
A pequena igreja de pedra Nuestro Señor del Perdón, em Guaíra, no oeste do Paraná, reúne traços da arquitetura e da cultura dos jesuítas, ordem religiosa à qual pertence Jorge Mario Bergoglio, o argentino que na quarta-feira (13) foi eleito novo Papa, com nome de Francisco. Embora não tenha sido construída pelos religiosos dessa congregação, o templo conta com telhado trazido de uma capela de jesuítas na Argentina e com vitrais que retratam a história dos primeiros padres do grupo.
A Companhia de Jesus, como é conhecida a ordem dos jesuítas, foi fundada em 1540 pelo espanhol Inácio de Loyola – e por outros companheiros – em Paris. O grupo é marcado pelo trabalho missionário e de educação, tendo sido responsável pela evangelização católica nas colônias da América e da Ásia e pela construção de inúmeros colégios e universidades pelo mundo. Atualmente, conta com cerca de 19 mil membros espalhados por 91 províncias.
A igreja em Guaíra, conhecida como capela espanhola em homenagem aos missionários que habitavam a região, começou a ser erguida em 1933 e foi inaugurada no ano seguinte, com uma missa. Atualmente, a maior parte das celebrações é realizada pelos padres Neimar Aloízio Troes e José Carlos Rodrigues, que não são jesuítas. A outra igreja católica – Nossa Senhora dos Navegantes – fica distante cerca de um quilômetro do local.
O templo com detalhes jesuítas nasceu de uma tragédia familiar. A mulher do dono de uma empresa multinacional de erva mate, que morreu em um acidente de avião, fez a promessa de construir uma capela para a cidade de Guaíra se o corpo do marido fosse encontrado. Na época, as equipes demoraram para encontrar a vítima.
O terreno foi doado pela própria empresa e as pedras vieram das Sete Quedas, grupo de cachoeiras que foi submerso com a criação do lago para a Usina de Itaipu, em Foz do Iguaçu.

(Foto: Cassiane Seghatti/G1)
"Eu tenho uma relação muito forte com essa igrejinha por causa dos jesuítas. Essa capela é muito mágica. Você não fala do passado sem falar dos jesuítas", complementou a artista plástica, que afirmou ainda que a igreja também é conhecida como um dos cartões postais da cidade. De acordo com a secretaria de Cultura, a construção é reconhecida como patrimônio público do Município.
Ana diz que começou a estudar a história da igreja quando iniciou os trabalhos na Secretaria de Turismo, pouco após o fim das Sete Quedas, que eram uma das atrações turísticas da cidade. "Tinha que vender a cidade. E vender Guaíra depois das Sete Quedas era terrível porque para o Guairense, nós havíamos perdido tudo", lembra.
O trabalho para quebrar as pedras, segundo Ana, foi realizado por boias-frias, sempre aos domingos, único dia de folga dos operários. "Quando terminou, era preciso trazer as pedras. Então, foi feito uma procissão, onde cada Guairense trouxe uma pedra carregada na mão e andaram cerca de quatro quilômetros para chegar até a cidade", conta.
Ana conta também que quando chegou a Guaíra, em 1966, havia comentários de que a igreja havia sido construída pelos jesuítas. Após estudar a origem do local, acabou descobrindo que apenas o telhado foi trazido de uma capela de jesuítas da Argentina. Outro traço presente na igreja são os vitrais, com desenhos que contam a história dos primeiros jesuítas.
"Eu digo sempre. A alma dela é jesuíta. O estilo dela é normando, mas é uma construção muito sóbria dos jesuítas. Outra coisa que ela tem. Os vitrais vieram da Argentina e conta toda a história, desde o fundador, que é Inácio de Loyola, fundador da ordem jesuítica, e os três primeiros mártires sul-americanos", explicou Ana.
Para ilustrar melhor a história dos jesuítas na região, Ana afirma ainda que encontrou uma forma fácil de prender a atenção das pessoas. Ela fez bonecos de palha que representam toda a história dos jesuítas desde a chegada dos padres missionários na região até as dificuldades enfrentadas para tentar proteger os indígenas dos bandeirantes, procedentes de São Paulo, que queriam aprisioná-los para escravizá-los nos trabalhos no campo e na cidade. Os bonecos são usados em feiras e palestras.

(Foto: Cassiane Seghatti/G1)
"Eu ia às feiras de turismo e muitas pessoas não entendiam o que eu estava falando. Não achavam muito interessante. Então, como amo artesanato, resolvi encenar a história com os bonecos de palha", disse.
A artista plástica disse ainda que recebeu a notícia da eleição do Papa argentino, com muita alegria. Sobretudo, por ser um jesuíta. "Eu vibrei quando vi que era jesuíta porque eu gosto tanto, né. Logo depois que falaram que era jesuíta, eu nem lembrei mais que era um argentino", brincou.
"E o interessante. Sempre que eu conto a história dos jesuítas, eu misturo a história com os franciscanos. E você viu que o Papa adotou o nome de Francisco. E ele tem a simplicidade, é um homem que não gosta de pompas, cozinha a própria comida, anda com transporte público e isso mostra muito o lado de São Francisco de Assis", complementou.
Conhecedor da história dos jesuítas e também da região Del Guairá, onde os missionários viviam no Paraná, o escultor e ex- frei franciscano Antônio Augusto Sobrinho, acredita que o novo Papa tenha escolhido o nome Francisco, pois é devoto do Santo Francisco. "Ele [Papa] é muito devoto de São Francisco, que era uma pessoa que ajudava os pobres e também um grande evangelizador", completou.

evangelização dos jesuítas (Foto: Cassiane Seghatti/G1)
Para ele, a escolha dos 115 cardeais também não era esperada. “Foi uma surpresa muito grande porque a gente esperava que fosse um brasileiro. Mas você sabe que Deus é uma coisa impressionante. Deus sabe o que nos convém. Não é aquilo que nós queremos, mas aquilo que ele [Deus] quer", assegurou.
Na casa do Frei Pacífico, que lançou um livro sobre a história de Guaíra, são encontradas muitas esculturas feitas em madeira e em argila que retratam temas que vêm da mitologia, da astrologia, do conhecimento da região de Guaíra, da cerâmica tradicional tupi-guarani, do religioso. Segundo ele, nada é contemporâneo nem moderno. A exposição, sem custo, é um patrimônio de Guaíra e ajuda a contar a história da cidade.