Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)
Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF
E tem aquela da cidadezinha no interior de Minas Gerais que tinha um único coveiro. Trabalhava de domingo a domingo, mas a cidade era pequena e por vezes passavam-se dias sem que a ação do coveiro fosse necessária. Pensando nisso, mas principalmente em reduzir os custos do município, o prefeito resolveu dispensar o coveiro do trabalho aos finais de semana. Em outras palavras: nesses dias ninguém podia morrer na cidade, sob pena de ficar insepulto.
A oposição chiou muito e apresentou estatísticas comprovando que as pessoas tinham por hábito morrer justamente aos fins de semana. Mas o prefeito retrucou que ninguém estava proibido de morrer nesses dias, e aqueles que assim o desejassem que se sentissem à vontade. Falastrão, disse ainda que se fosse o caso ele mesmo serviria de coveiro – porque o prefeito achava que o trabalho do coveiro, homem concursado, era simplesmente tirar um punhado de terra do chão e jogar um caixão no buraco aberto.
Fato é que no primeiro final de semana após a dispensa do coveiro não morreu ninguém. Mas durante a semana seguinte caiu enferma, acometida por febre maligna, justamente a sogra do prefeito. E ficou naquele morre-não-morre. Passou a quarta-feira, a quinta-feira, e a velhinha continuava mais pra lá do que pra cá – mas viva. O prefeito já não sabia se rezava para ela se salvar ou para não morrer no fim de semana. Especialmente porque sabia que iam cobrar a sua promessa de ser coveiro e ele não desejava ler as manchetes tripudiando: “Prefeito cava sepultura da própria sogra”.
Mas se havia uma coisa pior do que ela morrer no final de semana era ela morrer na sexta à tarde – e não deu outra. Morta a sogra, seguiu-se o velório durante toda a noite e a manhã de sábado. Mas o horário do sepultamento ninguém sabia. Ficaram todos esperando a decisão do prefeito, que afinal se saiu com essa:
– Ninguém sepulta antes de segunda. Vamos dar o prazo regulamentar de três dias. Que é pra ver se não ressuscita.
Durante os domingos
Entre as sugestões feitas por um cardiologista para diminuir o risco de enfarto, encontro uma recomendação severa para que não se trabalhe durante os domingos. Eis aí um argumento científico que legitima uma prática iniciada pelo próprio Deus: descansemos, pois, ao sétimo dia. Mas não deixo de pensar que, para que eu possa ter um dia de descanso, muitas pessoas precisam trabalhar.
As padarias, por exemplo, têm gente trabalhando desde as cinco da manhã. Também os supermercados estão cheios de pessoas que, para minha comodidade, desrespeitam a orientação do cardiologista. Há ainda o pessoal dos restaurantes, shoppings centers, parques e mesmo o transporte coletivo. Não compro um sorvete sem depender do trabalho dominical.
Alguém objetará que quem trabalha neste dia faz o seu domingo durante a semana. Ah, mas como deve ser triste esse domingo improvisado. Porque é um domingo individual, em que não se pode sequer convidar outra pessoa para sair. Não há eventos interessantes acontecendo. Acaba-se aproveitando a folga para resolver pepinos. Se pudessem, todos obedeceriam ao cardiologista. Mas fazemos parte de um sistema insensível, o que em outras palavras significa que não tem coração.