lhe disse com suavidade:

- A senhora é uma mulher generosa... e sábia...

Ela riu, divertiu-se com sua confusão.

- Sabe, não é à toa que meu nome é Sophia... – arreliou.

- Sei... Sophia significa sabedoria... é muito apropriado, no seu caso...

- E você, moço, como se chama?

- Gabriel – disse, simplesmente.

- Sabe o que seu nome significa, meu filho?

Ele apenas negaceou om a cabeça.

- Gabriel significa Mensageiro de Deus, meu filho.

(continua)

 

Leia:

Flamboyant Florido Intróito ao cap. II

 

Flamboyant Florido cap III ao cap. IV

 

Flamboyant Florido cap V ao cap. VIII

 

Flamboyant Florido cap IX ao cap. XI

 

 

 

 



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