São Bento – Criada em 2008, a Delegacia da Mulher de São Bento do Sul, no Norte do Estado, começou a funcionar no mês de setembro. Além de atender mulheres vítimas de agressão, casos envolvendo crianças, adolescentes e idosos também passaram para a nova delegacia. De janeiro a agosto deste ano mais de 900 casos envolvendo mulheres, menores e idosos foram registrados na cidade.
Delegado Odair Rogério Sobreira Xavier: O que tem que ser resgatado são os valores de relação materna. Se justifica o pai espancar o filho, justifica o policial espancar o cidadão. Se é para ter respeito a dignidade de uma pessoa teremos que ter por todos, independente que seja filho, cidadão, aluno (Foto Pedro Skiba/Evolução)
O delegado de polícia Odair Rogério Sobreira Xavier, desde 2008 na carreira em Santa Catarina é o responsável pela unidade. Ele explica que a delegacia cuida de todos os vulneráveis, exceto a pessoa portadora de deficiência física. Também que existe a necessidade de um trabalho integrado na questão da criança e do adolescente. A própria Lei, divide algumas atribuições entre os governos Federal, Estadual e Municipal. O tratamento dado para a criança é um, por exemplo, ser colocada em família de apoio em razão de alguma violência que tenha sofrido. Ela precisa ser colocada em segurança. Para isso existe o Programa de Família de Apoio, que é gerenciado pelo Judiciário e Ministério Público. Neste programa a criança é colocada através de uma provocação geralmente provinda do Conselho Tutelar. A criança ou o adolescente na situação em que é vítima de alguma violência, é encaminhada para a Delegacia, de lá para o Conselho Tutelar e este toma a providência para levar até o Ministério Público e até o Judiciário para que seja colocada em uma família de Apoio. Estas famílias são pré-credenciadas, selecionadas e a criança é ali colocada para ficar em situação de segurança, até que o Judiciário resolva o que será feito com a mesma. Pode voltar para a família mediante um acompanhamento e orientação profissional desta família, ou em situações mais graves ser colocada à disposição de um sistema de adoção.
Adolescente infrator
Já o adolescente infrator também passa por um procedimento que é multidisciplinar. É encaminhado para Delegacia. É feito o procedimento para apurar a sua responsabilidade, não é responsabilidade do crime -pois adolescente não pratica crime – mas, a responsabilidade do ato infracional. Junto com o responsável legal é encaminhado para o Ministério Público. Se não tiver responsável legal, é feito através do Conselho Tutelar e lá no Ministério Público ele é ouvido novamente e depois encaminhado para o Judiciário. No final do processo , ou seja, após apurada a sua responsabilidade ele pode sofrer o que se chama de Medida Sócio Educativa. Este ato vai desde advertência até uma liberdade assistida ou até mesmo uma apreensão. Aí é que vem a distribuição de atribuições. Algumas destas Medidas Sócio Educativas, são Executadas pelo Município. Quando se fala em Medida Sócio Educativa em liberdade, esta é executada por uma equipe multidisciplinar do Município. Esta equipe deve além de orientar o adolescente, a família e acompanhar o cumprimento desta Medida, verificar também qual é a melhoria deste adolescente, a ressocialização. No final do acompanhamento se faz um relatório e encaminha para o Judiciário. Quando ocorrer Medida Sócio Educativa em que o menor ficar apreendido, na idade compreendida entre 12 a 18 anos, daí a responsabilidade é do Estado. Deve ser encaminhado para uma entidade do Estado. Aí nos deparamos com a falta de vagas. Então quando se diz que não há lugar para cumprir Medida Sócio Educativa, tem que se verificar que tipo de Medida. Se for em regime de liberdade é responsabilidade do Município. Estas ocorrências envolvendo adolescentes não são fornecidas para a imprensa, até para não expor este adolescente. A Lei proíbe inclusive a publicação de iniciais, até mesmo para não identificá-lo. Então quando o adolescente é apreendido, somente em casos graves, roubo ou homicídio é que ele fica retido. Para isto é necessário caracterizar grave ameaça ou violência contra a pessoa. Temos que diferenciar o tratamento dado ao adolescente na chamada Medida Sócio Educativa, pois como o próprio nome sugere tem o objetivo de reeducar este adolescente. Não é punir. É diferente do sistema prisional onde a pessoa é encarcerada e mandada para a cadeia. O menor tem que aguardar vaga, passar por todos os procedimentos. Apenas em casos muito excepcionais o adolescente pode ser apreendido por 45 dias. Chamada apreensão temporária, provisória.
Redução da maioridade penal
Para o delegado Sobreira, existe uma polêmica na questão da redução da maioridade penal. É uma polêmica muito equivocada, porque geralmente estas mobilizações, protestos, e apelos surgem quando acontece um caso de grande repercussão envolvendo um adolescente. Aí começa novamente a discussão. Vamos reduzir a idade. Para quanto: Dezesseis, catorze, doze. Na verdade se está tentando trabalhar com a consequência do problema, que não vai resolver nada. Então se hoje reduzir para dezesseis, amanhã será para catorze e daqui a pouco estamos em dez anos. Isso é um equivoco. Primeiro porque trabalha com a consequência do problema e não é isso que precisamos. Precisamos trabalhar com a causa. Com problema de educação. Hoje temos uma das piores educação do mundo. Uma das piores distribuições de renda do mundo. Somos um dos países mais corruptos do mundo. Então o que se vê hoje é uma discussão superficial e que não vai na raiz que é onde realmente surge o envolvimento do adolescente em conflito com a lei. São situações que acabam gerando estas polêmicas. Outra situação é que o sistema carcerário está falido, não consegue dar conta nem de quem já está lá. Então vamos colocar o adolescente dentro deste sistema que já está falido? Aí sim ele vai sair com uma maior formação criminosa lá de dentro. Temos que repensar alguns valores que temos hoje como, educação, melhoria em esportes, incentivo ao trabalho, ou vamos simplesmente isolar o adolescente.
Antigamente era normal o marido bater na mulher
Na educação antiga era normal os pais baterem nos filhos e os maridos nas mulheres. O que hoje a gente vê é que os pais as vezes se excedem, como se excediam antigamente. Atualmente a população, a sociedade viu que este tipo de valor não é bom. Não é que o pai não pode educar o filho, muito pelo contrário o pai tem por obrigação educar e mostrar bons valores para o filho. Mas, para isso não é preciso espancar. Não precisa usar da violência. Existem meios e profissionais que podem orientar os pais como educar seus filhos. Alguns dizem que apanharam e não ficaram traumatizados. De fato, só que outros ficaram. Quantas crianças queimadas com cigarro, brasa? Quantos adultos hoje não trazem a angústia de ter uma cicatriz causada pelo próprio pai? O que se vê hoje são pais que verdadeiramente largam seus filhos. É um excesso de liberdade, isso não é bom. O adolescente tem que aprender que ele tem limites, que não pode tudo. Ninguém diz que ser pai é fácil, mas o que não pode é espancar porque é mais fácil. É como a tortura antigamente. Se torturava para fazer a pessoa confessar mais fácil através da dor. Quem disse que isso é bom? Hoje não pode. Isso fere todos os sentimentos de dignidade humana. Educar pela dor pode ser mais fácil para o pai, mas não que seja o melhor. O que se busca hoje é a valorização da pessoa, e isso desde criança. Por que um adulto que tem a superioridade de força, intelectual, de conhecimento, de experiência, tem que espancar um filho? Não se trata de uma vez perder a cabeça e dar um tapinha, não é esse o problema. Até em decisões judiciais já foi reconhecido que um vermelhidão, uma pequena marca não configura crime nenhum. O que não pode é chegar como às vezes acontece aqui na delegacia com a criança que apanhou com fio de luz. Então os excessos é que devem ser combatidos. Ensinar o filho que as coisas não se resolvem na base da violência, mas sim do diálogo. Hoje vemos pais que ficam duas horas na frente da televisão assistindo futebol e não tem, alguns minutos para conversar com o filho. A mãe quer ficar três quatro horas na frente do facebook ou da academia, mas não perde dez minutos com o filho. Quando se afirma que os menores estão cheios de razão, não é verdade. Todos estão cheios de razão. Isto faz parte de uma nova filosofia, de uma sociedade que está valorizando a dignidade da pessoa, está valorizando os direitos humanos. O professor que antigamente quebrava a régua na cabeça do aluno ele não tem condição nenhuma de ser educador. Ele não respeita a mínima dignidade deste aluno. O que estou dizendo é que não precisa espancar para educar. O professor tem outros meios. É função dele mostrar para o aluno que não precisa resolver na base da violência. Existem medidas pedagógicas para isto. As vezes o problema não é do aluno, mas dos pais. Existe o problema de agressão em casa, embriaguês, violência doméstica. O professor infelizmente hoje está quase que substituindo os pais, porque os pais abandonaram a educação literalmente. O que tem que ser resgatado são os valores de relação materna. Se justifica o pai espancar o filho, justifica o policial espancar o cidadão. Se é para ter respeito a dignidade de uma pessoa teremos que ter por todos, independente que seja filho, cidadão, aluno.
As mulheres estão perdendo o medo de dar queixa dos homens
Para o delegado Sobreira o comportamento das mulheres está mudando. Recentemente uma pesquisa revelou que a mulher está mudando sua forma de pensar e agir. É uma coisa muito nova. Vamos pensar a seguinte situação: Nós temos uma cultura histórica de séculos que a mulher deve ser submissa ao homem. Isso passou de geração para geração. Isto começou a mudar com a Constituição de 88. Depois efetivamente com a Lei Maria da Penha. Basta lembrar que há quinze anos não se falava em proteção à mulher vítima de violência. É uma coisa muito nova e que em poucos anos vai mudar totalmente a forma de pensar das mulheres. É claro que há casos em que as mulheres ainda são realmente submissas.
A violência doméstica é uma questão cultural. Se é cultural, só se muda através de um processo cultural. Não se esperava que apenas com a edição da Lei Maria da Penha o panorama fosse mudar em relação a violência contra a mulher de um dia para outro. Isso é um processo, porque é uma questão cultural. Aqui na nossa Delegacia, mostrando um Boletim de Ocorrência que acabara de chegar em sua mesa, o Delegado exemplificou: “Estamos com 950 Boletins de Ocorrência registrados até hoje, dia 06, só nesta Delegacia que é a DPCAM, somente deste ano. Claro que não são só registros de violência doméstica, são registros envolvendo crianças, adolescentes, mulher e idosos. Esse BO que estou mostrando foi registrado às 14:51 minutos e é o único aguardando por providência em minha mesa. Aqui nesta Delegacia qualquer BO não passa mais que dois dias esperando por uma providência. Estamos com 100 inquéritos instaurados, até ontem. Todas as mulheres que chegam aqui na Delegacia elas saem cientes de todos os seus direitos, assinando o seguinte termo: “A vítima neste momento fica ciente que o prazo de carência será de 6 meses para representar ou requerer providências contra o autor do crime, e caso não faça o BO será arquivado. Ainda fica ciente de seus direitos previstos na Lei Maria da Penha. Especialmente medidas protetivas de urgência, proteção policial se necessário, atendimento médico, abrigo ou local seguro, quando despedida, retirada de seus pertences do local da ocorrência, devendo requerer nesta Delegacia”. O abrigo para recolhimento e proteção destas vítimas pertence ao Município. Quando a mulher registra a ocorrência, primeiro temos que separar quais são os crimes que dependem da vontade da mulher prosseguir com o processo e aqueles que não dependem. Ameaça e todos os crimes contra a honra dependem do interesse da mulher. Lesão corporal, não depende mais. Se a mulher foi agredida e ficou com marcas, alguma lesão ainda que pequena, chamada de lesão leve, ela e o agressor são encaminhados para o Fórum, ainda contra a vontade dela. Então o quer pode acontecer. A mulher registra um BO por ameaça contra o agressor. Alertamos sobre todos os seus direitos. Neste caso, de ameaça a senhora tem que nos autorizar para tomar providências contra o agressor. A mulher muitas vezes por vários motivos diz que não quer que se faça nada contra o agressor.
Novo quadro
Sobre o atendimento da DPCAM, o Delegado orienta que a mesma não possui plantão. O horário de atendimento é das 8:00 às 12:00 e das 14:00 às 18:00. Fora deste horário a pessoa registra a ocorrência no plantão da Comarca, que funciona 24 horas, no mesmo prédio. Feito o registro de ocorrência, no dia seguinte verificada a situação é despachado para providências. Se for situação de urgência, o próprio delegado de plantão tem condições de chamar o pessoal da Casa Abrigo, Conselho Tutelar e dar a proteção para a queixosa imediatamente. Na maioria das vezes quando do registro no plantão o agressor é conduzido junto e já fica preso.
A situação do idoso
A maioria dos casos que chega na Delegacia são relacionados a agressão, chamado maus tratos contra o idoso, não só agressão física. Os maus tratos contra idoso pode ser agressão física, psicológica, falta de cuidados necessários com a higiene, falta de condição de se alimentar só, mobilidade para deslocamento. Se o idoso é agredido, pior ainda. Então os maus tratos podem ser tanto pela ação como pela omissão. Outro caso que geralmente acontece é a apropriação de bens e valores do idoso. Muitas vezes aposentado, é induzido a contrair financiamento. Seu pagamento também é administrado de forma fraudulenta, como se fosse um direito ser remunerado pelos cuidados dispensados. Sobre o fechamento do lar de Idosos que existia em Campo Alegre, o Delegado diz que os denunciados foram indiciados, os idosos realocados e o assunto está nas mãos da Justiça. Inclusive há suspeita que idosos eram deixados por familiares juntamente com o carnê de aposentadoria, terceirizando os “cuidados”. Ali parecia mais um depósito de humanos deixados até morrerem. Foi um trabalho conjunto do Ministério Público, Policias, Conselho Tutelar, quase que uma força tarefa que resolveu o problema. O idoso e a criança, ambos são indefesos. O que diferencia é a idade. O idoso quanto mais velho, mais vulnerável. O idoso é mais explorado, inclusive por normalmente possuir bens, aposentadoria e a família abandona, concluiu o delegado Sobreira.