Nelson Mandela já dizia que só se conhece uma nação quando visitamos uma de suas prisões, já que um país não deve ser julgado pelo tratamento aos seus cidadãos mais ilustres e sim pelo tratamento dispensado aos mais simplórios. Sendo assim, o país deveria se envergonhar. O Brasil possui a quarta maior população carcerária do mundo. Em contrapartida, menos de 10% dos homicídios no país são solucionados. Isso significa que o país prende muito e mal. Os presídios estão lotados, pesquisas apontam um déficit de 250 mil vagas aproximadamente. Com isso, a superlotação acarreta os mais diversos problemas.
As rebeliões ocorrem corriqueiramente, cenas horríveis de violência e degradação. Os presos reivindicam melhores condições de saúde,alimentação, vestuário,além de maior proteção à integridade física. As celas onde eles vivem são apertadas,úmidas e fétidas. Em muitas prisões, as pessoas vivem como animais. Os presos são desumanizados, não são tratados como sujeitos de direito e sim como coisas. O princípio da dignidade humana e os direitos dele decorridos assegurados na Constituição são ignorados. A Lei de Execução Penal estipula diversas garantias, porém elas não ultrapassam o plano teórico. Como exemplo, os artigos 10 e 11 da LEP :
Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.
Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso.
Art. 11. A assistência será:
I - material;
II - à saúde;
III -jurídica;
IV - educacional;
V - social;
VI - religiosa
O Estado tem sido ineficaz de cumprir com seu dever e proporcionar condições mínimas a essas pessoas e quanto mais o número de encarcerados cresce, maior o problema fica. Estudiosos apontam a descriminalização das drogas como alternativa para desafogar as prisões, já que o encarceramento em massa tem uma íntima relação com o tráfico de drogas. Grande parte dos presos hoje cumpre pena por esse crime, entretanto observa-se que em muitos casos não são pessoas perigosas e o encarceramento as tornam piores. TEIXEIRA (2014) ilustra bem a situação no trecho :
Nas cadeias superlotadas, o que por si só configura grave violação dos direitos humanos, eles conviveram com as ameaças e o assédio permanente das facções criminosas que atuam no interior dos presídios .Quando saírem, depois de um longo tempo de aprendizado, estes jovens que muitas vezes eram apenas usuários estarão aptos a praticar crimes violentos,tornando-se, aí sim, perigo concreto para a sociedade.
A Lei 11.343/2006 apesar de ser positiva no aspecto de cominar sanções alternativas à prisão no caso dos usuários, pecou ao não estabelecer critérios objetivos para diferenciar o traficante e o usuário. Essa valoração acaba ficando a cargo da polícia ou do juiz que utilizam da sua subjetividade para decidir. É claro que essa discricionariedade acaba causando injustiças. Além disso, aumentou a pena mínima para esse crime de 3 para 5 anos. Sobre o assunto, BOITEUX (2014) afirma:
Assim,o sistema brasileiro de controle de drogas atua de forma seletiva e autoritária,pois não limita o poder punitivo,pelo contrário, deixa de estabelecer limites e contornos diferenciadores exatos para as figuras do usuário, do pequeno,médio e grande traficante, e atribui às autoridades,no caso concreto,ampla margem de discricionariedade, o que acarreta uma aplicação injusta da lei.
O encarceramento feminino também sofreu um boom após a Lei 11.343/2006. No caso das mulheres, o problema é ainda maior, pois os cárceres foram pensados para os homens e as presas acabam ficando com os 'restos' do sistema prisional masculino. E a condição de ser mulher envolve questões complexas, como a maternidade. Quando o Estado aprisiona uma mulher, uma família inteira é destruída, muitos filhos vão para abrigos, para o mundo do crime e etc. Considerando a questão, fica evidente que essa atitude drástica deve ser evitada ao máximo, a prisão cabe aos casos mais sérios, como os crimes dolosos contra a vida. A maioria das mulheres presas pelo tráfico desempenham papéis menos relevantes e correm os maiores riscos, como por exemplo na função de 'mulas'. Defende-se que nesses casos sejam aplicadas penas alternativas com efeitos menos graves que a prisão.
Levando em consideração todo o exposto, conclui-se que a descriminalização tem de ser debatida. O Brasil adota há anos uma postura repressiva/proibicionista em relação às drogas e essa política é um fracasso. As drogas estão mais abundantes, baratas e acessíveis do que nunca. O consumo aumentou. O tão desejado mundo sem drogas não passa de utopia. O narcotráfico movimenta somas gigantescas de dinheiro. O lucro obtido com os entorpecentes é usado especialmente para comprar armas e financiar outros crimes. Infelizmente, o que a polícia tem feito causa quase nenhum impacto nesse mercado ilegal. Ela alcança apenas a ponta do problema: os pequenos traficantes não violentos, primários e desarmados. Enquanto isso, os grandes traficantes continuam a lavar dinheiro em bancos e em empresas de fachada.
Além disso, os efeitos dessa guerra são fatais para muitas pessoas que vivem nas periferias e lidam com tiroteios todos os dias. No Rio de Janeiro, por exemplo, diariamente são noticiadas mortes por bala perdida relacionadas a confrontos de policiais e traficantes. Todos os anos, muito dinheiro é investido ao combate ao tráfico, mas os resultados estão longe dos esperados. As drogas são um problema de saúde pública e não de Direito Penal, a descriminalização proporcionaria uma regulamentação e controle do problema. O caminho da proibição trouxe o país até a situação atual e certamente algo deve ser feito. O assunto deve ser discutido exaustivamente e sem preconceitos, buscando assim alternativas viáveis para os problemas apresentados.
Alguns países da Europa e o Uruguai já avançaram nessa questão dos entorpecentes. A maconha na Holanda é vendida em lugares específicos para o consumo recreativo, com isso, o usuário não precisa mais procurar a figura do traficante. A cannabis é considerada pelo senso comum como porta de entrada para outras drogas, porém o que muitas vezes acontece é que o traficante oferece as drogas mais pesadas e influencia o usuário, eliminando esse contato diminui o risco do usuário consumir drogas mais prejudiciais, como o crack.
O foco precisa ser na prevenção e no tratamento. O Estado deve dar estrutura, principalmente aos jovens, para que não façam uso dessas substâncias e caso façam sejam tratados com dignidade. As drogas ilícitas fazem mal, assim como o tabaco e o álcool, e devem ser evitadas. Mas não adianta ter a ilusão de uma mundo livre de drogas. O problema existe e deve ser encarado com sabedoria. Se o Estado não fosse tão falho em áreas como Educação e Saúde, com certeza, as prisões não estariam tão lotadas e o problema com entorpecentes seria menor. A sociedade precisa entender que o Direito Penal não resolve tudo, o cárcere é essencial, mas para os casos extremos e mesmo nesses casos os direitos assegurados ao preso devem ser efetivos.O Brasil não solucionará suas mazelas prendendo cada vez mais.
Depois de toda essa reflexão, conclui-se que a superlotação carcerária e o tráfico de drogas são dois problemas sérios que o país enfrenta na atualidade e devem ser analisados em conjunto por terem uma forte relação. Amenizando um problema, diminui-se o outro. A proibição por si só não resolve nada, lota as cadeias e o Estado não consegue lidar com o inchaço populacional nas prisões. É o momento de mudar as estratégias e buscar soluções reais e efetivas.
BIBLIOGRAFIA:
BOITEUX,Luciana. Drogas e cárcere: repressão às drogas, aumento da população penitenciária brasileira e alternativas. In: DROGAS: UMA NOVA PERSPECTIVA. São Paulo, 2014. P.83-104.
TEIXEIRA, Paulo. Uma nova estratégia para política de drogas. In: DROGAS: UMA NOVA PERSPECTIVA. São Paulo, 2014. P.131-136
Acesso em : 21 de agosto de 2017 <http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,pais-precisa-der10-bilhoes-para-acabar-com-deficit-prisional-diz-cnj,10000099100>
Acesso em : 22 de agosto de 2017 <http://g1.globo.com/política/noticia/um-em-cada-tres-presos-do-pais-responde-por-trafico-de-drogas.ghtml>
Acesso em : 22 de agosto de 2017 <http://g1.globo.com/jornal-da-globo/noticia/2014/04/maioria-dos-crimes-no-brasil-nao-chega-ser-soluc...>