Bicheiros, empresários, policiais civis, militares e até delegada regional foram denunciados e presos pela prática de crimes dos mais diversos
São Bento – A outrora pacata São Bento do Sul, deixou de ser apenas a cidade dos móveis, do folclore e da música para ganhar o noticiário policial. A chegada de um novo Promotor de Justiça – Márcio Gai Veiga que comandou três operações de investigação, deixou perplexa a população acostumada com a ordem e o respeito às autoridades policiais. De uma hora para outra, como um vendaval, todos foram sacudidos por revelações conseguidas através de investigações e que incriminaram nomes de pessoas até então conceituadas e tidas como do bem, inclusive policiais, mostrando uma realidade diversa com envolvimento em contravenções e crimes. Para esclarecer os fatos o promotor de Justiça Márcio Gay Veiga, convocou na sexta-feira 5, uma entrevista coletiva em que reuniu os meios de comunicação da cidade, mais jornais e emissoras de TV estaduais para prestar esclarecimentos e detalhes das operações. Evolução esteve lá.
PROMOTOR – Foram três investigações principais que envolveram policiais aqui de São Bento do Sul. Uma primeira foi feita junto com o Ministério Público, a do Jogo do Bicho, que ocasionou a prisão inicial de um delegado de polícia do Paraná, um policial civil aqui de Santa Catarina, dois policiais militares e três bicheiros (1). Esta operação foi desencadeada em 29 de abril e chamou-se Game Over II. Na sequência ainda tendo participação de policiais, chegaram denúncias ao Ministério Público, indícios que estaria havendo problemas na emissão de CNH (Carteira Nacional de Habilitação), aqui em São Bento do Sul. Basicamente o pessoal trazia candidatos que não tinham capacidade de obter a CNH, que eram reprovados na prova prática no Paraná, e por meio de uma Auto Escola local (Universal), realizar a prova. Houve provas, já desde o início que havia modificação do sistema de intranet, de inapto para apto, num caso específico e em vários outros tipos de facilitação, mediante inclusive pagamentos, favores e benefícios para os policiais civis que estavam vinculados ao Ciretran de São Bento. Essa investigação embora tenha iniciado em uma reunião feita na promotoria, foi presidida pela polícia civil, DIC (2) comandada pelo delegado Márcio Santos Maciel. Resultou na prisão de dois policiais civis e afastamento de um terceiro. (3). Dando seguimento ainda a todo este contexto existiram outras quatro investigações presididas pela 3ª Promotoria de São Bento do Sul, que investigavam desvio de recursos públicos do Convênio de Trânsito do município. Recursos que vinham de multas de trânsito, que uma parte, 19% são destinados à Polícia Civil, e parte destes recursos eram desviados para uma oficina mecânica (4). Era feito um esquema onde, essa oficina sempre prestava serviços à Delegacia de concertos de viaturas, sempre em princípio havia superfaturamento destes serviços, para que fosse possível haver este desvio. Então foram valores significativos, embora valores relativamente pequenos, mas repetidos. Isto foi apurado de janeiro de 2012 até maio de 2013, e todo o contexto resultou inclusive na prisão da Delegada Regional, sua auxiliar direta e o afastamento de mais um policial civil (5).
EVOLUÇÃO – Nome da oficina?
PROMOTOR – Não vou divulgar nomes. Também dizer que isto é investigação do MP (6), o que eu estou dizendo é opinião do Ministério Público que gerou a denúncia, todos tem o direito de se defender, inclusive a decisão da recente prisão ainda cabe recurso, mas em princípio, basicamente é mais ou menos isso.
EVOLUÇÃO – Isso causa um problema na cidade, pois ficam as especulações de quem foi, qual a oficina uma vez que existem dezenas, quais policiais?
PROMOTOR – Isso, é um processo judicial. Francamente não é minha intenção atacar ninguém, nem divulgar, não vejo interesse nisso. O interesse do MP é divulgar as situações como um todo. Tem a ver com o fato que aconteceram prisões de policiais, isso acaba se tornando público e notório, é necessário esclarecer para a população de que não há impunidade. O MP está trabalhando para que a coisa aconteça. É necessário também dizer que todas, com exceção desta investigação da auto-escola, que todas foram feitas com a parceria da Polícia Civil, por meio da DIC, as outras foram feitas com base no poder de investigação do MP. Caso a PEC-37 tivesse sido aprovada não poderia ser possível que déssemos andamento a tudo isso.
A NOTÍCIA – 76 crimes, 65 foram de peculato?
PROMOTOR – Exato.
A NOTÍCIA – 65 ações na mesma mecânica?
PROMOTOR – Sim. 65 reparos de viaturas especificamente naquela oficina.
A NOTÍCIA – O senhor chegou a calcular o valor total?
PROMOTOR – Não me recordo de cabeça. Salvo engano, sobre o desvio de verba pública em torno de R$ 24 mil.
A NOTÍCIA – E os outros crimes?
PROMOTOR – Houve crimes de formação de quadrilha, peculatos. Pois houve uma troca de favores nestes peculatos, entre oficinas mecânicas para que essa específica conseguisse receber o valor. Crimes vinculados, um de estelionato, onde nesse caso houve indícios que foi registrado Boletim de Ocorrência, omitindo determinada situação. Essa situação caso tivesse chegado ao conhecimento de uma seguradora ela não teria pago o seguro. Isso foi objeto também de crime de estelionato. Além disso segundo o que foi aferido, inicialmente foi realizada uma interceptação telefônica, onde foi trazido para o judiciário um motivo criminal, que aparentemente segundo o que foi apurado na investigação teria sido usado na verdade para fomentar que os investigadores chegassem até a vida pessoal de determinadas pessoas e levassem estas informações para um terceiro que teria interesse nestas informações. Na verdade quebra de sigilo de interceptação telefônica. Quando se faz uma interceptação telefônica contra uma ação judicial, a vida particular das pessoas não pode sair dali, não pode sair do processo criminal. O que interessa é a eventual atividade criminosa. Quando se pega essa vida particular da pessoa e leva para o conhecimento de alguém, um terceiro que não está envolvido com a investigação , que não tem nada a ver com aquilo, está se quebrando o sigilo e indevidamente um sigilo de ligação telefônica.
A NOTÍCIA – Mais de uma mecânica está envolvida?
PROMOTOR – Na prática quem recebia o recurso público era uma única oficina. Só que existiam outras que forneciam orçamentos para que ela conseguisse sempre oferecer o menor preço. Uma prestava o serviço, buscava os orçamentos com as outras que mediante combinação orçavam mais altos para que a outra conseguisse receber. Conivência e participação. Tanto é que os proprietários das demais oficinas também foram denunciados (7). Também estão respondendo processo criminal.
A NOTÍCIA – Foi pedida também a prisão do dono da oficina?
PROMOTOR– Foi pedida a prisão do dono da oficina só que infelizmente a decisão judicial não foi neste sentido (8). Por algumas medidas cautelares de proibição de conversa com policias, alguma coisa neste sentido.
EVOLUÇÃO – E o envolvimento direto da Delegada?
PROMOTOR – O envolvimento direto da delegada em principio ela foi denunciada por formação de quadrilha e dois crimes de violação de sigilo profissional naquela primeira investigação (jogo do bicho), e ela foi denunciada por todos estes 70 e poucos crimes, cuja denúncia foi recebida na data de ontem (quinta-feira 4), ou anteontem, agora não me recordo. Ela em princípio é em relação a todos estes crimes, principalmente da última denúncia. Não é nenhum elemento do envolvimento da delegada com a CFC, isso tem que deixar claro.
EVOLUÇÃO – Podemos insistir num ponto. Na delegacia ninguém da informação. No fórum o senhor estava ocupado. Então fica difícil para nós da imprensa lidar com uma notícia desta que mexe com a cidade, mas não tem nomes. Qual a oficina? Qual o policial civil? São tantos e isto gera muita especulação. O processo existe, a denúncia está feita e os nomes são mantidos em sigilo?
PROMOTOR – Bom ao todo são onze pessoas presas. Destes oito são policiais presos e outros dois afastados da função. O interesse do MP não é de dar publicidade em relação aos nomes. O nosso interesse inclusive em conceder esta entrevista para todos é mostrar a gravidade da situação. A primeira situação me parece muito grave que a população tem que ter consciência é que por exemplo no caso da auto-escola, uma pessoa não habilitada, consegue uma habilitação por meio da modificação do sistema e coloca toda a sociedade em risco. Está dirigindo sem ter capacidade para tanto. Então é necessário que se tome providências. E, é necessário que a população tome conhecimento que providências estão sendo tomadas para que isto não se repita. Que os policiais envolvidos com um fato de tamanha gravidade serão afastados para que não torne acontecer. Segundo fato: Recursos do Convênio Municipal de Trânsito, na prática a população paga as multas, sejam emitidas pela Polícia Militar, Polícia Civil, lombadas eletrônicas, tudo mais. Estes valores são destinados para um fundo, dos quais 19% dos valores vão para a Polícia Civil e uma parte destes valores estava sendo desviada para uma oficina. Então a população está sendo lesada na medida em que paga suas multas e esse dinheiro de uma forma fraudulenta, uma forma ao ver do MP constando da denúncia, criminosa, está indo para o bolso de determinadas pessoas. Isso não pode acontecer e o objetivo do MP em princípio é mostrar para a população que estão sendo tomadas providências para que isto não se repita. Algumas pessoas envolvidas o processo criminal está no Cartório e acho que não seja difícil verificar. Mas, eu não vou ter interesse realmente em divulgar os nomes em relação a isto.
A NOTÍCIA – Quais são as provas em relação a participação da delegada?
PROMOTOR – Na verdade uma investigação, a do jogo do bicho, inicial, acabou gerando as outras. Porque numa interceptação telefônica inicial onde se investigava a atividade do jogo do bicho , essa pessoa acabou aparecendo em uma ligação contatando um dos investigados, naquela oportunidade. Em virtude disso acabou sendo interceptada também, tudo com autorização judicial e no acompanhamento das conversas telefônicas dessa pessoa, ela acabou demonstrando que estava praticando outros crimes, em princípio, já do início deu para perceber que existiam outros crimes sendo praticados. Como naquela primeira investigação era objeto o jogo do bicho, foram instaurados outros quatro procedimentos para focar justamente nestes outros possíveis crimes que estavam sendo cometidos. A realidade da situação é o desvio de recursos públicos. As outras duas situações características são necessárias se esclarecer. O que levou o MP a chegar nesta oficina especificamente? Primeiro: foi concertado um carro particular como se fosse uma viatura policial. A documentação junto ao Convênio de Trânsito consta como se fosse uma viatura com determinada placa concertada, quando na verdade era um carro particular. Isto foi o início que nos levou a chegar nesta oficina. O interesse na realidade não era beneficiar aquela pessoa em particular, o problema é que teve uma vistoria na delegacia, mas a coisa era tão comum que chegou-se ao ponto de concertar carro particular como se fosse viatura. Outra situação grave foi no sentido de o concerto de um veículo público ser feito com uma peça oriunda de um lugar, que os próprios investigados chamaram de ‘ROBAUTO” (9) em Curitiba. Uma peça nova com valor bem mais auto em princípio sem origem definida pelo preço bem mais baixo no local chamado de “ROBAUTO”. Isto também é muito grave, também tem que ser apurado, Em princípio o MP já viu indícios para denunciar, tanto é que já entendeu como necessária a prisão destes policiais envolvidos, mas tudo ainda vai ser apurado na ação criminal.
RBS – E A delegada onde está presa?
PROMOTOR – Foi transferida para a DEIC em Florianópolis.
EVOLUÇÃO – O senhor falou especificamente da auto-escola Universal e acabamos de ser convidados para sua reabertura, logo mais às 17:00?
PROMOTOR – Bom o MP entendeu e representou pela prisão preventiva do proprietário da auto-escola e não houve decisão judicial neste sentido. A decisão em primeiro grau foi no sentido de interditar a auto-escola para não prender o proprietário. A interdição foi realizada, foi fechada às portas como medida cautelar substitutiva à prisão. Ou seja, foi interditada para não prender o proprietário. Em um Mandado de Segurança impetrado no Tribunal de Justiça, a Justiça determinou a reabertura porém com a nomeação de um interventor para administrar a auto-escola nesta fase. Então em princípio a informação que nós temos do processo é no sentido de que, houve a interdição, ela está sendo reaberta, mas não pelo proprietário. O interventor (10), uma empresa vai administrar a auto-escola, inclusive com transferência de contas bancárias, isso por meio de uma decisão decorrente de uma liminar em mandado de segurança no TJ-SC.
RSB – Diante da situação que está ocorrendo na delegacia como fica a situação funcional e operacional?
PROMOTOR – É necessário dizer que todas estas investigações só se deram com o apoio também de policiais. Uma delas que foi da CFC Universal, foi uma parceria com o delegado da DIC. A própria policia civil investigou. Então é necessário preservar também a imagem da instituição Policia Civil. São alguns policiais infelizmente envolvidos em tudo isto e que foram afastados. Em relação a outras situações quem venham eventualmente acontecer ou outras irregularidades que venham a ser levadas ao conhecimento público, com certeza serão investigadas. É necessário fazer esta observação porque inclusive o GAECO (11) que deu apoio ao cumprimento dos mandados é integrado também por delegados e policiais civis. Então não é a policia civil o problema, são alguns policiais que no entender do MP deveriam ser afastados, foram, e o serviço deve permanecer com a qualidade em toda a estrutura necessária.
RSB – Pode-se entender que as investigações irão continuar?
PROMOTOR – Com certeza. Todos os fatos irregulares, todos os crimes que chegam ao conhecimento do MP, serão investigados, como estão sendo. Para nós não interessa quem é o investigado. Interessa é se houve algum crime.
EVOLUÇÃO – O senhor é o assunto. Já chamado de o “promotor Vanish - limpeza pesada”. Todas as ações tem o apoio da população que quer o fim da corrupção. A maioria comemora o sepultamento da PEC 37, o que permitiu estas investigações. Como isso vai acabar? A auto-escola já está sendo reaberta. Daqui a pouco veremos os acusados e condenados desfilando pelas ruas da cidade como se nada tivesse acontecido?
PROMOTOR – Bem, eu estou oferecendo hoje, provavelmente a denúncia contra a auto-escola. Este processo segue agora judicialmente, com direito a defesa obviamente, o contraditório pela defesa é um direito constitucional de todos nós, isso é inevitável, é necessário. O processo judicial demora um pouco pois são vários trâmites, infelizmente a nossa legislação ainda prevê vários tipos de recursos e para se chegar ao trânsito em julgado e a prisão por exemplo em caso de condenação é necessário passar por tudo isto. O que eu posso assegurar é o seguinte: o MP está fazendo tudo para que isto seja bem feito. No sentido de já que há convicção, investigar com calma para se chegar a elementos para uma conclusão. Já que a conclusão inicial foi que há provas para denúncia, é muito provável que durante o rito processual a opinião do MP prossiga do mesmo modo, até porque vai se embasar nas mesmas provas que já foram produzidas. Vamos trabalhar para que isto tenha efetividade. O que acontece é que existe uma decisão judicial de primeiro grau aqui da Comarca, da 3º Vara Criminal que determinou a prisão de todos os policiais, ao todo são oito em todas as situações. Por enquanto mesmo o delegado do Paraná, continua preso. Os bicheiros continuam presos. Não há nenhuma concessão de prisão domiciliar para ninguém. Todos continuam presos por enquanto. Se houver alguma decisão do Tribunal em sentido diverso, faz parte do sistema processual. Infelizmente isto foge do controle do MP em primeiro grau e judiciário em primeiro grau que decretou. Este trâmite é necessário. O MP vai buscar a condenação final, mas não posso garantir a permanência destas prisões até porque não dependem do MP.
NR. Até o fechamento desta edição, 20:00 de ontem, nenhuma alteração havia sido noticiada com relação ao que foi descrito acima. Para melhor compreensão dos leitores, siglas e nomes não mencionados no texto, mas apurados no processo estão devidamente identificados a seguir:
(1) Acusados: Antonio Osmar Fuckner (advogado), Angela Tereza Borck Roesler (Delegada Regional), *Newilo Hatschbach (proprietário Casa Lotérica), *Emerson Hatschbach (proprietário Casa Lotérica), Patrícia Hatschbach(proprietária Casa Lotérica), *Celso dos Santos (Policial Civil), *Gilberto Schlogl (sargento PM), Rubens Antonio Blaskowski, Edinor Vilmar Veiga, *Adriano Antonio Minini, Ivo Rosandro Saidok, Paulo Tobia, Jonas Pscheidt, Silvia Maria da Silva, *Mário Norberto Bartniak, *Renato Wasthner de Lima. (*) Presos.
(2) DIC – Delegacia de Investigações Criminais.
(3) Auriane Sagaz, Itamar Rodrigues(presos) e Eliel de Campos (afastado).
(4) Oficina Mecânica Auto Service.
(5) Angela Tereza Bork Roesler, Cintia Giovana Dutra Rodrigues (presos) e Maurício Montiel Rodrigues (afastado).
(6) MP – Ministério Público.
(7) Manoel da Rosa Rocha (Mecânica Nézio), José Carlos Eckel (Trevicar) e Valcir Novak (Rodometal).
(8) Luiz Roberto Eckel.
(9) ROBAUTO – Desmanche que vende peças de carros roubados (Curitiba).
(10) Jonny Zulauf – Instituto Brasileiro de Auditoria e Gestão Empresarial (Ibage).
(11) GAECO – Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado.
** Na terça-feira a noite foram liberados os policiais civis Itamar Rodrigues e Auriane Sagaz que estavam detidos em Florianópolis.
** Na quarta-feira 10, o TJ nega pedido de Habeas Corpus impetrado pelo advogado Arão dos Santos em favor da delegada Angela Roesler.