Todos os dias, são cinco roupas para separar, cinco penteados a fazer, cinco pratos de almoço para servir. “É bastante difícil criar cinco filhas sozinha", diz Sidneia Daufemback Batista, moradora de Braço do Norte, no Sul catarinense, e mãe das quíntuplas Evelin, Isadora, Poliana, Samanta e Vitória, de 6 anos. O arranjo familiar de Sidneia é exceção em Santa Catarina: o estado tem o menor índice do país de famílias formadas só por mães e seus filhos.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2015, do IBGE, o estado tem 281,3 mil famílias formadas por mulheres com filhos e sem cônjuge, o que representa 11,2% das famílias. O estado com maior índice é o Amapá, com 20,6%.
Esses números consideram mulheres divorciadas, viúvas e solteiras. Por serem baseados em dados amostrais, não é possível determinar a faixa de idade dessas mães, de acordo com o IBGE.
"Precisa se organizar com horários do dia a dia porque elas têm escola, tarefas, cursos, e precisa se dividir para atender todas as meninas e não explodir, não perder a paciência", diz Sidneia. "Elas não têm culpa de serem cinco e de terem só a mãe para cuidar.”
Para a professora Luciana Zucco, do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a colocação de Santa Catarina como o estado com menos mães solteiras pode ser resultado de vários fatores.
“Não há uma única explicação. Talvez esse número esteja acompanhando a redução da taxa de fecundidade que o estado apresenta desde 2000 e destacada pelo IBGE em 2015. Podemos pensar que essa é uma tendência", diz.
"Pode ser o acesso a políticas públicas, a problematização da condição de pensar ou não em ser mãe. A redução da taxa de fecundidade se dá para todos, homens e mulheres”, afirma a professora Luciana Zucco.
Para ela, as discussões sobre o espaço da mulher na sociedade e o crescente envolvimento delas em ações políticas estão entre os motivos que influenciam o índice do IBGE. O aumento gradativo da inserção da mulher ao mercado de trabalho e o acesso à escolaridade e à saúde, incluindo métodos contraceptivos, também têm influência, segundo a professora.
“A gente não pode desconsiderar: as ações das mulheres, tanto no campo acadêmico quanto político, dos espaços para discussão de gênero; as discussões sobre os espaços de trabalho que elas ocupam. Tem uma ação política histórica das mulheres brasileiras que problematiza as situações em que elas se encontram e que se espraia por diferentes instituições sociais, sendo um conflito para novos posicionamentos sobre futuro pessoal, familiar e profissional”, diz.
Sidneia cria as filhas sozinha em Braço do Norte, SC (Foto: Sidneia Daufemback Batista/Arquivo pessoal)
“Agora elas estão na curiosidade. Já perguntaram por que é só a mamãe, expliquei. Conforme vai conversando, elas vão entendendo. Elas são muito observadoras”, diz Sidneia. O pai das meninas e Sidneia se separaram quando as quíntuplas tinham apenas 6 meses. Atualmente, ele contribui com uma única pensão para as cinco meninas num valor que não chega à metade do salário mínimo. Ele não vê as filhas há cerca de um ano.
Em dias úteis, Sidneia se dedica à rotina das filhas. Aos fins de semana, faz alguns bicos com decoração de festas. Para ela, o lado financeiro é o mais difícil na criação. "A gente busca apoio uma das outras e se ajuda, uma irmã ajuda a outra. É tudo na risca para não ultrapassar nada. Tenho que me virar com o que tem. O lado financeiro é bem complicado”, diz Sidneia.
Há dez meses, a empreendedora de marketing digital e pré-vendas Alanna Kern, de 27 anos, se desdobra para conciliar a vida de mãe e empresária em Florianópolis. Com uma mão, ela digita, escreve, telefona, enquanto segura o filho com a outra. Para ela, o lado financeiro também é uma preocupação.
“Não tenho referência de como é criar um primeiro filho com o pai junto porque estou sozinha desde que ele nasceu", diz Alanna.
"Então não sei se seria melhor ou pior criar com o pai, porque não tenho referência, mas sei que se tivesse outra pessoa, a parte financeira seria mais fácil”, diz a empreendedora. O pai do pequeno Pedro Henrique ajuda com uma pensão de R$ 700 e vê o filho com pouca frequência.
No caso das duas mães, a família é apoio fundamental na criação dos filhos. “A família sempre me ajuda. Tem um auxílio do estado, que não dá pra passar o mês. Minha mãe me ajudava bastante, mas faleceu há quatro meses. Contamos com apoio de outras pessoas, mas é cada vez menos”, conta a mãe das quíntuplas.
O apoio do governo do estado a que Sidneia se refere é de aproximadamente R$ 1, 5 mil, garantidos desde o nascimento até os 6 anos, e que Sidineia conseguiu prorrogar até as meninas completarem 12 anos.
O auxílio sai do programa para Gestação Múltipla para situações em que famílias têm trigêmeos ou mais, como explica Paloma Mariucci, coordenadora na Gerencia de Monitoramento e Avaliação do Sistema Único de Assistência Social (Suas -Gemav), setor integrante da Secretaria de Estado da Assistência Social, Trabalho e Habitação.
Segundo ela, a secretaria não possui estudos específicos sobre os números levantados pelo IBGE, que colocam Santa Catarina como estado com menos famílias formadas somente por mães e seus filhos.
Quíntuplas são criadas pela só mãe no Sul de SC há seis anos (Foto: Sidneia Daufemback Batista/Arquivo pessoal)
“Santa Catarina sempre aparece como primeiro colocado em várias situações, apesar de ter muitas desigualdades", diz a coordenadora do Suas-Gemav. "De modo geral, os números de Santa Catarina são muitos bons em relação à renda, trabalho, em comparação a outros estados. Mas não é possível afirmar se isso teria alguma relação com esse número de famílias. Seria necessário fazer um levantamento para entender a possível motivação”, afirma Paloma Mariucci.
Os números positivos mencionados por Paloma são vistos pela professora Luciana Zucco como possível influenciador. “Se tem uma situação particular, em termos de indicadores de pobreza, números que indicam acesso ao mercado, à educação, era assim antes de 2015”, diz a professora universitária.
No entanto, para ela, isso não significa qualidade em termos de políticas públicas. “Se comparado nacionalmente, há diferenças em nosso estado, mas penso que temos um conjunto do movimento feminista, da discussão da condição de vulnerabilidade da mulher que também contribui para esses dados”, afirma a professora.
O Índice de Desenvolvimento Humano catarinense em 2013 girava em torno de 0,774. Mesmo assim, há pobreza concentrada em algumas regiões catarinenses. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário, em 2015 havia 291.663 pessoas na linha da extrema pobreza no estado. Para Paloma, essa concentração está especialmente no Oeste e na Serra.
Alanna cria o filho sozinha (Foto: Nat Brasil Fotografia)
De acordo com a professora Luciana, como os dados são de 2015, os números catarinenses podem mudar . “A atual situação econômica e política reverberará no próximo Censo, trazendo outros dados”, diz. Alanna, por exemplo, não foi contabilizada nos dados de 2015 da Pnad, já que teve o bebê em 2016.
Luciana acredita ainda que, atualmente, muitos pais e mães pensam melhor antes de terem filhos, justamente em razão da necessidade de conciliar os cuidados e o trabalho. “Temos um problema seriíssimo de acesso a creches, dificuldade das mulheres e de homens em colocarem seus filhos na creche. Mas a mulher ainda é protagonista para denunciar a dificuldade de acesso a creche”, diz a especialista.
Porém, também há quem não leve os filhos com poucos meses para creches por opção. É o caso de Alanna, que quer tentar aproveitar ao máximo os momentos com o filho.
“Na melhor situação, não quero que ele vá para creche até os 2 anos. Quero que ele mame até os 2 anos, que é uma recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e quero prover isso para o meu filho. Mas com isso, não posso ter carteira assinada, por exemplo. Não encontrei uma empresa que permita isso, de ter meu filho próximo, e também sou empreendedora”, diz a mãe.
“Tem que encarar numa boa, criança não é aquela dificuldade de se criar. A gente vai conversando. A gente consegue. Um homem pode criar os filhos sozinho, uma mulher pode criar os filhos sozinha”, diz Sidneia.
Para Alanna, no entanto, a responsabilidade de ser mãe sozinha é o maior desafio. “O peso da responsabilidade de criar uma criança sozinha é a maior dificuldade, é algo que impacta em todos minutos da minha vida. Se minhas amigas convidam para sair numa sexta à noite, por exemplo, não posso porque tenho que cuidar do meu filho. Tenho uma babá, mas no tempo que ela está com ele, tenho que trabalhar e também tomar banho, comer alguma coisa."
“Já passei por tantas dificuldades que hoje encaro tudo numa boa. As crianças estando com saúde e eu também, não estando devendo para ninguém, está bom. Tem o cansaço físico, mas num dia a gente está cansada, no outro está tudo bem. Às vezes dou uma hora para mim, para descansar”, afirma Sidneia.
“O lado bom é que a gente se entende, na hora de chamar atenção, eu converso, não tem outra pessoa para passar a mão na cabeça, elas me respeitam muito. Elas entendem que têm que colaborar com atividades, criam responsabilidade mais cedo”, diz a mãe das quíntuplas.
A possibilidade de criar o filho do seu jeito também é vista como vantagem por Alanna. “Só depende de mim oferecer um lar saudável para ele. Saudável que eu digo é não ouvir discussões, por exemplo. Tenho a liberdade de criar meu filho do jeito que quero, acordo com ele todo dia, brinco, damos risadas”, conta.
E ela dá incentivo para as mães e para os pais que possam estar passando por alguns “perrengues”. “Algo que acho muito importante é falar, não guardar tudo para gente. Entrei na internet em grupos de mães solteiras e vi que tinha mães em situação pior que a minha. Outra coisa legal é falar frases de empoderamento. Por exemplo, existe o ideal e o possível. Pensar que é fase”, coloca Alanna, que inclusive procura outra mãe solteira para morar no mesmo espaço e dividir despesas, desafios e experiências.