
Alguns dos médicos investigados pela Polícia Federal, suspeitos de não cumprirem a carga horária pela qual foram contratados para trabalhar no Hospital Universitário (HU) Polydoro Ernani de São Thiago, de Florianópolis, tinham a entrada e saída do serviço registradas enquanto viajavam pelo exterior ou trabalhavam mais horas do que tem na semana, apontou a investigação da Polícia Federal.
O caso está relacionado a médicos concursados do HU e suspeitos de não cumprirem a carga horária de trabalho. Mesmo assim, recebiam integralmente, gerando um prejuízo de R$ 36 milhões nos últimos cinco anos aos cofres públicos. No dia 9 de junho, foram cumpridos mandados de busca e apreensão em hospitais públicos e privados, além de consultórios médicos. No total, 27 suspeitos foram indiciados pela operação Onipresença.
Na manhã desta quinta-feira (2), a Polícia Federal detalhou as situações irregulares. O delegado Allan Dias apresentou situação de médico trabalhando enquanto viajavam para o exterior. "Nós temos bancos de dados que controlam o tráfego aéreo internacional. Com isso, basta olhar a folha ponto, cruzar com os dias que estava fora do território nacional e a constatação vem de pronto", detalha.
Ainda conforme o delegado, há médicos que trabalhavam mais horas do que tem na semana, que possui 168 horas. "Nós chegamos à conclusão matemática de que naquela semana proporcional o médico trabalhou 169 horas por semana", afirma o delegado Allan Dias. Conforme a investigação, dos 27 médicos, 25 tinham carga horária de 12 horas de trabalho por dia útil.
Onipresença
A Polícia Federal constatou também caso de profissional que trabalha em uma clínica particular, mas registrava o ponto no hospital universitário. O delegado fez referência a um caso em que o paciente chegou a ser levado pela ambulância do HU até à clínica particular para ser atendido pelo médico.
"A onipresença é constatada porque neste aspecto ele está atendendo em um hospital particular e ao mesmo tempo registra a frequência dentro do HU", afirmou o delegado.
Depoimentos
Conforme o delegado Ildo Rosa, mais de 20 médicos foram ouvidos e os demais devem prestar depoimentos nesta quinta (2) e sexta-feira (3). As oitivas com os suspeitos começaram na terça(30).
Segundo informações da assessoria de comunicação da Polícia Federal, os depoimentos não trouxeram muitos avanços porque os médicos optaram pelo direito ao silêncio. Mesmo assim, para o delegado Alan Dias, já há provas suficientes de irregularidades no controle das frequências.

Thiago, UFSC (Foto: HU/Divulgação)
"Nós, Polícia Federal, dentro do inquérito policial, conseguimos e vamos robustecer a prova de que as folhas de ponto são preenchidas de forma criminosa. Aquela folha de ponto falsificada com várias funções existe dentro do Hospital Universitário", afirmou o delegado. E enfatizou: "a folha de ponto existe e ela é falsificada".
As investigações apontam a prática de, pelo menos, três crimes: prevaricação, que é deixar de praticar ato de ofício, estelionato e falsidade ideológica. Durante a investigação, mais servidores podem ser chamados para depor.
O HU informou que irá colaborar com a PF. Segundo a assessoria de comunicação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a instituição também está com procedimentos internos de investigação em andamento.
Denúncias
Três dos 27 médicos indiciados pela Polícia Federal de Santa Catarina nunca atenderam no HU. Mesmo assim, cada um recebia o salário de R$ 16.597,12. Outros cinco têm menos de 15% de frequência, e salário de R$ 25.121,93. Oito possuem 30% de frequência, com R$ 18.494,39 de salário mensal, e 11 têm 40% de frequência e ganham R$ 19.930,12.
"Eles tinham vários vínculos com hospitais, clínicas e consultórios particulares. Eles visaram sempre almejar o lucro nos atendimentos particulares, enquanto os atendimentos prestados no Hospital Universitário eram baseados na oferta deles, e não na demanda real. Gerou um prejuízo gigantesco à população carente de Florianópolis", disse o delegado Allan Dias, da PF.
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A Polícia Federal fez uma média do total de horas que os médicos efetivamente trabalharam na instituição pública. Ao todo, os 27 médicos trabalharam um total de 283 horas por semana. Por contrato, estes funcionários deveriam ter trabalhado 1.060 horas por semana. Ou seja, eles trabalharam 26,7% daquilo que estava acordado como prestação de serviço.
Considerando a portaria nº 1.101/2002 do Ministério da Saúde, cada médico poderia atender até quatro consultas por hora. Em um dia, os 27 médicos deveriam atender por turno 848 consultas, mas a média somando todos os funcionários era de 226.
A investigação durou um ano e meio, segundo a PF. A polícia recebeu as denúncias por meio de outros funcionários do HU e colocou agentes infiltrados na unidade.