Adriana Lisboa, médica e vice-presidente da Associação Médica Celso Emilio Tagliari, que é a regional da Associação Médica Catarinense que é a estadual da AMB – Associação Médica Brasileira
EVOLUÇÃO – Na onda de protestos em quem as maiores manifestações são pela saúde, os médicos resolveram contra-atacar também protestando?
ADRIANA LISBOA – Na verdade é assim, faz parte do mesmo aspecto de coisas. Nós temos no Brasil um problema crônico de financiamento da saúde. O Governo não investe, não se importa com a saúde. No ano passado o Governo da Dilma, sob a batuta do ministro Alexandre Padilha, cortou R$ 17 bilhões da saúde. De cada R$ 100,00 aprovado pelo Congresso do orçamento para o ano de 2012, o Governo só gastou R$ 49,00. Quer dizer, deixou de gastar R$ 51,00 de cada Rid="mce_marker"00,00 que já estavam destinados para a saúde. O que existe é uma má vontade, o Governo é mal administrado. Tem uma máquina inchada, ruim, pouco eficiente. A grande questão é que o governo alega que não existem médicos em cidades do interior. Vai ter médico como. Paciente sofre com um trauma de crânio tem para onde transferir? As vezes ficamos horas e horas tentando transferir paciente para outra UTI, isso que aqui ainda somos bem estruturados. Nossa emergência está sempre lotada porque não tem vaga nos Postos. Aí falamos a culpa é do prefeito, do secretário da Saúde. Na verdade é assim. Todo mundo tem sua parcela de culpa, só que a grande parte do dinheiro fica concentrado na mão do Governo Federal que não faz e não tem o interesse de fazer a sua parte. Como é que um médico vai lá para o interior do Amazonas, ser o único médico 24 horas por dia, sete dias da semana, sem ter leito, raio X, ultrassom, vaga de UTI? Outro dia eu estava lendo o protesto de um prefeito que dizia: “Dilma me mande um cubano. A cidade tem três mil habitantes e não tem luz elétrica”. O que um médico vai fazer lá? Então o que existe é que você não faz saúde só com uma única coisa. Como é que um médico vai para um lugar que não tem luz elétrica, saneamento básico, educação? O que ele vai fazer lá? Passar raiva, apanhar da população. Porque a população quando chega um médico diz: “chegou nossa tábua da salvação”. Não se faz medicina só com médico. O que precisa é estruturar.
EVOLUÇÃO – Aqui mesmo é uma dificuldade atrair um novo médico. Eles alegam que não tem praia, cinema nem diversão?
ADRIANA LISBOA – Se o Governo junto com o Congresso investirem na carreira de Estado do médico, o mesmo vai ser como um juiz. Paga, dá férias, da plano de carreira e vai atrair profissionais. Você já viu cidade sem juiz. Eles vão porque prestam um concurso público dificílimo, mostram a sua capacidade operacional – depois podem até se perder no caminho – em virtude de outras viscicitudes. Mas é assim. Ele vai não tem discussão. Ele tem uma carreira, garantias, estabilidade de emprego. Nós quando vamos muitas vezes para o interior – não aqui em São Bento que isso aqui não existe muito – que é a dificuldade de atrair um médico em virtude outras coisas que faltam região. Tudo bem, falta praia, médico também quer lazer como qualquer outro cidadão. Só que você instituir uma carreira pública de saúde isso acaba. O médico vai prestar um concurso, se aprovado, vai realmente provar que sabe medicina e vai atender a população no interior, com vistas a progredir na carreira. Agora o que não pode é o médico ser deslocado para o interior e virar refém do prefeito. Coleciono várias histórias. Chega lá é o único médico da cidade. O prefeito diz: “vou te pagar R$ 30 mil”. No segundo mês não tem dinheiro só paga R$ 15 mil. No terceiro não paga mais, e ainda pressiona o colega:” se não fizer campanha para mim tá no olho da rua”. Isso é um absurdo.
EVOLUÇÃO – Se não virar refém, pode virar prefeito?
ADRIANA LISBOA – Tem também. Só que nas cidades muito isoladas, Amazônia e interiorzão é até difícil o cara virar prefeito. É uma situação tão negra pois os colegas mostram realidades em que atendem até na varanda da casa, porque o Posto de Saúde está caindo aos pedaços. Como examinar um paciente na varanda com outras pessoas passando e olhando? Se você não criar um atrativo, uma carreira sólida para o médico, não vai ter médico. Aí vêm o revés da moeda. Porque o Governo quer importar médicos de Cuba? Primeiro: o grande produto de exportação cubana é o médico.
EVOLUÇÃO – Mas, Cuba uma ilha, com população pequena e apenas duas faculdades produzindo tantos médicos assim?
ADRIANA LISBOA – Isso é mesmo uma falácia. Essa história de exportar 6 mil médicos, será que são médicos mesmo? Cuba como você disse tem duas escolas de medicina. Uma forma duzentos e outra cem por ano. Então os últimos 20 anos de formados virão todos para o Brasil?
EVOLUÇÃO – Então é apenas uma exploração política da situação?
ADRIANA LISBOA – Acho que é. A estrutura da medicina cubana é totalmente diferente da nossa. Cuba sofre embargos econômicos severos há 50 anos. A medicina cubana é boa como medicina preventiva. O médico cubano ele tem uma ação parecida com a do nosso Agente de Saúde. Pesa neném, verifica o crescimento, examina caixa d’água, se existe água filtrada, essa é a ação. Mas, o médico cubano não tem acesso a medicamento. Quem produz medicamentos são os grandes laboratórios americanos e europeus que não fornecem nada para Cuba. Cuba não tem raio X, não tem ultrassom, tomografia e ressonância então nem pensar. Não tem máquina de hemodiálise. Tem pouquíssimos centros cirúrgicos. Então a formação do médico cubano é bem diferente da nossa. Imagina pegar um coitado deste e jogar no interior da Amazônia para trabalhar sem estrutura nenhuma. O povo esperando um milagre que não vai vir.
EVOLUÇÃO – Se aqui temos estrutura por que duas clínicas de hemodiálise brigando na justiça para trabalhar no Hospital?
ADRIANA LISBOA – O problema é justamente o que vou te dizer. Você não faz hemodiálise se não tiver UTI. Você não faz se não tiver cirurgião vascular para fazer fístola. Aí começa o problema. Essas estruturas terciárias precisam de base secundárias para funcionar. Por isso que elas disputam e não saem daqui. O que elas precisam tem. Se faltar algumas das condições nenhuma das duas irá atender.
EVOLUÇÃO – Por que não se tem notícia de hospitais de propriedade de médicos fechando?
ADRIANA LISBOA – Não. Esse é o mal da falta de investimento público. Os mais espertos correm para a saúde privada e investem nela. Mas quem é que tem condições de pagar saúde privada? Quem tem melhor condição financeira. O brasileiro médio não tem essa condição financeira. E, mais grave, na verdade o Estado faz questão de fechar os olhos para esta situação e deixar a saúde privada correr para justamente não ter que investir na saúde pública. Esse é o mal gravíssimo do Estado brasileiro. A obrigação da saúde é do Estado. A medicina privada, é dela que eu sobrevivo sem dúvida nenhuma, porque o SUS remunera mal, a estrutura é ruim, mas a saúde privada é uma aberração. Ela só existe porque a saúde pública não funciona.
EVOLUÇÃO – Por que os médicos reclamam tanto do SUS mas ninguém larga a teta?
ADRIANA LISBOA – Reclama-se do SUS pelo óbvio. Uma consulta o SUS paga R$ 3,00 e centavos. Uma cirurgia de apendicite R$ 42,00 e centavos. Uma cirurgia de hérnia R$ 40,00 e centavos. Uma fratura de bacia completa R$ 100,00 e poucos. O SUS remunera muito mal. O médico não larga porque dentro do próprio0 SUS ele acaba captando mais clientes para atendimento particular. Quando ele atende bem o paciente acaba tendo uma relação melhor e passa a tornar-se cliente particular dele, através de plano de saúde ou de outra forma que seja. Eu, particularmente não largo o SUS porque se eu não fizer quem irá fazer. Não adianta eu fechar os olhos. Eu, não tenho plano de saúde. Não acredito em Plano de Saúde. Que me perdoem Unimed, que me perdoem todo mundo. O plano de saúde é uma aberração, a obrigação é do Estado, e nós vamos estourar a qualquer momento. O Estado não investe, esse é o mal. Agora sem dúvida nenhuma, o SUS remunera mal, mas existe uma relação extremamente maldosa no tripé da situação. O SUS finge que paga, o médico finge que trabalha e o paciente finge que é atendido. Isso já dura anos. Nós aqui na região até que temos uma situação bastante privilegiada, porque temos muitos colegas trabalham descentemente pelo sistema público.
EVOLUÇÃO – Uma vez entrevistei um médico, seu colega e que disse que os filhos dele, formados, não precisavam fazer plantão como ele fez quando jovem?
ADRIANA LISBOA – Isso é um erro gravíssimo. Vou te dizer uma coisa. Vou atribuir como um pensamento meio que isolado. Se as minhas filhas fizerem medicina, elas irão fazer plantão, porque eu fiz, Hoje em dia eu não faço sobreaviso até por uma questão de estrutura familiar, sou separada e não posso deixar minhas filhas só. Mas, se eu tiver que voltar a fazer plantão, farei numa boa. Não sei se eu tenho conhecimento suficiente para fazer plantão de emergência. Aí é um outro departamento.
EVOLUÇÃO – Até porque o plantão é uma escola, um aprendizado?
ADRIANA LISBOA – É. Mas vou te explicar porque todo médico hoje foge do plantão de emergência. A saúde pública está tão ruim e tão caótica, tão decrépita, que quando o paciente chega no Pronto Socorro, que não é o lugar dele, com dor de cabeça, com íngua, com furúnculo na bunda – que eu já te contei essa história – com unha encravada, com estes tipos de coisa, já chega aqui desesperado, porque já rodou e não encontrou atendimento. Aí se o médico fala para ele que aqui é lugar de emergência, ele bate no médico. Então todo médico está fugindo destas situações. Quem quer se aborrecer com paciente, brigar, passar estresse, ver uma emergência lotada. Dias destes tivemos 409 atendimentos. O que tinha ali nestes 409 atendimentos? 99% eram de casos ambulatoriais que poderiam ter sido resolvidos nos Postos de Saúde. E, por que não foram? Porque existe um gargalo e não é de falta de médicos mas sim de falta de estrutura. Nós temos aqui mesmo em São Bento do Sul Postos de Saúde novos e modernos, construídos bonitinhos, mas que não tem mobiliário. Não adianta colocar um médico lá para ele ficar dentro de quatro paredes.
EVOLUÇÃO – Uma Ferrari sem motor?
ADRIANA LISBOA – Exato. Precisa de tudo. E aí quando este colega médico está lá atendendo e precisa de uma ressonância tem que ficar dois anos na fila. Um exame de laboratório demora. E, aqui que ainda estamos bem estruturados. Então não adianta. Precisa de investimentos de uma carreira de estado. Sem isso não adianta, não vai ter saúde.
EVOLUÇÃO – E, antigamente quando nenhum destes aparelhos existiam e o médico examinava teu olho, conversava e até te dava um diagnóstico. Hoje você diz bom dia doutor, e ele já preenche a guia para exames e pede para marcar retorno?
ADRIANA LISBOA – Isso é um problema que já vem se agravando a alguns anos e tem algumas explicações. Número 1: Tivemos aqui até uma experiência bem interessante. Um colega que hoje é neurocirurgião lá em Jaraguá do Sul e que trabalhou no plantão aqui a algum tempo. Ele examinava tão bem os pacientes que os mesmos começaram a reclamar que ele demorava demais na consulta. Então existe uma pressão por parte do próprio paciente, da fila de espera, no sentido de que o médico se apresse. Número 2: Hoje a pressão midiática e do próprio judiciário contra a figura do médico é tão grande que ele já vai pedindo exame antes de examinar o paciente. Isso é um mal. Nenhum exame substitui o exame físico. Também houve um aumento na criação de escola médicas, mas uma piora na qualificação.
EVOLUÇÃO – Estão formando mal?
ADRIANA LISBOA – Mal. Essa é uma realidade nossa. Quantidade não é qualidade. No caso do Brasil, nós perdemos em número de escolas médicas para a Índia que tem um a população de quase 1 bilhão de habitantes. Essa é a realidade. Agora, que qualidade é esta que estamos dando a estes futuros profissionais? Uma qualidade péssima, pelo mesmo problema de falta de estrutura. Para uma boa escola de formação médica você tem que ter um ótimo Hospital Escola. Os Hospitais Escola estão caindo aos pedaços. No Rio de Janeiro, hospitais que eram centros de referência fecharam emergência e vários andares por falta de estrutura. Não tem kit para exame de laboratório. Não tem filme para raio X. Falta seringa. Tá faltando gaze. Como fazer medicina com um lixo destes. Que tipo de formação um aluno que sai de um ambiente deste pode ter?
EVOLUÇÃO – Você deixou o Rio de Janeiro e veio para São Bento?
ADRIANA LISBOA – Vários fatores pesaram nesta decisão. Adoro São Bento do Sul. Aqui é menos caótico que o Rio de Janeiro. Porque que eu vim para cá. Me pergunta se eu iria para a Amazônia? Claro que não. Sem me dar uma carreira de estado não iria. Eu tenho que ter estrutura para trabalhar e São Bento tem esta estrutura. Também graças a visão de todos prefeitos e secretários de Saúde que passaram na pasta, a direção do Hospital, a visão de alguns colegas que permitiu um avanço na própria medicina de São Bento. Quando cheguei aqui não tínhamos tomógrafo, ressonância nem UTI. Tínhamos precariamente um Centro Cirúrgico. O Pronto Socorro do Hospital era simplesmente um depósito de gente. Não tínhamos laboratório municipal. Não tínhamos raio X na secretaria de Saúde. Não tínhamos aparelho de Ultrassom. Então isso aí foi uma ação conjunta e participativa da sociedade local, dos políticos locais no sentido de melhorar a saúde de São Bento, enquanto em outras cidades deram marcha ré.
EVOLUÇÃO – Então porque a onda de protestos?
ADRIANA LISBOA – O brasileiro melhorou de vida. Trouxe mais qualidade de vida para dentro de sua casa. Mas agora ele quer para o lado de fora de sua casa. Não lhe basta uma geladeira nova, se ele fica meses na fila aguardando por um exame. Não lhe basta uma televisão nova, uma casa própria. Saúde tem muito mais coisas envolvidas. E, vemos gastos desnecessários a rodo, por parte do Governo, do Congresso, em tudo quanto é lugar. Uma absoluta falta de política pública na saúde e na educação. Estes são os dois pilares essenciais de qualquer democracia de qualquer república. Pelo amor de Deus, não se faz Estado, Governo, sociedade sem saúde e educação.
EVOLUÇÃO – Segundo suas colocações, São Bento do Sul não se enquadra neste manifesto que vocês estão distribuindo como protesto?
ADRIANA LISBOA – É verdade. Mas é por uma conjuntura nacional.
EVOLUÇÃO – Quantos médicos fazem parte das bancadas no Congresso Nacional?
ADRIANA LISBOA – Médicos quase 70 e senadores 3.
EVOLUÇÃO – Uma boa representatividade.
ADRIANA LISBOA – Sem dúvida. Por isso quero dizer que o folheto distribuído pode não servir para a realidade de São Bento, mas para a Nacional. Isto aqui trata-se basicamente do Governo Federal que concentra nas mãos a maior parte dos recursos, e repassa muito pouco as prefeituras, os hospitais filantrópicos e uma grande parte dos profissionais de saúde. Não estou falando só de médicos, mas de dentistas, fisioterapeuta, terapeutas, e dos professores coitados, fazem milagre com o que ganham. O fato de termos médicos como deputados e senadores só me leva a crer o seguinte: somos muito mal representados.
EVOLUÇÃO – Em SC temos até vice governador?
ADRIANA LISBOA – Mais uma prova que estamos muito mal representados e quem não gostar do que falei que dê um tiro na cabeça. A realidade é que agora estão votando tudo apressadamente. Uma realidade que só funcionam na base da porrada. O povo não pode mais ser pacífico. Quem se cala não sabe exercer a democracia. Temos que pensar muito bem quando chegar na hora da eleição. Hoje a gente protesta e amanhã coloca os mesmos no lugar.
EVOLUÇÃO – E a palavra de ordem para o dia Nacional de Luta dos médicos?
ADRIANA LISBOA – Tudo que nós queremos é financiamento adequado da saúde. 10% do PIB (Produto Interno Bruto), aplicados em saúde por parte do Governo Federal. Tem que distribuir para os Estados e Município. Carreira de Estado para o médico. Estruturação da Saúde Pública. Todos os médicos estrangeiros são benvindos desde que façam a prova de convalidação do diploma, que seja avaliada a capacidade deles. Pois se nós formos para qualquer país, temos que provar que sabemos medicina e que sabemos falar a língua. Não adianta vim para cá um médico que não saiba falar o português pois não vai nem se entender com o paciente. A brincadeira acabou. Queremos uma saúde descente.
EVOLUÇÃO – O que será feito em São Bento do Sul?
ADRIANA LISBOA – Fizemos uma panfletagem com alguns artistas vestidos de médicos e fantasiados de palhaços para mostrar a tristeza que temos com as ações públicas. Colocamos outdoors, faixas. Hoje, vamos nos reunir com o presidente da ACM, e mais teremos assembleia e a nossa intenção é conscientizar a população, a sociedade para que brigue pelos seus direitos.
EVOLUÇÃO – Considerações finais.
ADRIANA LISBOA – Gente. A verdade é a seguinte: médicos, dentistas, professores, psicólogos, jornalistas, advogados, enfim, todos os cidadãos, todos fazemos parte de uma sociedade. Todos temos que nos engajar neste tipo de movimento para que o Governo cumpra o que é obrigação dele. Não é favor, não é bondade, é lei, é constitucional. O Governo tem que investir em saúde. Cobrem e cobrem do governo em que nível for.