Guilherme Corrêa, natural de Belo Horizonte, há 9 anos morando em Blumenau onde exerce a profissão de sommelier da Decanter Importadora. Em São Bento do Sul por ocasião da concorrida degustação Decanter/Adega Alpenbier, conversou com nossa reportagem, falando da sua profissão, dos mistérios e da cultura do vinho, do prazer e da harmonização de paladares.
EVOLUÇÃO – Qual a sua função?
GUILHERME CORRÊA – Sou sommelier da importadora Decanter em nível nacional, diretor técnico, responsável pela prospecção dos vinhos, pelo marketing técnico da empresa, preparação dos catálogos, informativos, divulgação na internet e responsável pelo departamento de Educação do Vinho na Empresa. O trabalho interno e também realizando degustações em todo o Brasil. É um trabalho bem diversificado e dinâmico, cada dia uma coisa diferente num local diferente. Damos treinamento em restaurantes, as vezes falando de vinhos para pessoas em cidades sempre diferentes.
EVOLUÇÃO – Desde quando essa dedicação?
GUILHERME CORRÊA – Me formei em Economia em 1994. Eu já estudava vinhos desde 1990 quando fiz meu primeiro curso e me dediquei por conta própria. Aquela paixão foi crescendo, mas na época no Brasil não existia nada em termos de cursos de gastronomia e vinho. O brasileiro bebia “Liebfraumilch” na época. Fui levando esta paixão. Fiz o curso de economia, mas não era bem isso que eu gostava. Queria ter um diploma, uma segurança. Assim logo que me formei arrisquei e resolvi trabalhar com vinhos, em Belo Horizonte. A minha ideia era se desse certo, maravilha, se não desse teria a segurança do diploma. Acabou que deu muito certo. As vezes você ser pioneiro tem as suas dificuldades, mas tem também suas vantagens. Inaugurei a profissão de sommelier em Minas Gerais. Fui o primeiro sommelier de restaurante em 1995 e trabalhei em restaurante até 2001. Durante este período passei um tempo na Itália. Me formei na Associação Italiana de Sommeler’s, na região da Toscana. Fui o primeiro sommelier brasileiro formado no exterior. Desde 20002 trabalho com a Decanter. Sempre estudei muito, viajei muito, vou muitas vezes para o exterior buscar produtos, frequento feiras de vinhos no mundo todo e nunca parei de estudar.
EVOLUÇÃO – Alguma raiz de família?
GUILHERME CORRÊA – Não. Minha família é da tradicional família mineira, muito ligada a gastronomia, mas aquela de fazenda, legitima mineira. Sempre a gente reúne a família em torno da mesa, mas sem vinho. Eu desde pequeno fui muito apaixonado por esta questão da comida. Quando tinha 18 anos, fui um período para Europa estudar línguas. Fiquei na Alemanha alguns meses e voltei completamente apaixonado pela questão do vinho e da gastronomia.
EVOLUÇÃO – O vinho passou a ser modismo?
GUILHERME CORRÊA – Ouve uma revolução na verdade no consumo do vinho. Se observarmos os dados o consumo, não aumentou no Brasil, continua o 1,7 litros per capita, o que é muito pouco. Ouve uma revolução no padrão do consumo. O brasileiro passou a estudar muito mais o vinho, a gostar, se apaixonar pela cultura do vinho. Viajar, visitar vinícolas, se reunir em torno de confrarias, cursos. Explodiram no Brasil inteiro cursos de vinhos e realmente o vinho se tornou um poderoso meio de relacionamento, agregador.
EVOLUÇÃO – As confrarias ganharam espaços?
GUILHERME CORRÊA – Existem em todo o Brasil, confraria de senhoras que se reúnem para tomar champanhe, de todas as classes. Cada um tem um enfoque mas é impressionante como o brasileiro está apaixonado pela cultura do vinho e tem bebido vinhos melhores. Deixou de tomar os ”liebfraumilch’s”, os vinhos feitos com uvas comuns.
EVOLUÇÃO – Substituiu os vinhos coloniais?
GUILHERME CORRÊA – Os vinhos feitos com uvas americanas, uvas comuns que ainda dominam no Brasil, mas ouve uma queda muito grande e um a substituição por vinhos melhores. Vinhos importados de diversos países. Hoje no Brasil se compra vinhos de lugares que você possa imaginar. A própria Decanter importa vinhos da Eslovênia, da Croácia, da Grécia. O vinho bom hoje é feito no mundo inteiro.
EVOLUÇÃO – Qual o vinho do momento, se é que existe?
GUILHERME CORRÊA – No Brasil os vinhos mais vendidos e consumidos são os chilenos e argentinos. São os campeões de venda. Toda importadora se baseia em vinhos chilenos e argentinos são os que giram mais que representam grande parte nas vendas. Mas faz parte do processo de aprendizado e de evolução dentro do vinho. O brasileiro tem gostado de beber mais os vinhos clássicos. São vinhos europeus. São os vinhos que serviram de modelo para o mundo. O brasileiro está querendo cada vez mais degustar e ir na fonte conhecer os grandes vinhos da França, da Itália, da Espanha, de Portugal. Não só das regiões mais clássicas, mas ainda até das menos reconhecidas internacionalmente. Vendemos por exemplo, vinhos do Jura da França. Vinhos de regiões exóticas que fogem das classes. Há um grande interesse pelos vinhos clássicos.
EVOLUÇÃO – Os impostos e os preços ainda são limitadores do consumo?
GUILHERME CORRÊA – Certamente é o maior entrave que a gente enfrenta no mercado de vinhos no Brasil. São os preços altíssimos. Talvez o vinho no Brasil seja um dos mais caros do mundo. Esse é o grande entrave. Existe a paixão, a vontade de aprender, mas quando a gente sabe que os vinhos no Brasil são difíceis de encontrar um bom abaixo de R$ 20 e 25,00, isso é um limitador muito grande. Falando em unidades monetárias, fazendo uma comparação grosseira, mas o europeu tem vinho dos bons para beber no dia a dia a três unidades monetárias, na unidade monetária deles. Então uma grande faixa da população pode consumir mais intensamente. No Brasil limitamos uma fatia muito pequena de consumidores. O vinho aqui recebe o mesmo tratamento do cigarro.
EVOLUÇÃO - Em alguns países o vinho é inclusive considerado alimento?
GUILHERME CORRÊA – Exatamente. Aqui no Brasil não se enquadra, não recebe este tratamento. Muito pelo contrário sofremos com a alta taxa tributária que é uma pena. Pois dos duzentos milhões de habitantes, acredito que uns 15 consumam vinho de uma forma constante.
EVOLUÇÃO - Harmonização, paladar, mito ou verdade?
GUILHERME CORRÊA – Na verdade o paladar da pessoa deve governar na harmonização. Se a pessoa tem prazer tomando um vinho tinto encorpado com peixe, quem sou eu para falar que ela está errada. O Vinho foi feito para dar prazer. Mas, existe uma teoria de harmonização muito complexa com embasamento técnico-científico e que certamente se você usar de alguns princípios para fazer uma harmonização mais certeira, vai obter muito mais prazer. Então essa divisão, primeiro cor do vinho e cor da proteína, ela de certa forma é valida. Depois tem o ajuste fino que a gente vai julgar com todas as características do prato, do vinho. Todos os parâmetros de acidez, de taninos do vinho, de aroma, julgar com todos os elementos do prato, gordura sólida, gordura liquida, tendência ao doce, ao amargor, fazemos um cruzamento de todas estas informações do vinho/prato para uma harmonização perfeita. Porém, se a pessoa levar em conta esta questão do vinho tinto que tem mais corpo com carnes vermelhas e vinhos brancos, menos encorpados, mais leves com carnes brancas mais delicadas já tem um pouco mais de chance de acertar na harmonização. Isso realmente é válido.
EVOLUÇÃO – E o espumante tão em moda?
GUILHERME CORRÊA – O espumante cresceu muito no mundo inteiro é um fenômeno mundial, por ser um vinho encantador. Para começar a noite. Para começar uma refeição. Ele abre o apetite é estimulante, charmoso. É um vinho que ganha cada vez mais espaço. No Brasil temos as nossas condições climáticas que .limitam um pouco fazermos grandes vinhos tintos. Por outro lado estas condições nos ajudam a produzir belos espumantes. Ainda não posso afirmar que o Brasil compete com os melhores espumantes do mundo. Mas já conseguimos fazer espumantes competitivos.
EVOLUÇÃO – E as nossas vinícolas catarinenses, vinhos de altitude?
GUILHERME CORRÊA – O Brasil tem melhorado muito na produção de vinhos, isso é notório. Assim como houve uma melhoria absurda na tecnologia, nas formas de plantio, para tentar driblar as nossas limitações climáticas. Hoje tem se feito vinhos cada vez melhores de uma forma geral em todo o Brasil. Santa Catarina foi uma descoberta mais recente com os vinhos de altitude de São Joaquim e outras regiões também. Alguns dos melhores vinhos brasileiros já são feitos em Santa Catarina. Por ser uma coisa recente isso nos mostra que temos muito para evoluir e aprender. O vinho não nasce, ele é feito com o passar de gerações. Erros e acertos entre gerações até você fazer um grande vinho. Aquela baronesa de Rothschild que diz: “fazer vinho é muito fácil. Sós os 250 primeiros anos são difíceis”. A Decanter é sócia da Quinta da Neve em Santa Catarina e vejo um futuro muito promissor. Aqui pelas limitações climáticas vai dar para fazer vinhos muito especiais, mas de produção menor. Será difícil produzir vinhos mais baratos de grandes produções devido as nossas condições climáticas. Mas sempre vinhos muito bons.
EVOLUÇÃO – E o Decanter Wine Day?
GUILHERME CORRÊA – Esse conceito, a gente já fez em várias cidades do Brasil é uma idéia muito simples, mas extremamente eficiente. Consiste em abrir muitos vinhos, com muitas informações. Temos toda uma equipe pronta para fornecer informações, mais as fichas técnicas, um espaço muito agradável para degustar (Alpenbier). A ideia é interagir com o cliente mostrar muitos vinhos para as pessoas conhecerem. O vinho é uma cultura muito nobre no Brasil e precisamos realmente educar nosso consumidor. Eles estão ávidos por conhecer e nós para mostrar. Nesta degustação temos vinhos de vários países, cerca de 20, alguns entre os melhores do mundo. Temos até um Pinot – noir da Nova Zelândia que todo ano ganha a melhor vinícola da Nova Zelândia. Temos vinhos de alto nível de vários países, para degustar com muita calma e fazer as comparações.
EVOLUÇÃO - E o ritual?
GUILHERME CORRÊA – São charmes. Algumas coisas não tem muito fundamento técnico. Outras sim. Por exemplo: Você não pode abrir um vinho e servir num copo de vidro qualquer. Uma taça de fino cristal, bojo fechado o vinho será bebido de forma completamente diferente e agradável. Alguns rituais fazem sentido. Outros vieram de muitos anos, séculos de relação do homem com essa bebida mágica que é o vinho. A aeração, decantação, tudo isso foi sendo descoberto que o vinho muda com essas práticas. Tentamos também ensinar isto para as pessoas.
EVOLUÇÃO – Como bom sommelier e bom mineiro o que harmonizar com aquele leitão à pururuca?
GUILHERME CORRÊA – Gosto muito dos vinhos portugueses. A comida mineira talvez seja a mais portuguesa do Brasil. Encontram-se muitos pratos similares viajando por Portugal. Então acho que os vinhos portugueses até por esta razão combinam muito com a comida mineira. Um belo tinto do Douro é impressionante como vai bem com leitão assado. Funde na comida e funciona maravilhosamente bem. Uma costelinha com canjiquinha com um tinto Alentejano, mais maduro. Mais encorpado, um pouco mais alcoólico. Então fica a dica: combina muito bem comida mineira com vinho português. Bom apetite!!!