Infração prevista em lei desde o governo Vargas vem sendo praticada até hoje. EmJoinville, tudo começou em 2013, quando uma funcionária de uma ótica foi fazer um exame de visão e, durante a consulta, o profissional a indicou um estabelecimento para fazer os seus óculos. Ela, na inocência, comentou o fato com o seu gerente e disse que seria interessante que eles fizessem isso também, pois conseguiriam mais clientes. A partir daí, o ótico, percebendo a prática ilegal e a concorrência desleal, procurou o sindicato e deu-se início às investigações. Desde 2013, sob denúncias recebidas, investigações foram feitas pelo Sindicato do Comércio Varejista de Material Óptico, Fotográfico e Cinematográfico do Estado de Santa Catarina (Sindióptica-SC) sobre um possível comportamento antiético praticado por oftalmologistas e óticos de Joinville.
Conforme o Código de Ética da profissão (Parecer CFM nº 09/86) e resoluções dos Conselhos Regional e Federal de medicina, o oftalmologista, em seu exercício, é vedado de manter qualquer interação com comércios de prescrição médica de qualquer natureza. Para a Câmara de Dirigentes Lojistas de Joinville (CDL), este ato gera concorrência desleal no mercado. Há seis meses, a equipe do Jornal Nosso Bairro/Agora Joinville teve acesso a documentos e mídias que mostram médicos oftalmologistas da cidade flagrados indicando a mesma ótica e marcas de lentes para o paciente nas receitas. Isso aponta a prática de venda casada, que prejudica o consumidor, conforme o Código de Defesa do Consumidor e indicação de produto, o que fere as normas do Conselho Regional de Medicina (CRM).
O Jornal Nosso Bairro/Agora Joinville, por meio de denúncias, investigou seis médicos oftalmologistas. Durante o período, a equipe agendou exames e, embasados em prerrogativas jornalísticas, utilizando câmeras escondidas e com a ajuda de produtores, foi checar se a prática ainda continuava. Todo cuidado foi tomado para não induzir o profissional a indicar um local. Apenas um dos oftalmologistas investigados fez a indicação de estabelecimento, de forma espontânea. Porém, o Conselho Regional de Medicina do Estado de Santa Catarina (Cremesc) já havia recebido as acusações e os oftalmologistas já tinham sido notificados. Mas, mesmo assim, um médico que ainda não tinha sido citado nas investigações, apareceu indicando aÓtica Via Visão em nossas gravações. Em 2013, com os registros feitos por um detetive contratado pelo Sindiópticas, a Ótica Via Visão também não tinha sido mencionada.
*O nome e a imagem do oftalmo investigado pelo jornal foram preservados, pois as gravações ainda não foram anexadas ao inquérito civil, junto à 17ª promotoria do consumidor.
Um dos denunciantes entregou sua receita médica para nossa equipe onde o profissional indica marca de lente para os pacientes. Veja:
Nas gravações feitas pelo Sindióptica, no dia 17/06/2013, em um dos vídeos, Luiz Evandro Brandão de Andrade, citado no inquérito civil, aparece dizendo: “Aqui tem a ótica Facial, em um prédio aqui embaixo”. No dia 01/07/2013, Regina Celia E. Kakunaka, também citada, após apresentar a receita ao seu paciente, diz: “Normalmente eu indico a ótica Facial, que fica em frente ao hospital Dona Helena...”. Em outro, do dia 19/06/2013, uma profissional da ótica citada diz que, se o cliente fizer os óculos ali, não é necessário o retorno ao médico. Segundo o Procon, já que se paga pela consulta, o retorno é direito do consumidor.
*O Agora Joinville teve acesso às gravações, porém, não foi autorizado pelo sindicado para publicá-las.
Segundo o advogado do Sindióptica, Rosalbo Ferreira Junior, em 2010 chegaram ao conhecimento do sindicato denúncias feitas por lojistas de Joinville e região desta prática de indicar estabelecimentos e marcas de lentes de óculos, porém, as investigações começaram a ser realizadas em 2013 em Joinville, pois é onde se localiza a sede do sindicato e onde as acusações eram mais frequentes. Mas, apenas em dezembro de 2015, o sindicato deu entrada com processo no Ministério Público de Santa Catarina, segundo eles, por questões de cautela. Na época, a ótica denunciada foi apenas aFacial, mas, anos depois, com investigações do JNB, mais materiais serão incorporados ao inquérito civil indicando o crescimento desta prática com a participação da Ótica Via Visão.
No dia 25 de abril de 2016,o Conselho Regional de Medicina do Estado de Santa Catarina (Cremesc) recebeu a denúncia feita pelo Ministério Público do Estado e abriu a sindicância 068/16. Alguns oftalmologistas, flagrados por câmeras escondidas e que aparecem nas denúncias, foram notificados pelo Cremesc. Os nomes que aparecem no inquérito civil são dos médicos oftalmologistas Luiz Evandro Brandão e Regina Celia Enoki Kakunaka, ambos indicam a Ótica Facial. Outros nomes são citados nas denúncias e aparecem nos vídeos, entretanto, não aparecem no inquérito. O Sindióptica entregou todos os materiais das investigações ao MP. Caso alguém tenha interesse em assistir aos vídeos e ter acesso às documentações, basta procurar a 17ª Promotoria de Justiça de Joinville e solicitar os materiais, pois o inquérito não corre em sigilo de justiça.
Em resposta às denúncias do MP/SC, o CRM/SC notificou o recebimento do oficio em abril de 2016 e abriu a sindicância. Portanto, os oftalmologistas denunciados estão sendo notificados e investigados pela instituição.
Segundo o presidente do CROO, Juan Bretas, o profissional especialista em visão é o optometrista. O oftalmologista é especialista do globo ocular, ou seja, é preparado para fazer todo o trabalho invasivo, toda parte patológica, o que seria o trabalho médico. “No resto do mundo isto está bem esclarecido, porém, no Brasil, os oftalmologistas também realizam exames de visão”, diz. Portanto, tanto ao optometrista quanto ao oftalmologista se aplica a mesma ordem de proibição de venda casada. “Não pode indicar e nem ter nenhum tipo de relacionamento”.
No Decreto 24492/34 de 1934, assinado pelo então presidente da república, Getúlio Vargas, específico da oftalmologia, deixa explícito nos artigos 12 e 16, que qualquer tipo de contato por parte do médico oftalmologista com óticas é vedado por lei.
Art. 12 Nenhum médico oculista, na localidade em que exercer a clínica, nem a respectiva esposa, poderá possuir ou ter sociedade para explorar o comércio de lentes de grau.
Art. 16 O estabelecimento comercial de venda de lentes de grau não pode ter consultório médico, em qualquer de seus compartimentos ou dependências, não sendo permitido ao médico sua instalação em lugar de acesso obrigatório pelo estabelecimento.
I - É vedado ao estabelecimento comercial manter consultório médico mesmo fora das suas dependências; indicar médico oculista que dê aos seus recomendados vantagens não concedidos aos demais clientes e a distribuir cartões ou vales que deem direito a consultas gratuitas, remuneradas ou com redução de preço.
II - É proibido aos médicos oftalmologistas, seja por que processo for, indicar determinado estabelecimento de venda de lentes de grau para o aviamento de suas prescrições.
Segundo Bretas, a maior preocupação é com a questão de saúde, pois, caso o oftalmologista direcione a um local, o que é contra o decreto de 1934, o estabelecimento precisa ter responsabilidade e capacidade técnica para aviamento das receitas médicas. Ele ainda diz que o médico oftalmologista não tem conhecimento sobre ótica, porque isso não faz parte de sua grade curricular. “O oftalmologista tem cerca de apenas um semestre direcionado à visão, sendo que um optometrista tem cerca de quatro mil horas”, explica.
O presidente do CROO diz que já que o oftalmologista não entende de ótica, não teria a necessidade da consulta de retorno para avaliação das lentes. A não ser que se tenha interesse em ver o estabelecimento em que o paciente fez os óculos. “Quem deveria averiguar se os óculos foram feitos corretamente é o ótico responsável. É necessário ver se as óticas têm óticos responsáveis em período integral, como obriga a lei de janeiro de 2015 do Colombo”. Na Lei Estadual de Santa Catarina para óticas, Nº 16583 de 2011, assinada pelo atual governador Raimundo Colombo e revogada em 2015, diz que todas as óticas necessitam ter um ótico ou optometrista responsável para assistência e responsabilidade técnica.
Artigo 4º- São condições mínimas para o licenciamento do estabelecimento:
XI - Possuir no mínimo um óptico ou optometrista para assistência e Responsabilidade Técnica.
Artigo 6º- A presença do responsável técnico será obrigatória durante todo o horário de funcionamento do estabelecimento.
Segundo o diretor do Procon de Joinville, Kleber Fernando Degracia, indicar um local é uma prática antiética dentro das exigências do CRM, mas, no direito do consumidor, indicar um local não lesa diretamente o cliente, porque ele não é obrigado a comparecer ao local indicado. Porém, na questão das óticas afirmarem que o cliente não precisa de retorno no oftalmologista é prejudicial, pois já que é pago pelo exame, se tem direito ao retorno.
Já na questão de indicar marcas, Degracia diz que não vê problemas, caso não haja outra marca, não vê contrariedade na indicação.
A Câmara de Dirigentes Lojistas de Joinville (CDL) encaminhou seu parecer sobre o caso à 17ª Promotoria de Justiça da cidade sobre o caso dos oftalmologistas. No ofício diz:
“Tal prática antiética é severamente reprovada pelo Decreto nº 24.429/34, pela declaração de princípios do oftalmologistas do Conselho Brasileiro de Oftalmologia, pelo Código de Ética Médica, pelo Código Brasileiro de Deontologia Médica, pelos Conselhos Regionais de Medicina em diversas resoluções, etc.”
“Permitir que os médicos indiquem ópticas fere o direito de escolha do consumidor, que passa a ser influenciado pela opinião médica. Um paciente espera que um médico aja de boa-fé e prescreva o que é melhor à sua saúde, sem interferências de parcerias remuneradas que concedem comissões aos médicos. A indicação do médico é vedada justamente porque destrói a credibilidade de sua palavra, visto que não é mais possível identificar se a indicação existe realmente em função do trabalho eficaz e de qualidade do estabelecimento ou porque o médico é remunerado ilegalmente por isso.”
“Além do mais, essa fraude gera concorrência desleal no comércio, prejudicando as demais ópticas que trabalham de forma igual ou melhor do que a óptica indicada, mas que ao contrário desta, agem de acordo com os princípios éticos e respeitam a legislação vigente”.
Kleber Degracia, diretor do Procon de Joinville, deixa como dica para o consumidor não se deixar induzir na hora da escolha da ótica e não acreditar que os óculos já foram levados para supervisão do profissional, pois o retorno é um direito do paciente.
Para o presidente do Conselho Regional de Ópticos e optometristas (CROO), Juan Bretas, na questão de indicar marcas de lentes, ele diz que optometristas e oftalmologistas não devem indicar marcas, apenas tipos de lente. “A marca é por escolha do cliente, conforme cabe no seu bolso”, e continua: “Não existe marca insubstituível”, termina.
Segundo o promotor de justiça da 17ª Promotoria de Justiça, Cristian Richard Stahelin Oliveira, responsável pelo caso, a liberdade de escolha é prevista como direito do consumidor e não é necessário obedecer à indicação de ambiente comercial. “O consumidor deve escolher conforme o gosto e conforme pode pagar. E, caso suspeite que está sendo induzido, deve denunciar ao Procon ou à polícia”, diz.
Com o inquérito civil em andamento, o Sindiópticas espera que esta prática seja coibida, tanto pela saúde do paciente quanto pela concorrência desleal no mercado.
Já o CDL se colocou à disposição para auxiliar no que for preciso e espera que esses profissionais sejam investigados e penalizados e que este procedimento antiético seja coibido na cidade.
A equipe de jornalismo entrou em contato com Dr. Luiz Evandro Brandão e, por telefone, fomos orientados a conversar diretamente com seu advogado, que nos enviou a defesa por e-mail. Confira na íntegra:
Em resposta ao pedido de informação a respeito da suposta existência de concorrência desleal entre as óticas de Joinville, denunciada pelo Sindicato da Categoria, sindicato este na época presidido pelo Sr. Gerson Strossi, proprietário da ótica Vision, temos a informar pela parte do Dr. Luiz Evandro Brandão de Andrade, respondendo ao telefonema deste Jornal, que:
1. O Dr. Luiz Evandro não é investigado no referido inquérito civil. Apenas teve seu nome indevidamente, citado pelo denunciante. Mesmo assim, quando tomou conhecimento, apresentou ao Ministério Público, espontaneamente, esclarecimentos e pedido de que seja retirado do processo, visto que a investigação é sobre concorrência desleal entre óticas, e não possui relação com a classe médica.
2. O Dr. Luiz Evandro aguarda o arquivamento do Inquérito para estudar quais medidas eventualmente tomará contra os que envolveram sua reputação ilibada dentre os mais antigos oftalmologistas de Joinville.
3. Por fim, o Dr. Luiz Evandro também se posiciona contra qualquer concorrência desleal, em qualquer setor, e motiva os cidadãos que denunciem consultas oferecidas por outros profissionais que não sejam médicos oftalmologistas, e deseja ver esse episódio esclarecido e terminado o mais rapidamente possível.
De sua representação judicial, Dr. Fabiano Santangelo, OAB/SC 15.388.
Ao Ministério público, para o promotor Cristian Richard Stahelin Oliveira, da 17ª Promotoria de Justiça, Luiz Evandro também apresentou sua defesa. Confira:
“Nota-se que na sua manifestação foi demonstrada a inocorrência de qualquer infração disciplinar, visto que houve a provocação do ‘falso paciente’ a respeito da ótica que supostamente deveria procurar”;
“Além disso, a obtenção de ‘provas’ juntadas com a denúncia, foi fruto de um falso paciente que fraudou a privacidade do ato médico sem sua autorização, sendo por isso sujeito as ações civis cabíveis”;
“Entretanto, investigar a suposta ‘concorrência desleal’ no setor de óticas de Joinville, informa-se que o requerimento não possui qualquer ligação econômica, societária e de nenhum outro tipo com nenhuma ótica deste país, ou com sócios de qualquer uma, nem mesmo coincidências de sócios, o que afasta sua legitimidade passiva para configurar como investigado no presente inquérito civil”.
Até o fechamento da matéria, nossa equipe não conseguiu entrar em contato com a Dra. Regina Celia Enoki Kakunaka, citada na reportagem. Na clínica dela, em Joinville, fomos informados de que ela se mudou para São Paulo.
Óticas citadas
A Ótica Via Visão não foi citada no inquérito civil, porém, apareceu na indicação do médico oftalmologista investigado pelo AJ. Em resposta, Fábio Lens, responsável pela rede de óticas Via Visão, por telefone, quando questionado se havia algum tipo de acordo com os oftalmologistas que indicam seu estabelecimento, diz:
“A Ótica Via Visão não pode se manifestar sobre investigação da qual desconhece seu objeto e/ou investigado(s). Todavia, se algum médico já realizou a indicação da ótica, o fez a revelia da empresa e, certamente, por motivos absolutamente técnicos, consubstanciados no fato de que Ótica Via Visão utiliza exclusivamente produtos – armações e lentes – confeccionados com o que há de mais moderno no mundo em termo de óculos, o que seguramente, por via reflexa, garante aos seus pacientes correção eficaz do problema de visão que se trata. Afora a absoluta convicção de que a empresa dispensa tratamento diferenciado para com seus clientes, submetendo, inclusive, os óculos confeccionados ao crivo do médico antes da formal entrega ao seu destinatário, o que, da mesma forma, credencia a empresa como referência técnica a qualquer profissional do ramo oftalmológico.”
Já a Ótica Facial, citada no inquérito civil, por e-mail, por meio do advogado Maurício Sprenger Natividade, em resposta ao jornal, diz:
“A empresa desconhece o teor do inquérito civil mencionado e não tem nenhuma relação especial ou específica (com os oftalmos Luiz Evandro e Regina Celia). Todavia, a empresa mantém excelente relação como todos os profissionais da oftalmologia, sempre salvaguardando a ética e o bem estar dos clientes”.
Sendo estes os esclarecimentos, subscrevo-me, Atencisaomente,
Mauricio Sprenger Natividade
Advogado OAB-Pr. 11.275.
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