Sergio F.C. Graziano Sobrinho, advogado, sócio da Graziano & Rizzatti de Cricíuma, professor do Programa de Pós-Graduação e Ciências Criminais da PUC do Rio Grande Do Sul. De passagem por São Bento do Sul, onde palestrou para Contadores, conversou com nossa reportagem. O tema é bastante novo e aborda a Resolução CFC nº 1.445/13 do Conselho Federal de Contabilidade.
EVOLUÇÃO – De que trata especificamente a Resolução?
SERGIO GRAZIANO – Estabelecer normas gerais de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo, que sujeita ao seu cumprimento os profissionais e Organizações Contábeis que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza.
EVOLUÇÃO– Em que forma de operações?
SERGIO GRAZIANO – I - De compra e venda de imóveis, estabelecimentos comerciais ou industriais, ou participações societárias de qualquer natureza; II – De gestão de fundos, valores mobiliários ou outros ativo; III – De abertura ou gestão de contas bancárias, de poupança, investimento ou de valores mobiliários; IV – De criação, exploração ou gestão de sociedades de qualquer natureza, fundações, fundos fiduciários ou estruturas análogas; V – Financeiras, societárias ou imobiliárias; e VI – De alienação ou aquisição de direitos sobre contratos relacionados a atividade desportivas ou artísticas profissionais. O parágrafo Único estabelece ainda: “as pessoas de que trata este artigo devem observar as disposições desta resolução na prestação de serviço ao cliente, inclusive quando o serviço envolver a realização de operações em nome ou por conta do cliente”.
EVOLUÇÃO – Como você enveredou por está área do direito?
SERGIO GRAZIANO – Lá na PUC nós estudamos isto há muitos anos. É uma legislação que no mundo já existe há mais de 30 anos. O Brasil assinou vários acordos internacionais que o obrigou a criar uma Lei na década de 90. Em 1998 surgiu a primeira lei brasileira para tratar da lavagem de capitais, uma lei mais específica. Antes existiam muitas recomendações diretivas, de Banco Central sempre coma ideia de fazer a tutela, a proteção para crimes específicos como terrorismo, tráfico de drogas e de armas. Com o advento da Lei 9613, que é a que vale até hoje e até o ano passado estava com a mesma redação. No ano passado passou por uma alteração profunda, tornando muito mais rigorosa a atuação do sistema penal. O Estado tem mecanismos muito fortes para fazer a investigação e as punições. Esta lei prevê, por exemplo, a punição criminal de 3 até 10 anos para quem comete crime de lavagem de dinheiro. Existem as penas criminais e as penas administrativas. A criminal quem aplica é o Poder Judiciário. A administrativa é aplicada por um órgão chamado COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras que pode aplicar multas que podem chegar ao valor de até R$ 20 milhões.
EVOLUÇÃO – Didaticamente o que é lavagem de dinheiro?
SERGIO GRAZIANO – Ela está vinculada a uma tentativa das pessoas de mudar a aparência do dinheiro. Um dinheiro ilícito que se torna um dinheiro lícito, legalizado. O objetivo disso é pegar um dinheiro ilícito, ganho por meios escusos, ilegais, sempre de origem criminosa e retornar para a economia formal. Antes estes casos eram tipificados pela origem de tráfico der armas, terrorismo. Hoje não. Qualquer atividade criminosa inclusive a sonegação fiscal.
EVOLUÇÃO – Onde entra a responsabilidade do Contador?
SERGIO GRAZIANO – Por exemplo, se você comete o crime de sonegação fiscal e o seu contador não toma cuidado de verificar a origem daquele dinheiro que ele está fazendo a contabilidade. Ele estará incorrendo no crime de lavagem de dinheiro. Da mesma forma que você pega um dinheiro originário de Jogo do Bicho, vai numa revenda e compra um carro a vista e em espécie a empresa não faz nada para saber a origem deste dinheiro, você pode estar esquentando dinheiro ilícito, proveniente de crime, portanto, a empresa também estará incorrendo no crime de lavagem de dinheiro.
EVOLUÇÃO – Como os contadores estão recebendo esta incumbência, ou responsabilidade?
SERGIO GRAZIANO – Na ultima palestra que fiz fui questionado. “Então nós contadores vamos ser um braço do Governo? Sim. É exatamente isso. Há um reconhecimento internacional, da capacidade do Estado fazer prevenção, principalmente investigação de determinadas atividades. O Contador é o grande parceiro capacitado para analisar determinadas situações que envolvem seu cliente. O Estado não tem estrutura nem como fiscalizar todas estas ações. É muito comum no interior e mesmo nas grandes cidades acontecerem shows artísticos caríssimos com pouco público e o os promotores dizerem que estiveram presentes 50 mil pessoas. Isso é pura lavagem de dinheiro. Jogos de futebol é muito difícil de controlar. Os jogos ilegais também incorrem em dois ilícitos. O jogo ilícito que é crime, e o ilícito administrativo.
EVOLUÇÃO – Num País que pode ser considerado um grande cassino. Já tivemos casos de políticos ganharem centenas de vezes em loteria, isso não é lavagem de dinheiro?
SERGIO GRAZIANO – Controlar este tipo de negócio é muito difícil. Veja o caso do Jogo do Bicho que era apenas contravenção. Agora é também lavagem de dinheiro. A lei descriminaliza aquele que paga o tributo. Se você paga o tributo antes de começar a ação criminal, ela desaparece. Isso não impede de você estar incorrendo no crime de lavar dinheiro.
EVOLUÇÃO – É uma proibição de negócios?
SERGIO GRAZIANO – Não. Você pode vender um terreno para o maior terrorista do mundo. Só que você tem que comunicar ao COAF que você fez esta transação. Você não cometeu o crime de lavagem de dinheiro, mas o de comunicação e você incorre em um ilícito administrativo. É como os saques e depósitos acima de determinados valores que você tem que declarar a origem e o destino no próprio caixa do banco. Negociar com pessoas politicamente expostas também incorre no mesmo crime. São mecanismos que amarram, você pode estar completamente legalizado, pagar os impostos, mas se a Lei exigir a comunicação terá que fazê-lo. Você pode fazer negócios com paraísos fiscais, abrir contas no exterior, mas tudo tem que ser comunicado.
EVOLUÇÃO – Lembramos o caso do Maluf, que a noite acabou sendo fruto mais uma vez do noticiário?
SERGIO GRAZIANO – Aí é o caso de possuir bons advogados que vão protelando as ações, embora as legislações internacionais estejam muito rígidas.
EVOLUÇÃO – E os chamados paraísos fiscais?
SERGIO GRAZIANO – Esses lugares existem e tem muita gente com muito dinheiro, por lá. São locais que ninguém tem acesso. São interesses transacionais. Hoje no Brasil existe uma legislação fiscal, tributária muito grande e muito rigorosa.
EVOLUÇÃO – E os dólares que no mundo inteiro estão retidos em mãos de pessoas físicas ou mesmo jurídicas sem qualquer registro? As ditas guardadas embaixo do colchão?
SERGIO GRAZIANO – Isso são anacronismos. Como o caso do rapaz de 16 anos que pode votar, mas se não votar não comete crime eleitoral. É um problema mais de ordem econômica.
EVOLUÇÃO – Quando começa a fiscalização?
SERGIO GRAZIANO – Esta resolução entra em vigor efetivamente a partir de 5 de janeiro de 2014 e os contadores terão que começar a fazer programas de prevenção de lavagem de capitais. Tem que criar mecanismos para conhecer melhor seus clientes e suas atividades. Tem que saber quem são os verdadeiros proprietários e quem são os laranjas. Hoje não é mais possível o contador ter um cliente que no contrato social figure como proprietário o motorista dele. Saber quem tem o capital investido, quem tem o controle.
EVOLUÇÃO – E as famosas engenharias fiscais, planejamentos para os quais são contratados especialistas em achar brechas nas Leis?
SERGIO GRAZIANO – Isso não é ilegal. Desde que feito de forma a discutir questões e interpretações. Pois leis são interpretações. Agora o indiciado, investigado em inquérito policial já pode ter seus bens indisponibilizados ele não está nem denunciado, muito menos condenado. Está só sendo investigado por um crime.
EVOLUÇÃO – Isto não gera também um grande risco das ações para indenizações por parte do Estado?
SERGIO GRAZIANO – Claro. Você alínea um bem e no final o acusado é absolvido, cabe o reparo. Há o constrangimento pessoal, social, familiar.
EVOLUÇÃO – Onde entram os bens de luxo?
SERGIO GRAZIANO – Não precisa se tratar necessariamente de iates de luxo. Pode ser a bicicleta à venda ali na esquina por R$ 10 mil. Tudo que passar de R$ 10 mil está na mira. O artigo 9º da Lei é bem específico.
EVOLUÇÃO – E os leilões de animais, com remates milionários, como mensurar?
SERGIO GRAZIANO – É como a compra de sêmen. São quantias que fogem dos nossos padrões, mas que serão investigadas também.
EVOLUÇÃO – Mais uma Lei?
SERGIO GRAZIANO – O fato é que precisa haver uma profunda alteração cultural. Se não for por bem, vai ser por mal. A Lei já está pegando, já tem multas e o Supremo Tribunal Federal já está fazendo condenações com base nesta lei.