por Marcelo Henrique
As últimas notícias divulgadas pela mídia pátria, ainda no continuum da Tragédia de Santa Maria, dão conta da prisão de quatro pessoas, dois empresários e dois músicos, envolvidos no fatídico e lamentável acidente. Em complemento, medidas judiciais de sequestro de bens e bloqueio de contas bancárias de titularidade dos envolvidos (ainda suspeitos do cometimento de algum crime, posto que as investigações recém iniciaram e não há, ainda, o devido e justo processo legal com o acusatório e a manifestação dos imputados, em sede dos princípios do contraditório e da ampla defesa.
O intuito desta singela e rápida crônica não é a desfaçatez ou a tergiversação. Muito pelo contrário. Não temos o intuito de “dourar a pílula” ou afastar a responsabilidade objetiva e subjetiva de quem quer que seja.
Reconhecemos que, pelas informações disponíveis, parece haver indícios (que serão elevados ao nível de provas, nas investigações e no processo consequente) de que os documentos necessários ao funcionamento da casa noturna estavam vencidos e que haviam sido feitas reformas “não autorizadas”, além de não terem sido cumpridos minimamente os requisitos de segurança exigíveis para tais locais de aglomeração popular. Patente, assim, a imprevidência e a negligência dos responsáveis diretos e indiretos pelo estabelecimento comercial de entretenimento. Em paralelo, um rol de entidades estatais e agentes públicos, com funções claras em relação aos sistemas de fiscalização, autorização e vistoria também devem ser inclusos entre os réus do futuro feito judicial. Sem reservas ou exceções, pois, incluindo-se agentes políticos (secretários e prefeito) que não cumpriram com seus misteres constitucionais e legais. Tudo, é claro, no plano da apreciação prévia e distante dos fatos e dos elementos investigatórios, tomando-se por base eventos similares e os procedimentos que foram instaurados, antes, caso a caso.
No entanto, para a grande massa que acompanha as crônicas jornalísticas do dia-a-dia, já se tem a decisão, já se nomearam os culpados e já se prescreve, aqui ou alhures, as penas aplicáveis, com o grau máximo de severidade possível, inapelavelmente!
Já há, assim, julgamento com sentença transitada em julgado, emitida por muitos expoentes do jornalismo tupiniquim e, também, por grande parte da população que, ainda atônita, acessa as reportagens e os editoriais ou colunas de nossos formadores de opinião. Julgamento sumário, data vênia!
Há responsabilidade? Sem dúvida! Há ações conjugadas que, somadas, deram resultado ao trágico e pesaroso evento? Evidente! Há que se indenizar, inclusive moralmente, as famílias das vítimas? Notório! É necessário, em relação aos sobreviventes e às famílias das vítimas em geral, o atendimento clínico e psicológico? Perfeitamente! Tudo isso será cotejado, espera-se, no momento em que o processo estiver sob julgamento, nas esferas criminal e cível, considerando-se, ainda, que o STF já se manifestou sobre a prevalência (prioridade) de julgamento deste caso em face do clamor popular que ele encarta.
À grande massa que, em algumas situações, porta-se como vampiros diante dos meios midiáticos, na expectativa de ver, logo, o sangue dos “apenados” previamente, devemos lembrar o clássico episódio da malhação de Judas, que satisfaz nossa “fome e sede de justiça”. O evento, em si, os locupleta e os sacia. Está na ordem do dia a preocupação com a “justiça com as próprias mãos” outra conjectura de tempos passados que se refaz e se renova, senão na prática pelos linchamentos reais, mas pelos linchamentos psicológicos.
A se perguntar: quem não errou e não erra? Quem não agiu ou age imprudente, imperita ou negligentemente em diversas situações cotidianas? Quem já não cometeu um deslize que resultou no ferimento (de si ou terceiro) ou na morte de outrem? Quantos foram sancionados judicialmente com a culpa, mas afastado o dolo – a intenção deliberada em agir e o desejo, por vezes, do resultado negativo?
Calma, minha gente! Muita calma nessa hora! Há que se respeitar e aguardar, constitucional e juridicamente, os institutos processuais e a instituição Justiça, para valorar convenientemente o caso e aplicar, segundo a dosimetria cabível, a pena a cada um dos envolvidos, de per si e coletivamente, em face do gravame dos resultados do evento.
Isso não significa que a tragédia será esquecida, ainda que, como comumente ocorre, novas tragédias e escândalos ou as preocupações do cotidiano nos afastem do acompanhamento deste ou daquele caso, mesmo os mais agudos como o presente. Não poderá e não deverá, não somente em relação às demais opções de entretenimento da simpática cidade gaúcha de Santa Maria, como em todas as outras, grandes, médias ou pequenas cidades. Dura Lex, Sed Lex, e agora é o momento do clamor popular para exigir das autoridades competentes o exímio cumprimento de suas funções. Infelizmente, “teve de ser assim” e como se diz, nas próprias plagas gaúchas, “depois de arrombado o portão, tranca de ferro”.
Por fim, reiterando a sempre presente solidariedade e fraternidade do povo brasileiro, que sempre experimenta a comoção em face de circunstâncias como essa, devemos lembrar que, ali à nossa frente estão seres humanos – provavelmente muito culpados em relação a ações ou omissões que resultaram no grande drama santamariano – mas que merecem, eles e os seus mais próximos, o nosso respeito e a atitude, no mínimo fraterna e cristã, de respeito ao drama que, também, pessoalmente, devem ser portadores.
E que a Justiça, no momento adequado e com todas as suas nuances seja feita! Não ao linchamento moral e à apressada fome e sede de “justiça”! Pois bem-aventurados são os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados...