Uma licitação para a compra de café, lançada pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, chama a atenção por uma exigência no edital do pregão: o produto precisa ser da categoria gourmet, como são definidos os cafés produzidos exclusivamente com o grão do tipo arábica, considerados os mais requintados e de maior valor no mercado.
É esse o cafezinho servido para juízes, desembargadores e demais servidores do Poder Judiciário do Estado desde 2010. Marcas comuns do dia a dia, normalmente presentes nas repartições públicas, não ganham o mesmo selo e têm preços menores porque misturam outros grãos à fórmula. A previsão do TJ-SC é de que sejam compradas até 43 toneladas de café gourmet dentro de um ano. É o maior volume já licitado pelo tribunal.
O valor máximo a ser empenhado será de R$ 1,33 milhão, que corresponde a R$ 33,11 por quilo. As propostas, no entanto, podem apresentar valores abaixo dessa estimativa. Atualmente, o TJ-SC paga R$ 29,80 por quilo. Apesar de ser uma exigência do tribunal nos últimos anos, a preferência pela categoria mais exclusiva de cafés não é uma regra. Em 2009, o próprio Judiciário catarinense admitia a compra de embalagens das categorias tradicional ou superior, que estão em patamares mais baixos e são mais baratas.
Duas licitações realizadas pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul no ano passado, por exemplo, exigiam cafés apenas do tipo superior. O Ministério Público de Santa Catarina, que abrirá pregão para a compra do produto na próxima segunda, também não exige que o café seja, necessariamente, da categoria gourmet.
A reportagem da RBS TV analisou detalhes do edital e questionou o Tribunal de Justiça de Santa Catarina sobre a preferência pela versão gourmet em vez da tradicional. Também perguntou se o TJ-SC entendia como moralmente viável a escolha por um café mais caro em meio à crise econômica. Em nota, o tribunal respondeu que a qualidade do café servido não é "notícia nova" por ser a mesma desde 2008. Houve modificação da categoria, diz a nota, porque o café tradicional é composto por mistura de outros cereais, incluindo milho.
O TJ-SC também observou que pagará somente pela quantidade que for consumida dentro de um ano. O produto abastecerá 13 mil colaboradores em 111 comarcas, além da sede do tribunal. A nota ainda aponta que o valor máximo de R$ 31,11 por quilo serve de referência para a licitação e está dentro do patamar de mercado. "Chegou-se a este valor após a realização de pesquisa de mercado junto a fornecedores, preços praticados no comercio varejista pela internet e em sites governamentais", diz o texto.
A nota também informa que o fornecimento de café aos servidores passou por otimização na atual gestão mediante a colocação de garrafas térmicas nos corredores e limitação do horário de fornecimento. O Tribunal de Justiça não confirmou quais quantidades foram efetivamente consumidas a cada ano.
As propostas do pregão deveriam ser conhecidas nesta quinta-feira. Mas, segundo o TJ-SC informou nesta quarta, a abertura foi suspensa na segunda-feira porque um dos concorrentes solicitou a flexibilização do tamanho das embalagens. Além de 500 gramas, deverão ser aceitas também de 250 gramas para ampliar a participação de interessados. Com a mudança, o edital terá de ser republicado, mas o pregão deve ocorrer ainda este mês.
Associação orienta licitações públicas
A classificação de cafés tradicionais, superiores ou gourmets é definida numa escala formulada pela Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), com notas que variam de zero a 10. Cada nota é resultado da percepção dos atributos da bebida, de aromas e grau de intensidade. Quanto mais aromático, melhor a qualidade do café e a nota.
Essa mesma escala deve constar obrigatoriamente nos editais para a compra de café no poder público. A própria Abic oferece modelos prontos para a elaboração dos documentos. Assim, ao apontar notas mínimas e máximas, a licitação evita surpresas porque determina o nível de qualidade do produto a ser comprado. Ou seja, o órgão comprador não precisa, necessariamente, exigir que o café seja do tipo gourmet apenas para evitar o risco de comprar um café de baixa qualidade.
Na avaliação do presidente da Comissão de Licitações e Contratos da OAB/SC, Felipe Boselli, caberia aos responsáveis pelas contratações justificar no processo qual o motivo de determinada escolha e como aquela contratação beneficiaria a atividade fim daquele órgão público.
O advogado entende que a ideia de princípio da eficiência torna discutível o uso de dinheiro público na compra de café. Todo desembolso de verba pública, defende Boselli, deve trazer benefícios à população.
A Abic determina uma classificação sobre a qualidade dos cafés, que é obrigatória nas licitações. A nota é resultado da percepção dos atributos da bebida, de aromas e grau de intensidade. Quanto mais aromático, melhor a qualidade do café e a nota.
0 a 4,4Não recomendável.4,5 a 5,9
Café tradicional ou extraforte. Para o consumo do dia a dia, com custo menor. São comparados aos vinhos de mesa, voltados ao consumo diário, que têm qualidade regular.
6,0 a 7,2
Cafés superiores. De qualidade boa e sabor mais acentuado, superior ao tradicional, com mais custo agregado. São comparáveis a vinhos superiores, de escala intermediária.
7,3 a 10
Cafés gourmet. Excelente, exclusivo e de alta qualidade, com sabor e aroma mais suaves por causa da seleção dos grãos. Por isso, também mais caros que os demais. São como vinhos finos, mais raros e exclusivos.
Fonte: Abic
Desde 2010 o Tribunal de Justiça de Santa Catarina lança licitações para a compra de café do tipo gourmet. As concorrências têm um mesmo vencedor desde 2011. Em 2009, o pregão exigia apenas que o produto fosse de qualidade tradicional ou superior, com nota mínima de 5,5 no padrão Abic. A licitação atual tem exigência de nota mínima de 7,3. 2017 (estimativa)
43 toneladas (R$ 1.337.730,00)
Preço por quilo: R$ 31,11
2016
36 toneladas (R$ 1.072.800,00)
Preço por quilo: R$ 29,80
2015
34 toneladas (R$ 867 mil)
Preço por quilo: R$ 25,50
2014
32 toneladas (R$ 729.280,00)
Preço por quilo: R$ 22,79
2013
32 toneladas (R$ 639.680,00)
Preço por quilo: R$ 19,99
2012
25 toneladas (R$ 540.250,00)
Preço por quilo: 21,61
2011
25 toneladas (R$ 456 mil)
Preço por quilo: R$ 18,24
2010
18 toneladas (R$ 260.100)
Preço por quilo: R$ 14,45
MPSC
O Ministério Púlblico de SC abre pregão no próximo dia 26 para compra de café torrado e moído, com nota mínima de 7,0 no padrão Abic (não necessariamente gourmet).
Máximo de 27 mil embalagens de 500 gramas (preço máximo de R$ 17,34 por unidade de meio quilo).
ALESC
A Alesc lançou licitação em novembro do ano passado para a compra de café goumert, com nota mínima de 7,3 no padrão Abic
Fornecimento estimado de 4,2 toneladas ao ano (valor estimado de R$ 36,50 por quilo)
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
O TJ-RS lançou duas licitações no ano passado para a compra de café do tipo superior, com nota mínima de 6,5 e máxima de 7,2 no padrão Abic.
Lotes foram comprados com preços de R$ 13,25 e R$ 13,30 por pacotes de 500 gramas.