Por G1 SP
22/05/2018 09h42 Atualizado há 30 minutos
Morre, aos 86 anos, o jornalista Alberto Dines
O fundador do Observatório da Imprensa, o jornalista Alberto Dines,morreu aos 86 anos às 7h15 terça-feira (22), em São Paulo. Criado na década de 1990, o Observatório é uma iniciativa que analisa a atuação da imprensa.
Dines morreu no Hospital Albert Einstein, no Morumbi, Zona Sul da capital paulista, segundo nota do Observatório da Imprensa. Por decisão da família, o hospital não pode informar as causas da morte. Dines deixa mulher e quatro filhos.
"É com profunda tristeza que a equipe do Observatório da Imprensa comunica o falecimento de seu fundador, Alberto Dines (1932-2018), na manhã de hoje no hospital Albert Einstein, em São Paulo. Estamos preparando uma edição especial sobre o legado do Mestre Dines a ser publicada em breve", diz nota.
Alberto Dines em dezembro de 2012 (Foto: Ana Paula Oliveira Migliari/TV Brasil/EBC)
Alberto Dines nasceu no Rio de Janeiro em 19 de fevereiro de 1932. Iniciou sua carreira no jornalismo em 1952 na revista "A Cena Muda" e, no ano seguinte, mudou-se para a revista "Visão" para cobrir assuntos ligados à vida artística, como teatro e cinema. Logo depois, passou a fazer reportagens sobre política.
Em 1957, ele trabalhou para a revista "Manchete", até se demitir da empresa. Em 1959, assumiu a direção do segundo caderno do jornal "Última Hora", de Samuel Wainer. Já em 1960, colaborou para o jornal "Tribuna da Imprensa".
Em 1960, convidado por João Calmon, dirigiu o jornal "Diário da Noite", dos "Diários Associados", de Assis Chateaubriand. Já em 1962 tornou-se editor-chefe do "Jornal do Brasil", no qual ficou por 12 anos. No jornal, ele coordenou uma grande reforma gráfica e criou novas seções.
Segundo Manuel do Nascimento Brito, diretor do "Jornal do Brasil", com "a entrada de Dines, a reformulação do jornal foi afinal consolidada, pois ele sistematizou as modificações que levaram o JB a ocupar outra posição na imprensa brasileira".
Desde 1963, Dines também era professor na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Ele criou as disciplinas de Jornalismo Comparado e de Teoria da Imprensa.
Na promulgação do Ato Institucional Nº 5 (AI-5), em 13 de dezembro de 1968, durante a ditadura militar, coordenou a edição da primeira página que usou termos da previsão do tempo para narrar o momento político – “Tempo negro. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos...” – como parte de uma estratégia para denunciar a censura imposta à redação a partir de então.
O Núcleo de Memória da PUC-RJ diz que, naquele ano, militares haviam ocupado as redações para fazer uma censura prévia. No JB revisaram as provas do jornal de Dines, mas a edição impressa era diferente da que havia sido aprovada – classificados estavam na primeira página e havia outras mudanças, para indicar ao leitor que algo estava errado. O jornal chegou a ser proibido de circular, mas voltou após assumir um compromisso de autocensura.
Capa do 'Jornal do Brasil' de 14 de dezembro de 1968 manchetou o momento em que o governo baixou o AI5 (Foto: Jornal do Brasil/CPDoc JB)
Em uma formatura de alunos da PUC, em 1968, Dines fez um discurso criticando a censura. Dois dias depois, ele foi chamado a depor na Polícia Federal e acabou preso por alguns dias.
Dines relembrou o caso mais tarde: "Era um protesto juvenil e veemente contra a censura, pela liberdade de expressão e pela democracia, porque uma coisa não existe sem a outra. E aí veio o ato, na sexta-feira antes da formatura. Eu teria que mudar o discurso, porque os censores entraram no jornal e ficaram na minha sala, vigiando."
"Eu sabia que haveria consequências, mas não imaginava que fosse ser preso. Temos que arriscar. São desafios que a vida profissional oferece e temos que saber aceitá-los, porque senão ficamos à margem da vida."
Outro episódio que marcou sua passagem pelo JB foi a cobertura do golpe que depôs o presidente chileno Salvador Allende, em 11 de setembro de 1973. A censura havia proibido a publicação de manchetes sobre o assunto, então Dines coordenou a edição de uma primeira página sem títulos, mas com um longo texto contando o que aconteceu no Chile. O jornalista foi demitido do JB naquele ano.
Morte de Salvador Allende foi noticiada na capa do 'Jornal do Brasil' sem título, após determinação do governo militar (Foto: Jornal do Brasil/CPDoc JB)
Ele também tem passagem pela "Folha de S.Paulo" e a Editora Abril.
Em 1994, fundou o Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), junto com os professores Carlos Vogt e José Marques de Melo. O objetivo era criar um centro de pesquisa e acompanhamento crítico da mídia. A partir de 1999, o Labjor passou a oferecer um curso de pós-graduação de Jornalismo Científico.
Entre os principais livros publicados por Alberto Dines estão "Morte no Paraíso - A tragédia de Stefan Zweig", "Diários Completos do Capitao Dreyfus", "Por que não eu?", "O papel do jornal e a profissão de jornalista" e "A imprensa em questão".
O Observatório é uma entidade civil, não-governamental, não-corporativa e não-partidária que acompanha o desempenho da mídia brasileira. Funciona como um fórum que permite debates diversos sobre coberturas jornalísticas.
Como site, nasceu em 1996, por iniciativa do Projor (Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo) e projeto original do Labjor, da Unicamp.
Em maio de 1998, o Observatório da Imprensa ganhou uma versão televisiva, produzida pela TVE do Rio de Janeiro e TV Cultura de São Paulo, e transmitida semanalmente pela Rede Pública de Televisão.
Alberto Dines em dezembro de 2012 (Foto: Ana Paula Oliveira Migliari/TV Brasil/EBC)
Ao longo da vida, Dines foi um grande crítico da imprensa. Veja algumas das suas falas marcantes:
"A imprensa não tem tempo de refletir. Os furos se sucedem de minuto a minuto, os ídolos caem de podres antes de subir, não se confia em ninguém e nada sobra do que ontem era status. Surreal."
"Todo jornalismo é investigativo, ou não é jornalismo. Donde se conclui que o que lemos, ouvimos e vemos todos os dias na imprensa não é jornalismo. Jornalismo hifenado, interpretativo, opinativo ou meta-qualquer-coisa, ou é um hífen ou uma cláusula limitativa."
"Se nossos jornalistas e opinionistas tivessem competência e discernimento para utilizar ferramentas de busca da internet nosso jornalismo talvez fosse menos precário e mais denso."
Alberto Dines era crítico de regimes autoritários (Foto: Ana Paula Oliveira Migliari/TV Brasil/EBC)
No Twitter, o presidente Michel Temer lamentou a morte de Dines. "O jornalismo brasileiro perde um dos pilares da ética e do profissionalismo. Alberto Dines passou pelos mais importantes veículos do país e criou uma geração de jornalistas comprometidos com a correção da informação. Meus cumprimentos à família."
Amigo de Dines, o jornalista Juca Kfouri lamentou a morte e disse que Dines "vinha sofrendo muito já faz tempo e sua morte interrompe dias que não lhe faziam justiça. É curioso. O descanso dele, pelo qual torci, não consola agora".
O colunista do Globo, Bernardo Mello Franco, disse que Dines "driblou a censura e produziu a primeira página mais brilhante do "Jornal do Brasil".
Alberto Dines em fevereiro de 2011 (Foto: Renato Velasco/TV Brasil/EBC)