Aquele nome no papel, se fosse observado apenas sob a rigidez da lei, talvez pudesse ser só mais um entre tantos outros condenados cumprindo pena no sistema prisional deJoinville. Mas os olhos de um juiz enxergaram um drama que exigia não somente a razão da Justiça. Era um pedido de prisão domiciliar em favor de uma apenada de 71 anos, diabética e com apenas 50 quilos.
Uma idosa que havia sido detida há pouco mais de um mês por um crime dehomicídio cometido quase três décadas atrás. Embora condenada e presa legalmente, quando pretendia renovar a carteira de identidade no último dia 30 de junho, poderia ela ainda ser considerada um risco à sociedade? O juiz da Vara de Execução Penal de Joinville, João Marcos Buch, entendeu que não.
O magistrado observou que, após o crime praticado em 1986, a aposentada passou 29 anos sem ter novos problemas com a Justiça — ela recorreu em liberdade da pena de 12 anos e 6 meses até o caso transitar em julgado, ou seja, não ter mais possibilidade de apelação.
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Com base em um laudo pericial da saúde dela e de um estudo social, o juiz ainda constatou que nos últimos anos a aposentada teve a rotina praticamente restrita entre a casa e o postinho de saúde do bairro, além de também se dedicar aos cuidados de um filho com deficiência física.
Na avaliação de João Marcos Buch, problemas como a falta de kit-higiene no presídio, ventilação insuficiente, umidade, excesso de pessoas no mesmo ambiente e a falta de medicação dificultariam a recuperação da idosa.
—Outro caminho não resta, por uma questão humanitária assim, que não seja o da concessão da prisão domiciliar — anotou o juiz.
O magistrado ainda refletiu sobre a conveniência de uma pena imposta tanto depois do crime:
—Se o objetivo final da execução da pena é proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado, nesta altura, a reclusão pura e simples em nada, absolutamente nada contribuirá para isso. Pelo contrário, pode é obstruir essa harmônica integração — escreveu.
A aposentada voltou para casa na última quarta-feira. Por ser uma prisão domiciliar, ela só pode sair de casa para tratar da saúde, deve comparecer em juízo quando chamada e comunicar eventuais mudanças de endereço.
"Quero começar uma vida nova"
—Quero começar uma vida nova . Porque lá dentro a gente reflete muita coisa, né? A gente tem filho aqui fora, marido doente, filho sem poder andar. Não é fácil — refletiu a aposentada no seu primeiro dia em prisão domiciliar após deixar o presídio na quarta-feira.
A reportagem conversou com a idosa por telefone, instantes após a ida dela ao posto de saúde do bairro para tomar insulina. Estava agradecida pela segunda chance e não escondia a surpresa por ter sido presa após tanto tempo. Comentou pouco sobre o crime de 29 anos atrás, o assassinato do próprio marido.
Segundo a denúncia do Ministério Público, ela teve ajuda de outros dois homens para matar o companheiro, com golpes de machado. Hoje, a idosa nega participação na ação. Diz que sofria na convivência com o marido e os outros dois homens teriam agido por conta própria.
Como está em prisão domiciliar, ela ainda cumpre pena. A progressão para o regime semiaberto ocorrerá em julho de 2017 e o livramento condicional em outubro de 2023.
MP acenou contra a prisão domiciliar
O Ministério Público se manifestou contra a permissão da prisão domiciliar à idosa. Segundo argumentou a promotora Juliana Mendes em documento à Justiça, não houve comprovação de que os cuidados especiais necessários à saúde da apenada não pudessem ser prestados dentro do presídio.
O estudo social, ainda conforme manifestou o MP, também apontou que não seria imprescindível a presença da idosa nos cuidados especiais a serem dedicados ao filho, pois ele também recebe atenção do pai e da irmã.
—Não é hipótese dos autos a imprescindibilidade de cuidados a serem dispensados pela genitora, o que afasta a necessidade e adequação da medida de prisão domiciliar, sendo a manutenção do cumprimento da pena, na forma atual, a medida de rigor — fundamentou o MP.
